Heitor seguiu então para o outro lado, haviam centenas de prateleiras e o garoto começou a pensar o porquê de nunca ter entrado ali. Conseguiu ver títulos de todos os tipos, desde: “Uma viajem com gigantes” à “No pico da neblina” e até alguns livros mais velhos; depois de tirar a espessa camada de poeira pôde ler: “O príncipe Levi e suas estrelas”. Mas uma pessoa sentada em uma das mesas lhe chamou a atenção e, ao aproximar-se um pouco mais, conseguiu reconhece-la.
— Quer dizer que a senhorita Áurea passa os intervalos aqui? — Berrou Afonso às costas de Heitor, enquanto corria para sentar-se com ela.— Eu não passo os intervalos aqui. — A menina respondeu com uma voz suave e tímida.— Claro, claro. Que merda você está lendo? — Afonso tentou puxar o livro mas a menina esquivou.Heitor conseguiu ler o título do livro enquanto sentava-se do outro lado da mesa, de frente para os dois.— O que são “Os ideais turcanos”? — O garoto perguntou para a menina e Afonso girou os oChegou mais de duas horas atrasado em casa e Antonella já estava dormindo em seu quarto. O menino pôs-se à subir os degraus até seu quarto e largou-se na cama meia iluminada pela luz que aparecia timidamente na janela redonda ao lado da velha cômoda de madeira escura.Quando acordou na manhã seguinte sua mãe não estava em casa, o garoto não se preocupou, sabia que provavelmente a mulher estaria na padaria, adiantando algumas tarefas. Comeu algumas torradas que Antonella deixara para o ele e partiu para o colégio, dessa vez sabia que não chegaria atrasado. Um carro muito bonito; de cor vermelho-azulado atravessou a estrada à toda velocidade, levantando poeira à uns dois metros de altura. Mas Heitor não se deixaria levar por nenhuma distração, chegaria no horário hoje, se não...Mas alguém chamou sua atenção do outro lado da rua
— Engraçado Victória. — Disse Áurea sem olhar para as meninas que soltaram mais risinhos irritantes.— Vim só dar um recadinho. — Liz e Mirela seguraram os risos com a mão e Victória continuou. — Fique longe dele, já tem dona e — Seus olhos pousaram nos cabelos da garota. — você não ficaria contente se essa coisa que você chama de cabelo ficasse... como posso dizer... grudados.As meninas explodiram em risadinhas e Afonso, que se encontrava atrás de Heitor, riu exageradamente alto. Heitor não conseguia suportar, aquelas garotas eram repugnantes e o fato de Afonso gostar daquilo...— Então, estamos entendidas? — Victória disse, agora com um sorriso maléfico.Áurea não respondeu, ainda tentava guardar o livro na mochila, mas a vergonha e a raiva pareciam lhe ter roubado suas capacidades mo
O parque ficava literalmente de frente à biblioteca e hoje estava cheio de pessoas. Muitos do colégio; Heitor conseguiu reconhecer Liz e Mirela que estavam, pela primeira vez, sem Victória Romênia e davam risinhos para um garoto loiro que Heitor lembrava ser um ano mais velho. Reconheceu também Angelina, uma menina de cabelos escuros e olhos castanho-claros muito bonita. A garota deu um sorrisinho para ele quando o viu. E, mais à frente, Áurea sentada em um banquinho ao lado de Icaro que ria feito uma criança que acabara de receber um aviãozinho de brinquedo, ou como Heitor, quando ganhava doces.Um calor subiu pelas pernas de Heitor, Icaro era o tipo de garoto que babava por Victória e Heitor sabia que, se menina estivesse ali, era muito provável que Icaro se juntasse à ela para zombar de Áurea.Sem pensar Heitor seguiu em direção aos dois, os olhos fixos em Icaro e
Finalmente dia vinte de fevereiro chegou. Heitor acordou como se tivesse dormido em cima de pedregulhos. Fora a pior noite desde que mudara-se. O nervosismo surgiu como um baque assim que debruçou-se para ficar sentado em sua cama. Olhou para a janelinha redonda de seu quarto e percebeu que o dia estava nublado, não duvidaria se dali à alguns minutos caísse uma tempestade. A sua jaqueta se encontrava pousada em cima da cômoda que ficava ao lado da janelinha e Heitor correu em sua direção. Levantou tão rápido que bateu os calcanhares no piso de madeira, fazendo um ruído seguido de um berro: — Heitor, se levantou agora?! — Sim, mãe. — Respondeu o garoto, enquanto revirava os bolsos da jaqueta. — Aqui! Guardou, então, o envelope na última gaveta da cômoda e jogou algumas meias por cima. — Vem tomar o seu café, querido. Preciso de sua ajuda hoje! — Estou indo. O garoto vestiu uma camiseta branca, um suéter azul-ciano e sua velha bo
Os dois levantara-se e rumaram ao colégio; a menina sorridente, mas um pouco tímida. E Heitor completamente congelado de pavor, tinha o máximo cuidado para não dizer nada que a ofendesse e a fizesse voltar a ignorá-lo. Caminhavam razoavelmente devagar, a garota abraçava a bolsa de lado em frente a cintura com as duas mãos, como se a abraçasse. Os olhos sempre fixos à frente. A poucos minutos do colégio os dois ouviram um barulho muito alto às suas costas, um carro cortava a estrada jorrando torrentes de fumaça pelos ares. Um carro verde-musgo, muito bonito e, provavelmente, muito caro. O veículo parou com uma freada brusca e um garoto desceu, seus cabelos pretos feito nanquim e olhos verde-água pareceram acentuados pelo forte sol. Afonso se aproximava sorrindo e o carro sumia às suas costas. Áurea parecia tão vermelha quanto um vinho tinto, a menina fitou rapidamente Heitor e disse que precisava se apressar, pois tinha que fazer alguma coisa antes da aula. Sumi
A professora passou alguns exercícios a respeito do purianismo e Heitor não teve muita dificuldade em respondê-los. Nesses últimos dias lera bastante sobre Turca e suas ideologias extremamente nacionalistas e em menos de meia hora terminou o seu trabalho e passou o resto da aula observando as costas de Áurea, seus cabelos curtos eram ainda mais bonitos vistos deste ângulo. Esperou, então, o fim da aula, guardou o material e acompanhou Áurea, com os olhares, sair da sala. Pulou sobre a perna esticada de Afonso; que agora conversava com Icaro sobre o jogo de ontem e seguiu para o corredor. A menina subia mais um lance de escadas e Heitor seguiu-a. Chegou ao quarto andar, onde nunca antes viera, o corredor parecia completamente vazio, exceto por uma menina que caminhava para o banheiro femino. — Áurea! — Berrou o garoto, caminhando em sua direção. A garota parou e fitou-o intrigada, mais de uma vez tentou abrir a boca, mas som algum saía. Finalmente conseguiu falar, e c
Heitor estava brincando com o talher quando uma senhora ossuda subiu ao palco. Os alunos viraram-se e a música reduziu-se.— Senhoras e senhores. Alunos e não alunos — Rosalina sorriu, pareceu radiante. — Quero pedir a atenção dos senhores por breves minutos para ouvir o professor Normando Mucenieks. Professor?O rapaz subiu com um sorriso maior que o de Rosalina, enquanto andava olhava graciosamente par os estudantes que o observavam curiosos.“Já ouvi falar que esse professor é muito bom”, ouviu Heitor, de uma voz vinda do amontoado de alunos em pé.— Boa noite à todos! — Os alunos responderam com um “boa” murcho e o professor continuou. — Como professor de história, tenho a obrigação de erguer o brinde e lembrar-vos do motivo desta celebração...O velho virou-se para um pequeno banquinho ao se lad
O garoto trabalhou um pouco mais que as outras vezes; tirou o pó do balcão e de todas as prateleiras, encheu-as de doces e pães e varreu o chão, limpou as vitrines e por fim organizou todo o estoque. Antonella logo surgiu atrás do balcão, com uma cesta forrada por um pano branco. — Aqui, querido. Leve-a para Héctor. — Disse a moça, sorrindo timidamente e Heitor consentiu. Seguiu para a rua e pôs-se a caminhar. O frio parecia queimar seu rosto, a rua estava mais vazia que durante a ida à padaria. Até as árvores pareciam imóveis, talvez pelos galhos e pelas folhas congeladas. Mas não nevava mais, o céu parecia limpo e por vezes o garoto pôde ver aves cortando os ares. Chegou, então, na velha biblioteca. Estava com o mesmo aspecto de abandono. Qualquer um que passasse em frente diria que ela se encontrava fechada há anos e, dessa vez, até o parque em frente estava vazio. Heitor abriu a porta e o barulho metálico que anunciava a entrada de alguém soou pelo silenc