CAPÍTULO 3 – MONTANARI
Um dos maiores orgulhos de um homem é ser pai. Com a paternidade vem as responsabilidades, onde a principal, obviamente, é cuidar da sua prole.
Os homens que nasciam na família Montanari sempre foram conhecidos como ferozes: defendiam como podiam os seus. Em sua árvore genealógica, na primeira geração, haviam assassinos de aluguel, estelionatários e grandes sanguinários. Com o passar das gerações e com o aparecimento de mais mulheres que homens, a família Montanari recebera um toque de docilidade e ternura e foi-se esquecendo o seu passado pesado. Os novos homens Montanari passaram a se preocupar mais com as lavouras, pequenos negócios na cidade em dias de feira e, principalmente, plantação vinícola. Porém, todos os homens eram viris e fortes para defender aquilo que era seu, principalmente a reputação da família. O homem que não conseguisse ser o provedor e o defensor do seu lar era imediatamente expulso e perderia o sobrenome. Era uma tradição dos Montanari. Flaco Montanari era da oitava geração de homens mais tranquilos. Quando completara maioridade, seu pai o tirou da escola e o obrigou a ajudar na lavoura, colhendo frutas e legumes para que a família pudesse vender na feira da cidade. Não gostava de ir à igreja, porém, por insistência da mãe, Dona Anitta, que tinha 169 quilos e comorbidade compulsiva por comida, passou a frequentar os cultos. Flaco tinha um enorme sentimento de pena pela mãe, pois, além de todas as dificuldades corporais, vivia doente e era acamada, uma vez que não conseguia sequer andar pela casa. Certa noite, antes do jantar, Dona Anitta passou mal e foi levada ao hospital. Depois de vários exames, foi constatado câncer do estômago, sendo que o fígado também estava sobrecarregado pela gordura. Passou alguns dias no hospital, sempre acompanhada por Flaco. Em uma das poucas conversas que tinha com a mãe no hospital, pois a mesma passava os dias e as noites inteiras dormindo, Dona Anitta disse: - Filho, quero que hoje você não fique comigo. É um pedido de uma moribunda bastante doente. - Mãe - começara Flaco – prefiro ficar aqui com a senhora. - Pois prefiro que vá a Igreja. Rogue a Deus pela minha saúde, filho. Quero ir para casa preparar seu bolo de cenoura que você tanto gosta, pois seu aniversário é amanhã! Vá ao culto hoje. Quando o relógio bater meia-noite, volte aqui e dê-me um abraço de feliz aniversário. E era verdade. Foram tantos dias com enorme sobrecarga de pressão e preocupado com a mãe, que Flaco esqueceu do seu próprio aniversário. Foi para casa, arrumou-se e foi ao culto. Quando chegou ao culto, Flaco deu de cara com uma bela jovem. Alta, magra, de pele branca como a neve e lábios carnudos. Chamava-se Antonella. Ela cantava no coral e tinha uma belíssima voz. Conhecida por ter um grande coração, ajudava aos pobres e necessitados, organizando ações sociais, visitava presídios, distribuía sopas e cobertores em tempo frio. Flaco passou o culto inteiro contemplando a beleza da jovem. Estava completamente apaixonado, não sentia os pés, a boca estava seca e o coração acelerado. Sabia que ela era de família que tinha dotes, pois as roupas que vestia entregava isso. Estava pensando em falar com ela após o culto, mas como? Flaco era um jovem extremamente tímido. Quando seu relógio de bolso bateu meia-noite, Flaco se lembrou do que a mãe dissera. “Volte e dê-me um abraço”. Mas preferiu ficar mais um pouco, olhando para Antonella. Estava muito bom ali. No hospital, o relógio também batera meia-noite. Dona Anitta se acordou, sentiu sua garganta fechar e uma forte dor no coração. Nisso, sem a presença de Flaco e sem poder gritar, seu corpo estremeceu. Os médicos, quando perceberam, seu corpo estava inerte. Fizeram todos os procedimentos possíveis, mas já era tarde. A parada cardíaca foi devastadora. O enterro de Dona Anitta foi marcado para o dia seguinte, ao final da tarde. Estavam presentes parentes, amigos, toda a igreja e... Antonella. O coração de Flaco estava devastado, pois levava a culpa de não estar com a mãe na hora da morte. Enquanto estava de cabeça abaixada, chorando, Flaco ouvira: - A morte é o processo natural da vida. É o encontro da alma com Deus. Quando Flaco levantou a cabeça, viu Antonella, que estava ali, ao seu lado, falando com ele. Estava mais bonita que a noite anterior. - Obrigado.... - conseguiu dizer Flaco. Ela deu-lhe um pequeno sorriso e se afastou. Abruptamente, sentiu no coração que casaria com aquela mulher.... Com o passar das semanas, após o luto, Flaco decidiu deixar a timidez de lado e conhecer Antonella. Não demorou muito e já estavam enamorados. Como as famílias eram da igreja e, tradicionalmente, os casórios não demoravam para acontecer, logo marcaram o casamento. Era sonho de Flaco ser pai. Mas não era o sonho de Antonella ser mãe tão jovem. Quando Antonella ficou grávida, foi uma grande alegria para todos. A alegria era tanta que Flaco vira sua pressão baixar, ocasionando um desmaio. Na queda, involuntariamente, bateu os testículos na quina do espelho da cama. Precisou ir ao hospital para cuidados médicos e realizar exames. Flaco já conhecia alguns médicos, dentre eles Dr. Desmond Hills, que acompanhara sua mãe. Já acordado, pressão recuperada, aguardou o resultado dos exames de imagem e hematológicos. - Senhor Flaco Montanari? - disse Dr. Desmond Hills - Pode me acompanhar, por favor? Flaco entrara na sala do médico, que estava abarrotada de livros e imagens de raio x de outros pacientes. - Sente-se – disse-lhe o médico. Flaco sentara na cadeira de alumínio branco da sala - Senhor Flaco, como está o seu dia? - Bem, doutor. Havia algo de estranho na voz do médico. Parecia que estava tentando esconder o nervosismo. - Soube que será pai... primeiro filho? - Sim, doutor! - Flaco mostrou um largo sorriso – e estamos muito felizes! O médico engoliu um demorado goto.- Parabéns, meu amigo. A paternidade é algo incrível.
Flaco continuou sorrindo. O médico segurava um grande envelope com a descrição “Flaco Montanari” - São os resultados dos meus exames? - São sim - disse Dr. Desmond, rapidamente - está com pressa? - Muita! Preciso ir para casa, ver minha adorável esposa – Flaco percebera o desapontamento no rosto do médico - claro, se o senhor não se incomodar...- Não, não... - dissera o médico, sentando em frente a Flaco, entrelaçando os dedos, olhando fixamente para os exames a sua frente – Senhor Flaco, creio que esperará mais um pouco para ver sua esposa hoje – tossiu sorrateiramente – precisamos conversar...
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Durante toda a gestação de Antonella, abruptamente Flaco tornou-se um homem irreconhecível em casa. Sempre trêmulo, andava pela casa fazendo círculos, falava sozinho e mal dormia. Certa vez, ferira a si mesmo enquanto cortava uma cebola. Ficou mais magro, pois mal comia. Adoecera várias vezes, pois sua imunidade estava sempre baixa. Passou a não tocar mais em sua mulher, deixando de lado a virilidade que os Montanari sempre se orgulhavam.
No dia que Belle, sua primeira filha nascera, Flaco entrara em pânico. Não conseguiu acompanhar Antonella durante o parto. Os amigos e familiares acreditavam que Flaco subitamente tinha sentido o peso da responsabilidade familiar ainda na gestação da esposa, o que era completamente compreensível. Quando Antonella recebeu alta do hospital e voltou para casa com Belle, encontrou Flaco bêbado. Ele nunca bebia, mas fazou a beber compulsivamente todos os dias. Com o passar dos dias, Flaco ainda não tinha ido ao quarto olhar para a filha. Até que um dia tomou coragem. Era noite. Ao entrar no quarto, foi devagarinho ao berço, retirou o mosquiteiro de tule e ficou contemplando a bebê que estava na sua frente. Era linda e dormia, inerte. Branca, lábios extremamente vermelhos... - É a sua cara. Flaco tomou um susto. No fundo do quarto, no escuro, sentada numa cadeira, Antonella estava olhando para Flaco. Sua expressão era de satisfação. A presença dela ali deixou Flaco desconcertado. Ele respirou fundo.- É - disse, por fim – parece que sim.
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No navio, rumo aos Estados Unidos e enquanto ouvia Antonella dizer-lhe que estava novamente grávida, Flaco não esboçara nenhuma reação. Depois de muito tempo, olhou para sua mulher e disse:
- Antonella – nunca a chamara assim – precisamos conversar. E espero que tenha uma justificativa no mínimo plausível – fixou seus olhos nos dela e falou - Sou estéril de nascença.CAPÍTULO 4 – EDWARD... EDWARD PETROV A principal característica de uma viagem de navio é atracar em portos diferentes por algum breve (ou não) momento e seguir viagem. A programação de viagem pode levar dias ou semanas, dependendo do fluxo marítimo. Uma viagem da Itália para os Estados Unidos levava algumas poucas semanas e as paradas em portos praticamente não existiam, pois não havia países na rota. Com poucas paradas, balanço do navio e quebra de ondas no casco, além da alta aceleração das turbinas, era comum ver pessoas com sintomas associados a náuseas, fadigas, tonturas e vertigem visual. No caso de Antonella Montanari, o único sintoma era apenas seu choro. E vergonha. A todo momento seu marido soubera da verdade da paternidade de Bella e resolveu guardar para si. Mas porquê? Agora, ela sabia que Flaco convivia diariamente com a certeza que não era pai do seu próximo filho. Na verdade, Flaco não sabia de toda a verdade. Desde a consulta com o Dr. Desmond Hills, no hospital
CAPÍTULO 5 - MÁFIA E MILANOS Enquanto tomava seu uísque 18 anos sozinho no seu quarto escuto, sentado na sua poltrona de couro, em Roma, ele pensava. Respirava fundo, para sentir o ar romano adentrando nas narinas. Como era bom voltar a Roma depois de tantos anos! Claro, em grande estilo e com grandes propósitos. E totalmente mudado Retirou do bolso do seu terno fino seu relógio de ouro com ponteiros de diamantes. Meia-noite. O horário dos lobos. E ele era um, claro. Estirou as penas, deu outro gole no uísque. Não sabia o quanto Roma lhe fazia bem. Mas sabia o quanto, no passado, lhe fizera mal. Muito mal. Recostou a cabeça na poltrona e pensou no seu passado, em algumas coisas que aconteceram na sua vida, até chegar ali, no luxo, na riqueza. E no poder. Ele estava pensando nas noites frias nos subúrbios de Roma. A escuridão do beco lamacento onde vivia não condizia com o luxo do centro da cidade. Lá, apenas ricos, católicos bem sucedidos e gente de sobrenome andavam pelas ruas
CAPÍTULO 6 O porto da Cidade de Nova York está situado na foz do Rio Hudson, desaguando na Baia de Nova York. Este é o porto que recebe mais fluxo de petróleo dos EUA, tem uma grande importância na economia do país, pois tem também grandes transações de importação e exportação através de contêiners e também recebia diversos imigrantes italianos, dentre estes, a Família Montanari. Todos já conheciam os Montanari. Todos. Não tinham como passar despercebidos, principalmente depois que Antonella.... Quando o navio atracou, fazendo um grande barulho com as sirenes, representando os boas-vindas aos recém chegados, Flaco foi um dos primeiros imigrantes italianos a descer a escada de desembarque, segurando a mão direita de sua filha, Bella. Filha? Bem... - Papai? - Flaco olhou para o lado. Era Bella chamando-o. Antes que dissesse alguma coisa, ele ficou olhando para ela. Era completamente estonteante. Enquanto descia a escada de desembarque, Flaco pensava: "estou segurando a mão da fil
CAPÍTULO 7 - O MALFEITOR- Como é que é? - dissera Flaco a Belle. Os pensamentos de Flaco estavam voando muito longe dali. De alguma forma, esquecera completamente da própria mulher. Haviam se passados três dias desde que Flaco tivera aquela conversa com Antonella. Três dias que vira sua esposa tentar tirar-lhe a própria vida. Por sorte, ao puxar o gatilho, a única bala que tinha no tambor da arma disparou, mas pegou de raspão na nuca de Antonella, e parou na parede de madeira ao lado, ocasionando um grande buraco, com vários estilhaços em volta. O barulho do tiro foi tão alto deixou todos a bordo preocupados. Ocasionando um grande momento de pânico a bordo. Quando um dos componentes da tripulação apareceu no quarto dos Montanari, se deparou com Antonella aos prantos e um Flaco estagnado pelo medo. Flaco não poderia dizer o que realmente aconteceu a ninguém, caso contrário, isso acarretaria falar a verdade: o motivo da sua discussão com Antonella e o porquê do disparo.
CAPÍTULO 8 – MEDO DO ESCURO A nictofobia se trata de dois compostos: medo + escuro. Pode ser reconhecida como fobia, pois é um sentimento de pânico ou ansiedade e, em alguns casos específicos, avançados ou não, as pessoas têm medo do que pode ocorrer com elas ou o que pode inesperadamente aparecer, justamente por não conseguir ver. É o popular medo do escuro. E era justamente esse medo exacerbado do escuro que estava matando Antonella Montanari aos poucos. O que a bala não tinha conseguido fazer, há dias atrás, naquele súbito momento que tentara cometer suicídio, a escuridão estava dando conta. Sentia-se completamente abandonada por todos, especialmente pelo marido. Sozinha, grávida, abalada, no escuro, passando frio e fome. Sim, fome, pois a péssima comida que davam para ela não era suficiente para sustentar duas pessoas, ela e o bebê. Antonella via a luz do dia apenas por uma pequena janela do quarto escuro. Quando anoitecia, dava para contar as estrelas e ver a lua. Sem tom
CAPÍTULO 9 – NEGÓCIOS SÃO NEGÓCIOS....COMO ANTONELLA CONHECEU PETROV – PARTE I A Ilha da Sardenha é uma ilha mediterrânea ocidental, com mais de 24 mil quilômetros de superfície, considerada a segunda maior ilha do Mediterrâneo, perdendo apenas para a Sicília, na Itália. A maior parte da costa é rochosa e alta, e o território é praticamente construído por colinas e montanhas. Famosa pelas suas águas cristalinas, abriga as lindas ruínas da Idade do Bronze. Recebia vários turistas de todo o globo em todas as temporadas do ano. É lindíssima, indiscutivelmente. Um verdadeiro paraíso na terra. E foi nessa ilha que a pequena Antonella Mizzi nasceu. O seu pai, um conhecido e nobre comerciante de alto renome, e sua mãe uma professora exemplar de geografia em uma escola particular, apenas para os ricos da região. Sempre fora filha exemplar, dedicada aos estudos e obediente aos pais. Uma filha perfeita e muito popular em toda a soxiedade, especialmente na igreja e na escola. Por ser um gr
CAPÍTULO 10 – A GARANTIACOMO ANTONELLA CONHECEU PETROV – PARTE IIO dia que Antonella Mizzi conheceu o grande Mafioso Edward Petrov foi inesquecível. Na verdade, terrivelmente inesquecível. Para ela, claro.Quando Gio Mizzi conseguiu a autorização do governador – o que fora extremamente fácil, pois a quantidade de dinheiro envolvida era absurda até para ele mesmo - os envelopes contendo o dinheiro dos empréstimos chegaram à sua mesa rapidamente, como num piscar de olhos – sim, Gio Mizzi não tinha conta bancária, pois não confiava nos bancos – e ele logo se apressou a comprar seus novos terrenos. Contratou grandes profissionais, como arquitetos, engenheiros, urbanistas e pedreiros. Dentre eles, ele pôde se dar ao luxo de contratar Giuseppe Biancchi, um dos maiores engenheiros civis da Itália, que ficaria responsável por todas as obras. Seriam 6 novos luxuosos hotéis, todos na Ilha da Sardenha e Gio Mizzi estava radiante, principalmente por poder contar com um profissional tão renomado
CAPÍTULO 11 – “O SENHOR É UM HOMEM F***!!!!”COMO ANTONELLA CONHECEU PETROV – PARTE IIINo dia seguinte ao acontecido das notas falsas, muito antes do sol nascer, o hoteleiro Gio Mizzi foi tirar satisfação com o grande mafioso Edward Petrov.No fundo, ele sabia que tinha sido uma jogada muito inteligente por parte do criminoso. Mas, de qualquer forma, ele estava arruinado! E tudo por culpa do Petrov! Como não sabia onde encontrá-lo, foi no terreno da praia que conseguira com o governador para que o mafioso pudesse construir sua grande mansão. Gio Mizzi estava extremamente apreensivo. Além de ter dado a própria filha Antonella Mizzi como garantia no empréstimo que fizera com Edward Petrov, ele pagara todos os funcionários com dinheiro falso! E o pior: o próprio governador havia recebido o mesmo dinheiro! Quando a história das notas falsas se espalhasse por todos os quatro cantos, ele podia se considerar um homem morto. A não ser que o líder a Máfia Edward Petrov o matasse antes que t