Sob o sol escaldante do oriente agnumiano, o céu absolutamente azul, limpo de nuvens, contrasta com o que quer que se erga acima do oceano dourado de areia soprada pelo vento. As torres da antiquíssima cidade de Manancial, agora Yahudah. As caravanas em direção ao horizonte. As tamareiras do oásis. E a flecha de ponta côncava, lançada em linha reta.
O saco atingido pelo projétil explodiu a menos de um metro da cabeça de Iadah, espalhando areia e serragem. Abaixada e alarmada, ela seguiu, sorrateira, protegida pela barricada. Empunhava um arco curto, feito de osso e couro endurecido, que lhe conferiam extrema flexibilidade e o dobro do alcance de uma arma idêntica feita de madeira – uma engenhosíssima peça fabricada muito além da Savana Vermelha, pelos bárbaros nômades que habitavam nas fronteiras de Hamode. Custara uma pequena fortuna trazê-la de além do deserto – mas para enfrentar alguém tão obstinado a ven
Uzias e Deena seguiam pela estrada, cada qual montado em um robusto cavalo de viagem, tentando lembrar o caminho até o Templo do Imanente – a maior construção do tipo em toda a Agnum. Haviam chegado às imediações de Migdala três dias antes, mas passaram todo o tempo em Tsione, levando mensagens de Levana aos sacerdotes e eruditos locais, só descendo agora em função da liturgia que precedia o Rito do Renascimento. De acordo com Levana, o rito era uma mais uma formalidade que uma necessidade. Segundo contava-se, apenas ordenados que uma vez na vida houvessem submergido no lago interior da Caverna da Origem seriam capazes de operar o Dom – uma tolice, já que a história de Agnum, e mais remotamente, de Vellum, estava cheia de casos em que pessoas operavam teurgias antes mesmo de instituírem a caverna. Fossem quais fossem as razões do rito, Uzias estava muito
Intimidades– O que está fazendo aqui, Adameire? – Absalon tornou a perguntar, novamente sem resposta.Ela não respondia. Estava sentada, meio largada na poltrona do quarto, com a cabeça levemente inclinada sobre o ombro esquerdo. Absalon precisou se aproximar um pouco mais para perceber a razão do silêncio: ela estava inconsciente.Seu coração disparou. Antes de tocar no corpo, olhou ao redor e procurou por sinais de combate. Se a haviam assassinado ali, com certeza a intenção era incriminá-lo. Pensou imediatamente em Aminadave, Aryah e Acaiah. Aquilo seria uma tragédia.O quarto estava exatamente como ele o havia deixado, com exceção de um detalhe muito importante: estava limpo e organizado. Os lençóis haviam sido trocados, os utensílios pessoais e livros estavam todos ordenados nas prateleiras e, na mesinha de madeira
Uzias sentia a carruagem balançar enquanto seguia em direção a um lugar do qual só havia ouvido falar. Ao seu lado muitos sussurros se cruzavam, e sua audição privilegiada conseguia identificar a maioria deles. Seus olhos, no entanto, não podiam ver absolutamente nada. Estavam vendados, assim como os dos quase setenta jovens que eram conduzidos pelos túneis largos que levariam, segundo dissera seu guia, à Caverna da Origem.Saber a localização exata da caverna era proibido para todos os ordenados cuja graduação fosse inferior à de mestre. Isso acontecia porque a manifestação do Dom estava associada à água que corria pela caverna. Segundo ouvira, a maior parte dessa fonte em particular cruzava as cavernas pelo subterrâneo, sem que se soubesse onde era sua nascente, ou onde enfim ela desaguava. Sendo um segredo militar de Agnum, apenas ordenados co
Prezado Ancião Zarede; Recebi hoje pela manhã a notícia de que meus serviços à Ordem dos Profetas não são mais necessários. O regente achou adequado me remover da posição que eu ocupava já com alguma relutância, provavelmente me permitindo um descanso há muito desejado. No entanto, dadas as minhas posses modestas, como você mesmo sabe, preciso pedir-lhe um pequeno favor, que para mim será um grande auxílio. Gostaria que você acolhesse meus dois pupilos em sua casa – não como combatentes, mas como convidados. Não posso arcar com as despesas do discipulado no momento, e posso garantir-lhe que eles são modestos e lhe obedecerão como fariam a mim. Eu os enviei para o Rito do Renascimento, e os orientei a seguir para Ataya tão logo as festividades acabassem. Eu pretendo acompanhá-los tão logo resolva algumas pendências administrativas e possa me considerar verdadeiramente livre do fardo que carreguei por anos a fio. Quando estivermos reunidos
Na Ordem dos Armígeros havia um poste grosso, que não passava de um tronco largo e alto de árvore, toscamente cortado e fincado no meio da pista de corrida, famoso por servir de punição para novatos afoitos que se metiam a duelar sem conhecer direito as técnicas de esgrima, e por consequência correndo o perigo de um machucado feio. Os professores, como medida disciplinar, davam aos detidos a chance de evitar limpar latrinas ou descascar batatas, se provassem ser capazes de abrir um lanho na casca do tronco, usando qualquer arma que escolhessem. O que os novatos não sabiam, porém, era que aquele tronco em particular pertencera a uma árvore fossilizada, o que tornava sua casca, assim como seu interior, duros como pedra. Era um divertimento entre os veteranos zombar dos novatos afoitos, enquanto eles se esforçavam inutilmente, às vezes por horas, para evitar detenções mais desagradáveis. &
O governador agonizava, letalmente ferido. Sua respiração estava fraca, arquejante. Estava encolhido no meio do seu salão de cerimônias. Ao seu lado, Adna, sua cortesã e amante, jazia semimorta, vítima de um corte abaixo da linha do queixo, que ainda esguichava sangue quente, acompanhando o ritmo das batidas de um coração que logo iria parar. Era um dia especial – o casamento de sua filha. Ela ia desposar o chefe de um grande clã hamodita, e seria levada para longe dele. Mas estaria segura, com um marido que sustentaria seus hábitos caros. Agora, porém, o salão estava vazio de convidados. O banquete estava inteiro na mesa, intocado e ignorado. Ao seu redor, oito homens esperavam um nono começar a falar. – Eu realmente fic
O salão de reuniões do palácio regencial era um aposento enorme, no qual dezenas de assentos repousavam em semicírculo ao redor do trono do regente. As paredes altas e o teto abobadado eram decorados com pedras claras, de tons pastéis, para carregar o ambiente com paz e serenidade. As janelas compridas deixavam entrar uma quantidade generosa de luz, em qualquer hora do dia. O objetivo, evidentemente, era manter os conselheiros tranquilos, para que pudessem tomar suas decisões com sabedoria. Na regência de Leonoro, que terminara na última comemoração dos Funerais de Vinho, aquele aposento mal fora utilizado. Mas agora havia um novo regente. E uma nova ordem política estava em andamento, o que costumava ocupar o salão com muita regularidade. A regência agnumiana havia sido estabelecida exatamente após a Rebelião dos Profetas. Depois que a primeira guerra civil entre orde
– Isso é um absurdo completo! Justamente quando a situação ao norte se torna mais difícil, Amihud nos pede que abandonemos as defesas! – A palavra não é exatamente pedir. Isso é uma ordem. Uma ordem direta do regente, assinada pelo Juiz-de-Guerra. – Como se aquele patife entendesse alguma coisa do que estamos enfrentando aqui. Vamos ignorar! – Exatamente! Nós não podemos acatar uma ordem dessas, Ancião! Vai condenar todos em Ataya à morte! Zarede estava diante de três Guardiões extremamente exaltados. Mesmo Cervus, o especialista em sobrevivência da ordem, um homem de cabelos acastanhados, olhar sereno, e fama de imperturbável tranquilidade estava