CAPÍTULO 2 – A PIOR NOTÍCIA?
ANOS ATRÁS....
Entre meados do século XIX e início do século XX, houveram grandes ondas emigratórias, principalmente da Europa, com cerca de 40 milhões de pessoas buscando melhores condições no continente americano. A Itália passou por mudanças após sua unificação entre 1859 e 1871, levando a um aumento de impostos e divisões socioeconômicas. Muitos italianos, enfrentando pobreza e dificuldades extremas, buscaram oportunidades em países como Argentina, Brasil, Venezuela e Estados Unidos. Nos EUA, especialmente, encontraram empregos na crescente industrialização, mesmo sem qualificação, o que compensava as baixas remunerações. Isso levou muitas famílias italianas a emigrar em busca de uma vida melhor, deixando para trás entes queridos, na esperança de um retorno breve.
Para uma família em especial, a imigração era questão de sobrevivência: os Montanari. Flaco Montanari herdou o negócio familiar de fabricação de suco de uva natural após o falecimento de seu pai. Flaco viu a oportunidade de expandir seus negócios e prosperar após o saque de sua vinícola em Puglia, no sul da Itália, conhecida por sua rica cultura e culinária, o que o tornou decidido a transformar sua vida. Com a escassez de empréstimos bancários, optou por uma abordagem mais rápida: recorreu a agiotas. Associando-se a Dutti Ferraço, renomado facilitador financeiro italiano, Flaco Montanari buscava impulsionar o crescimento de sua vinícola, aproveitando a respeitável reputação da família. Conhecido por sua habilidade nos negócios e seu jeito cativante, Dutti Ferraço era um homem que valorizava o dinheiro acima de tudo. Começando como engraxate nas ruas da cidade de Milão, ele sonhava em ter sapatos de couro legítimo, mais caros do que os que polia. Logo, transformou seu modesto negócio em uma rede de vinte e dois caixas de engraxates, gerenciadas por ele. Quando finalmente acumulou dinheiro suficiente para comprar os tão desejados sapatos, decidiu investir, em vez de gastá-lo. Essa mentalidade empreendedora o levou a se tornar um proeminente facilitador financeiro, onde tratava seus clientes com mimos e elogios, dependendo do valor do negócio. Dutti Ferraço iniciou seu império financeiro emprestando dinheiro a juros, primeiro aos engraxates e depois a uma ampla gama de pessoas. Rapidamente acumulou uma fortuna em milhares de liras e eventualmente estabeleceu seu próprio banco, onde oferecia empréstimos com juros abusivos. Sua ascensão meteórica o tornou um dos maiores financistas do mercado negro italiano, atendendo desde desempregados até altos funcionários do governo. Flaco Montanari se tornou um dos clientes de Ferraço, utilizando seus empréstimos para expandir sua até então pequena vinícola. Com o financiamento, adquiriu máquinas mais avançadas para aumentar a produção de suco de uva, comprou terras vizinhas e expandiu sua propriedade para uma grande fazenda. Além da produção de sucos, Montanari investiu na produção de vinhos, transformando sua pequena vinícola em uma operação diversificada, com gado, funcionários e instalações modernas. Tudo ia de vento em popa na grande fazenda dos Montanari, com recordes de produção de vinhos da região, funcionários satisfeitos com as bonificações recebidas, vendas e mais vendas de garrafas e mais garrafas de vinho. A fazenda dos Montanari estava prosperando, com altos níveis de produção de vinho, funcionários satisfeitos e vendas crescentes. No entanto, Flaco enfrentou um revés quando uma geada devastadora atingiu a região de Puglia, destruindo toda a plantação de uva e causando grandes prejuízos para a família. Com a propriedade dos Montanari devastada pela geada, os dutos de irrigação congelados e o gado morto, a situação era desoladora. Os capangas de Dutti Ferraço viram uma oportunidade para cobrar as dívidas, inicialmente com cortesia, mas logo intensificando a pressão. Diante da recusa de Flaco em ceder a propriedade, decidiram saquear a fazenda, levando tratores, mantimentos e animais remanescentes. Antes de partirem, deixaram um aviso: — Voltaremos para matar você e sua família. Pague o que nos deve, Flaco. Não precisamos derramar seu sangue. Nesta hora, Flaco tremeu. Sentiu a bile se contorcer, a boca ressecar e as mãos tremerem. Não sabia o que fazer ou como sair da situação catastrófica. Sua família corria perigo por sua causa, e ele sabia disso. - Mas estou devastado! Como vê, perdi tudo! - Bradou Flaco. - Devastado – disse um dos capangas, com um largo sorriso – devastado você estará quando perceber em que se meteu. Flaco estremeceu mais ainda. Um dos capangas, com um dente de ouro na boca à mostra, olhou para a filha de Flaco, de cerca de 12 anos, dos pés à cabeça. Esfregou as mãos, limpou a boca e balbuciou: - Podemos negociar, meu amigo – Flaco percebera a insinuação - se pudermos brincar um pouco com essa bebê... - Ora, seu filho da... Não conseguiu completar a frase. Levou um soco cruzado do homem de dente de ouro e em poucos segundos todos os demais capangas estavam espancando-o. Algum momento depois, o espancamento cessara. Flaco se levantou, a camisa ensanguentada, lábios inchados, dois dentes quebrados, hematomas por todo o corpo. Mal conseguia respirar. Sentia a costela direita quebrada e o ombro esquerdo estava deslocado. A dor era terrível. - Então, Senhor Flaco – disse o capanga do dente de ouro - Não estamos aqui para brincadeiras, como vê. Estamos aqui para cobrar aquilo que nos pertence. Nós queremos o dinheiro. Ou nos passe a porcaria dessa propriedade para nós. De uma forma ou de outra, você nos pagará. Custe o que custar. - Dois dias.... - conseguiu dizer Flaco. - Dois dias? - disse o capanga, dando gargalhadas – com que tipo de homens você pensa que está lidando? Você tem 24 horas. Amanhã voltaremos e espero que esteja com o nosso dinheiro – olhou para a esposa de Flaco – ou vou foder a puta da sua mulher. Nunca em sua vida Flaco Montanari se viu com tanto medo. Ao ver os capangas de Dutti Ferraço se afastarem, Flaco, ainda no chão por causa da surra que levara, ficou pensando numa conversa que tivera com um primo, dois dias antes - América, meu amigo! - dissera o primo – vou para a América! Deveria ir também! Um novo mundo nos espera! A palavra América estava martelando na cabeça de Flaco. Nunca pensara sair da Itália, mas... Atônito e pressionado pelos capangas, Flaco reuniu suas últimas economias, roupas e sua família, deixando para trás parte dos parentes que não estavam envolvidos nos negócios. Enfrentando o medo dos agiotas e de Dutti Ferraço, eles se viram na fila do porto de Genova, aguardando as passagens para os Estados Unidos. Além do temor, Flaco buscava uma nova perspectiva de vida ao tomar essa decisão. Já com as passagens em mãos e ouvindo o som ensurdecedor da sirene da chamada do navio, Flaco conduziu sua família à fila de embarque, rumo ao desconhecido. No segundo dia de viagem, depois do almoço, Flaco estava no convés do navio, olhando para o mar a perder de vista, pensando nos últimos acontecimentos da sua vida. Deixara para trás tudo, saindo do seu país como um rato de esgoto, fugindo de canalhas perseguidores. - Kito – dissera sua mulher. Ela o chamava assim. Ultimamente percebera sua esposa, Antonella, muito estranha. - Oi, Nella – dissrra Flaco, com o olhar ainda penetrante no mar. - Tenho algo a te contar há uns dias... - Pode contar. Depois de tudo, nada vai me abalar, inclusive... - Estou grávida - disse Antonella, interrompendo-o abruptamente. Flaco continuou olhando para o mar, sem esboçar nenhum tipo de reação. E assim ficou por horas... Mal sabia ele que aquela não era a pior notícia.CAPÍTULO 3 – MONTANARI Um dos maiores orgulhos de um homem é ser pai. Com a paternidade vem as responsabilidades, onde a principal, obviamente, é cuidar da sua prole. Os homens que nasciam na família Montanari sempre foram conhecidos como ferozes: defendiam como podiam os seus. Em sua árvore genealógica, na primeira geração, haviam assassinos de aluguel, estelionatários e grandes sanguinários. Com o passar das gerações e com o aparecimento de mais mulheres que homens, a família Montanari recebera um toque de docilidade e ternura e foi-se esquecendo o seu passado pesado. Os novos homens Montanari passaram a se preocupar mais com as lavouras, pequenos negócios na cidade em dias de feira e, principalmente, plantação vinícola. Porém, todos os homens eram viris e fortes para defender aquilo que era seu, principalmente a reputação da família. O homem que não conseguisse ser o provedor e o defensor do seu lar era imediatamente expulso e perderia o sobrenome. Era uma tradição dos Montanari
CAPÍTULO 4 – EDWARD... EDWARD PETROV A principal característica de uma viagem de navio é atracar em portos diferentes por algum breve (ou não) momento e seguir viagem. A programação de viagem pode levar dias ou semanas, dependendo do fluxo marítimo. Uma viagem da Itália para os Estados Unidos levava algumas poucas semanas e as paradas em portos praticamente não existiam, pois não havia países na rota. Com poucas paradas, balanço do navio e quebra de ondas no casco, além da alta aceleração das turbinas, era comum ver pessoas com sintomas associados a náuseas, fadigas, tonturas e vertigem visual. No caso de Antonella Montanari, o único sintoma era apenas seu choro. E vergonha. A todo momento seu marido soubera da verdade da paternidade de Bella e resolveu guardar para si. Mas porquê? Agora, ela sabia que Flaco convivia diariamente com a certeza que não era pai do seu próximo filho. Na verdade, Flaco não sabia de toda a verdade. Desde a consulta com o Dr. Desmond Hills, no hospital
CAPÍTULO 5 - MÁFIA E MILANOS Enquanto tomava seu uísque 18 anos sozinho no seu quarto escuto, sentado na sua poltrona de couro, em Roma, ele pensava. Respirava fundo, para sentir o ar romano adentrando nas narinas. Como era bom voltar a Roma depois de tantos anos! Claro, em grande estilo e com grandes propósitos. E totalmente mudado Retirou do bolso do seu terno fino seu relógio de ouro com ponteiros de diamantes. Meia-noite. O horário dos lobos. E ele era um, claro. Estirou as penas, deu outro gole no uísque. Não sabia o quanto Roma lhe fazia bem. Mas sabia o quanto, no passado, lhe fizera mal. Muito mal. Recostou a cabeça na poltrona e pensou no seu passado, em algumas coisas que aconteceram na sua vida, até chegar ali, no luxo, na riqueza. E no poder. Ele estava pensando nas noites frias nos subúrbios de Roma. A escuridão do beco lamacento onde vivia não condizia com o luxo do centro da cidade. Lá, apenas ricos, católicos bem sucedidos e gente de sobrenome andavam pelas ruas
CAPÍTULO 6 O porto da Cidade de Nova York está situado na foz do Rio Hudson, desaguando na Baia de Nova York. Este é o porto que recebe mais fluxo de petróleo dos EUA, tem uma grande importância na economia do país, pois tem também grandes transações de importação e exportação através de contêiners e também recebia diversos imigrantes italianos, dentre estes, a Família Montanari. Todos já conheciam os Montanari. Todos. Não tinham como passar despercebidos, principalmente depois que Antonella.... Quando o navio atracou, fazendo um grande barulho com as sirenes, representando os boas-vindas aos recém chegados, Flaco foi um dos primeiros imigrantes italianos a descer a escada de desembarque, segurando a mão direita de sua filha, Bella. Filha? Bem... - Papai? - Flaco olhou para o lado. Era Bella chamando-o. Antes que dissesse alguma coisa, ele ficou olhando para ela. Era completamente estonteante. Enquanto descia a escada de desembarque, Flaco pensava: "estou segurando a mão da fil
CAPÍTULO 7 - O MALFEITOR- Como é que é? - dissera Flaco a Belle. Os pensamentos de Flaco estavam voando muito longe dali. De alguma forma, esquecera completamente da própria mulher. Haviam se passados três dias desde que Flaco tivera aquela conversa com Antonella. Três dias que vira sua esposa tentar tirar-lhe a própria vida. Por sorte, ao puxar o gatilho, a única bala que tinha no tambor da arma disparou, mas pegou de raspão na nuca de Antonella, e parou na parede de madeira ao lado, ocasionando um grande buraco, com vários estilhaços em volta. O barulho do tiro foi tão alto deixou todos a bordo preocupados. Ocasionando um grande momento de pânico a bordo. Quando um dos componentes da tripulação apareceu no quarto dos Montanari, se deparou com Antonella aos prantos e um Flaco estagnado pelo medo. Flaco não poderia dizer o que realmente aconteceu a ninguém, caso contrário, isso acarretaria falar a verdade: o motivo da sua discussão com Antonella e o porquê do disparo.
CAPÍTULO 8 – MEDO DO ESCURO A nictofobia se trata de dois compostos: medo + escuro. Pode ser reconhecida como fobia, pois é um sentimento de pânico ou ansiedade e, em alguns casos específicos, avançados ou não, as pessoas têm medo do que pode ocorrer com elas ou o que pode inesperadamente aparecer, justamente por não conseguir ver. É o popular medo do escuro. E era justamente esse medo exacerbado do escuro que estava matando Antonella Montanari aos poucos. O que a bala não tinha conseguido fazer, há dias atrás, naquele súbito momento que tentara cometer suicídio, a escuridão estava dando conta. Sentia-se completamente abandonada por todos, especialmente pelo marido. Sozinha, grávida, abalada, no escuro, passando frio e fome. Sim, fome, pois a péssima comida que davam para ela não era suficiente para sustentar duas pessoas, ela e o bebê. Antonella via a luz do dia apenas por uma pequena janela do quarto escuro. Quando anoitecia, dava para contar as estrelas e ver a lua. Sem tom
CAPÍTULO 9 – NEGÓCIOS SÃO NEGÓCIOS....COMO ANTONELLA CONHECEU PETROV – PARTE I A Ilha da Sardenha é uma ilha mediterrânea ocidental, com mais de 24 mil quilômetros de superfície, considerada a segunda maior ilha do Mediterrâneo, perdendo apenas para a Sicília, na Itália. A maior parte da costa é rochosa e alta, e o território é praticamente construído por colinas e montanhas. Famosa pelas suas águas cristalinas, abriga as lindas ruínas da Idade do Bronze. Recebia vários turistas de todo o globo em todas as temporadas do ano. É lindíssima, indiscutivelmente. Um verdadeiro paraíso na terra. E foi nessa ilha que a pequena Antonella Mizzi nasceu. O seu pai, um conhecido e nobre comerciante de alto renome, e sua mãe uma professora exemplar de geografia em uma escola particular, apenas para os ricos da região. Sempre fora filha exemplar, dedicada aos estudos e obediente aos pais. Uma filha perfeita e muito popular em toda a soxiedade, especialmente na igreja e na escola. Por ser um gr
CAPÍTULO 10 – A GARANTIACOMO ANTONELLA CONHECEU PETROV – PARTE IIO dia que Antonella Mizzi conheceu o grande Mafioso Edward Petrov foi inesquecível. Na verdade, terrivelmente inesquecível. Para ela, claro.Quando Gio Mizzi conseguiu a autorização do governador – o que fora extremamente fácil, pois a quantidade de dinheiro envolvida era absurda até para ele mesmo - os envelopes contendo o dinheiro dos empréstimos chegaram à sua mesa rapidamente, como num piscar de olhos – sim, Gio Mizzi não tinha conta bancária, pois não confiava nos bancos – e ele logo se apressou a comprar seus novos terrenos. Contratou grandes profissionais, como arquitetos, engenheiros, urbanistas e pedreiros. Dentre eles, ele pôde se dar ao luxo de contratar Giuseppe Biancchi, um dos maiores engenheiros civis da Itália, que ficaria responsável por todas as obras. Seriam 6 novos luxuosos hotéis, todos na Ilha da Sardenha e Gio Mizzi estava radiante, principalmente por poder contar com um profissional tão renomado