Jéssica caminhava com dificuldade pelos corredores lotados do hospital. Os pacientes estavam amontoados em todos os locais, formando barreiras pelos corredores. Um desconforto para todos da equipe. O excesso de gente trazia um aumento do barulho e um risco tremendo de contaminação.
Passou enquanto o moço da assepsia limpava o vômito da paciente com dengue. Ela entrou no quarto e fechou a porta rapidamente. Finalmente, um segundo de silêncio. Se encostou na porta e fechou os olhos para aproveitar a tranquilidade.— Não se incomode, Jéssica. Temos a manhã toda para esperar você se recuperar. — O professor Paschoal a trouxe para a realidade com uma boa dose de sarcasmo.— Desculpe, professor. — Envergonhada, ela se aproximou da cama para uma boa surpresa. Paula estava visivelmente melhor. O sangramento tinha sido controlado, e o aspecto de calma deu lugar ao de sofrimO professor Paschoal estava encurralado por três alunos descontentes. Fechou os olhos e respirou fundo para encontrar a calma necessária para responder à quantidade de reclamações.— Ela é uma residente do primeiro semestre, por que tem preferência na hora de realizar procedimentos, se eu, que estou no terceiro, não tive a chance ainda? Uma aluna reclamava, gesticulando meticulosamente, tentando mostrar ao professor que a decisão dele não fazia sentido.— Ela conquistou a confiança da paciente e já demonstrou mais habilidade do que alguns do terceiro ano. Paschoal estava encurralado na sala do café. Eram poucos os ambientes onde a equipe podia descansar alguns minutos com o hospital tão lotado.Ele verificava com a direção médica se já tinham emitido o aviso de superlotação para a central de regulaç&
Jéssica pediu para Hugo buscar os filhos, pois seria necessário fazer hora extra hoje. O corpo pesado e a mente um pouco aérea não eram motivo para deixar tantas pessoas sem atendimento.Ficou aliviada quando soube que não chegariam mais pacientes. Depois de um plantão de vinte e cinco horas, voltou para casa.Tomou outro banho por puro hábito e dormiu o quanto pôde. Era sexta feira; poderia passar o final de semana se recuperando.Jonathan não teve a mesma sorte. Pegou um paciente complexo, que precisou de várias cirurgias para se estabilizar. Não realizou o procedimento diretamente, mas acompanhou de perto todo o processo.— Ritmo sinusal — disse o professor Thomas, depois de inserir o último stent e observar a resposta do coração à intervenção. As mãos fechadas em uma celebração contida.Só
Jéssica acordou a tempo de buscar os filhos. Não conseguiu se recuperar totalmente, mas ficou tempo demais longe da luz da sua vida.Arrumou-se de forma despretensiosa: um vestido leve de corte reto e saia longa. Maquiagem simples, apenas para esconder o cansaço estampado no rosto. Olhou-se no espelho e gostou do conjunto. Optou por adicionar um acessório para não sair tão básica. Sentou-se à penteadeira para pegar um par de brincos no porta-joias.Seu olhar caiu sobre o colar que Hugo lhe dera, trazendo uma lembrança:— Isso é para simbolizar a nossa parceria. Tão singular e honesta. Para que nos lembremos do que nos motiva — dissera ele ao colocar nela o colar de ouro 18 quilates, com um pingente de pérola branca média sustentado por um aro de ouro amarelo, um único diamante e uma pequena pérola negra.Jéssica sentiu uma grande emoção com o presente. Era um símbolo de que tudo o que estavam construindo tinha um peso real e muito valor mútuo.Ela lhe deu uma pulseira de quartzo preto
Breno não estava feliz. Seu pai era o seu herói. O melhor de todos, aquele que poderia fazer o que quisesse e obter sucesso.Em seu coração, Hugo era a pessoa mais incrível do planeta. Sempre agindo para o bem, fazendo o melhor para todos em casa, no trabalho. Inventando as brincadeiras mais divertidas, cozinhando as melhores receitas.Não havia um único minuto de sua existência em que não se lembrasse de Hugo fazendo algo incrível para tornar a vida mais leve e alegre.A decepção tinha um sabor amargo. Trazia sentimentos sombrios que ele não reconhecia. Seu mundo sempre fora repleto de felicidades e alegrias.Sentado na escada até a meia-noite, estava decidido a conversar com o pai. Imaginou que, em algum momento, ele voltaria para casa, mas não aconteceu naquele dia.Hugo não voltou. Isso fez a raiva da criança aumentar exponencialmente. Agora ele não voltava mais para casa todos os dias.Acordou no sábado pronto para resolver a situação de uma vez por todas. No alto de seus seis an
O peito arfante e as mãos trêmulas de Breno sinalizavam que seu momento de fúria estava apenas no começo. Hugo se levantou, foi até a frente do filho, abaixou-se e ouviu atentamente cada palavra que ele tinha para dizer. Não o interrompeu nenhuma vez.— VOCÊ ESTÁ ENGANANDO A MINHA MÃE! COMO TEM CORAGEM? COLOCAR ESSA MULHER NA NOSSA VIDA?! — Breno ofegava, deixando as emoções transbordarem a cada palavra.— EU ACREDITEI EM VOCÊ. EU CONFIEI EM VOCÊ, E VOCÊ ME ABANDONOU! ABANDONOU MEUS IRMÃOS! NOS DEIXOU TRISTES! — Os olhos da criança começaram a marejar. A tremedeira estava diminuindo.— NÃO ACREDITO QUE EU QUERIA SER COMO VOCÊ! EU TE ODEIO! — Breno bateu o pé com força no chão. Os braços alinhados ao corpo subiam e desciam no ritmo da fúria que o incendia
O carro com som alto indicava que pessoas felizes haviam chegado. Célia, preocupada com Jéssica, correu para sinalizar que abaixassem o volume.Hugo obedeceu. Juntou os três filhos na sala. Pensou em fazer um discurso direcionado a todos, mas entendeu que machucara cada um de forma diferente. Conhecia os filhos melhor do que a si mesmo.Maria estava sentada com ar indiferente. Mastigava chicletes ruidosamente, mexia no celular e fazia uma bola. Um esforço enorme para ignorar a presença do amado pai.Hugo sabia que precisava começar por ela. Ajoelhou-se, pegou o celular das mãos da menina e começou:— Filha, eu te amo. — Beijou-lhe a mão. — Eu te amo. — Novo beijo. — Eu te amo. Me perdoa por ter deixado você acreditar que eu poderia te abandonar? Por ter te deixado triste?Ele a olhava com sinceridade, o olhar carregado de culpa pelo próprio comp
No caminho de casa, Hugo se lembrou de um detalhe importante, algo que parecia bastante simbólico.— Caio, quer comer onde hoje? — perguntou diretamente, para evitar brigas. Sua voz interior lhe dizia que precisava corrigir isso rapidamente.A surpresa do menino foi absurda. Sentiu como se, pela primeira vez, estavam tratando-o como alguém importante. Seus olhos brilharam de excitação.— Comida baiana. — Ele disse, surpreendendo a todos. Seu restaurante favorito sempre foi o de dinossauros, mas já tinha visto demais disso hoje. Era hora de fazer algo diferente.— Certo. Vamos para lá, então. — Hugo seguiu o caminho, controlando a chuva de reclamações que se iniciou com essa subversão da ordem. Não era o dia de Caio escolher.— Gente, hoje ele escolhe. Na próxima vez, voltamos à lista normal. — Jéssica int
A resolução inicial deu lugar à revolta. Como ela podia tratar desse assunto de maneira tão calma? Estava planejando avançar no relacionamento com Jonathan?— Jéssica, você realmente não se importa que Nicole entre na nossa casa? Na nossa vida? — Tentou não parecer tão bravo quanto se sentia.— Eu quero te ver feliz. Se ela te faz bem, tem que ter espaço entre nós. E as crianças precisam saber que isso não muda seu sentimento por elas. Você a escolheu! — Deu um sorriso fraco, para esconder a tristeza de imaginar que não seria tão importante na vida dele e que, muito provavelmente, se separariam em breve.Hugo, incapaz de conter o desespero que se acumulava em seu peito, se levantou, bebeu todo o líquido do copo, encheu e bebeu de novo. Repetiu até acabar com a garrafa. Olhou nos olhos dela e disse:&mda