Finalmente dia vinte de fevereiro chegou. Heitor acordou como se tivesse dormido em cima de pedregulhos. Fora a pior noite desde que mudara-se. O nervosismo surgiu como um baque assim que debruçou-se para ficar sentado em sua cama.
Olhou para a janelinha redonda de seu quarto e percebeu que o dia estava nublado, não duvidaria se dali à alguns minutos caísse uma tempestade. A sua jaqueta se encontrava pousada em cima da cômoda que ficava ao lado da janelinha e Heitor correu em sua direção. Levantou tão rápido que bateu os calcanhares no piso de madeira, fazendo um ruído seguido de um berro:
— Heitor, se levantou agora?!
— Sim, mãe. — Respondeu o garoto, enquanto revirava os bolsos da jaqueta. — Aqui!
Guardou, então, o envelope na última gaveta da cômoda e jogou algumas meias por cima.
— Vem tomar o seu café, querido. Preciso de sua ajuda hoje!
— Estou indo.
O garoto vestiu uma camiseta branca, um suéter azul-ciano e sua velha bo
Os dois levantara-se e rumaram ao colégio; a menina sorridente, mas um pouco tímida. E Heitor completamente congelado de pavor, tinha o máximo cuidado para não dizer nada que a ofendesse e a fizesse voltar a ignorá-lo. Caminhavam razoavelmente devagar, a garota abraçava a bolsa de lado em frente a cintura com as duas mãos, como se a abraçasse. Os olhos sempre fixos à frente. A poucos minutos do colégio os dois ouviram um barulho muito alto às suas costas, um carro cortava a estrada jorrando torrentes de fumaça pelos ares. Um carro verde-musgo, muito bonito e, provavelmente, muito caro. O veículo parou com uma freada brusca e um garoto desceu, seus cabelos pretos feito nanquim e olhos verde-água pareceram acentuados pelo forte sol. Afonso se aproximava sorrindo e o carro sumia às suas costas. Áurea parecia tão vermelha quanto um vinho tinto, a menina fitou rapidamente Heitor e disse que precisava se apressar, pois tinha que fazer alguma coisa antes da aula. Sumi
A professora passou alguns exercícios a respeito do purianismo e Heitor não teve muita dificuldade em respondê-los. Nesses últimos dias lera bastante sobre Turca e suas ideologias extremamente nacionalistas e em menos de meia hora terminou o seu trabalho e passou o resto da aula observando as costas de Áurea, seus cabelos curtos eram ainda mais bonitos vistos deste ângulo. Esperou, então, o fim da aula, guardou o material e acompanhou Áurea, com os olhares, sair da sala. Pulou sobre a perna esticada de Afonso; que agora conversava com Icaro sobre o jogo de ontem e seguiu para o corredor. A menina subia mais um lance de escadas e Heitor seguiu-a. Chegou ao quarto andar, onde nunca antes viera, o corredor parecia completamente vazio, exceto por uma menina que caminhava para o banheiro femino. — Áurea! — Berrou o garoto, caminhando em sua direção. A garota parou e fitou-o intrigada, mais de uma vez tentou abrir a boca, mas som algum saía. Finalmente conseguiu falar, e c
Heitor estava brincando com o talher quando uma senhora ossuda subiu ao palco. Os alunos viraram-se e a música reduziu-se.— Senhoras e senhores. Alunos e não alunos — Rosalina sorriu, pareceu radiante. — Quero pedir a atenção dos senhores por breves minutos para ouvir o professor Normando Mucenieks. Professor?O rapaz subiu com um sorriso maior que o de Rosalina, enquanto andava olhava graciosamente par os estudantes que o observavam curiosos.“Já ouvi falar que esse professor é muito bom”, ouviu Heitor, de uma voz vinda do amontoado de alunos em pé.— Boa noite à todos! — Os alunos responderam com um “boa” murcho e o professor continuou. — Como professor de história, tenho a obrigação de erguer o brinde e lembrar-vos do motivo desta celebração...O velho virou-se para um pequeno banquinho ao se lad
O garoto trabalhou um pouco mais que as outras vezes; tirou o pó do balcão e de todas as prateleiras, encheu-as de doces e pães e varreu o chão, limpou as vitrines e por fim organizou todo o estoque. Antonella logo surgiu atrás do balcão, com uma cesta forrada por um pano branco. — Aqui, querido. Leve-a para Héctor. — Disse a moça, sorrindo timidamente e Heitor consentiu. Seguiu para a rua e pôs-se a caminhar. O frio parecia queimar seu rosto, a rua estava mais vazia que durante a ida à padaria. Até as árvores pareciam imóveis, talvez pelos galhos e pelas folhas congeladas. Mas não nevava mais, o céu parecia limpo e por vezes o garoto pôde ver aves cortando os ares. Chegou, então, na velha biblioteca. Estava com o mesmo aspecto de abandono. Qualquer um que passasse em frente diria que ela se encontrava fechada há anos e, dessa vez, até o parque em frente estava vazio. Heitor abriu a porta e o barulho metálico que anunciava a entrada de alguém soou pelo silenc
Finalmente o dia vinte e nove de março chegou. A neve começou a dar uma trégua e de manhã já se podia enxergar o verde da grama e das copas das árvores pontudas — marca registrada de Romana. — Heitor e já estava a caminho da padaria, o cocheiro era um velho carrancudo, o mesmo que o trouxera da rodoviária quando chegaram a São Havier. Sua mãe já estava na padaria, precisara ir mais cedo por algum motivo que preferiu não contar ao garoto. O frio já não era tão insuportável quanto os dias anteriores e a carruagem parecia dançar sobre o chão de pedras. O cocheiro finalmente ergueu uma das mãos com as rédeas e os cavalos, depois de um relinchado alto, puseram-se a comer o pouco capim que o velho lhe dera. — Quinhentas pratas, garoto. — Disse, erguendo a mão enrugada. — Obrigado! O velho voltou a chacoalhar as rédeas e logo a carruagem, junto dos trotes, sumia no fim do quarteirão. Heitor ajeitou a mochila às costas e entrou na padaria. Por algum motivo já e
Alguns minutos depois estavam todos sentados nas rochas, na margem e ao lado do píer. Haviam feito uma fogueira onde todos procuravam se aquecer. Liz e Victória e Mirela ainda bebiam o conhaque e já estavam meio fora de si. A líder do bando levantou-se, então, tão de repente quanto o farol, que surpreendeu Heitor ao lança-lo um feixe de luz, ofuscando o rosto embriagado da menina.— Vamos jogar alguma coisa? — Disse Victória, aos soluços.Afonso deu um gigantesco sorriso e completou:— Eu nunca!Heitor erguer as sobrancelhas. “E nunca?” Que diabos é isso? O amigo pareceu notar sua ignorância e continuou:— Eu nunca... beijei uma garota na praia...Victória sorriu e puxou a garrafa para a boca, bebeu e passou para as amigas que fizeram o mesmo.— Você já? — Questionou Liz, olhando furiosa para
Depois de despedir-se de Héctor, Heitor seguiu para a porta. O peito ainda doía com a notícia que acabara de ler. Brigada, seu país natal... tomado pelos turcanos... O devaneio durou muito. Ali, em pé na calçada, Heitor percebeu o quanto esses malucos fariam para impor sua ideologia e, enquanto olhava para o fim da estrada, pensava o quão perto estava do exército inimigo. Quanto tempo até uma invasão? Isso tudo parecia exagerado? Não mais...Segundos depois o garoto reparou mais à frente. A praça estava mais cheia que nunca, diversas crianças corriam em brincadeiras e, mais ao fundo, Heitor reconheceu Afonso e Áurea. Os dois estavam sentados lado a lado. A menina sorria e Afonso parecia animado também. Era impressionante como Afonso zombava da garota pelas costas e na sua frente fingia amizade, ou amor... Heitor não sabia, mas seguiu em direção
Finalmente chegou à padaria, haviam dois clientes aguardando a frente do balcão. Uma mulher que parecia ter menos de vinte anos e um velho rapaz, de barba volumosa e um cheiro fortíssimo de cerveja. Antonella surgiu da porta atrás do balcão minutos depois, duas sacas de pães sob os punhos e um olhar frio e vazio. Os cliente saíram aos agradecimentos e Antonella virou-se para a pequena estante atrás do balcão. Não parecia de fato procurar algo, parecia mesmo estar evitando a conversa com o filho, alguma coisa havia acontecido.— Mãe? Preciso avisar uma coisa... — Arriscou Heitor, aproximando-se do balcão e sentando-se sobre um banquinho de madeira escura.— Sim...? — A mulher não se deu o trabalho de virar-se e encarar-lhe face a face.— Eu fui convidado para uma festa... Não é longe daqui. É na casa de uma amiga.&m