Três ou quatro horas já tinham transcorrido desde nossa partida e nada incomum foi visto até então, exceto nossos achados nus e semi-esfacelados. Era-me inevitável imaginar se haveria um Corick entre eles; talvez um Azlain. Mildred acreditava que nenhum daqueles três infelizes se relacionava à minha situação. Na opinião dela, os bárbaros estupradores teriam me encontrado por mero acaso e procurá-los agora seria contraproducente em todos os sentidos. Tal ponto de vista não só se baseava no conteúdo de nossa comunicação telepática como também na magia pura e simples que aplicou sobre os cadáveres pouco antes de seguirmos jornada adiante.
Para mim, nada daquilo era puro e simples. Acessar Mildred em espírito trouxe-me sensações antagônicas perante seus poderes. Digamos que fiquei imensamente perplexo por contatar uma realidade acima de m
Podíamos não ter pás, mas contávamos com espadas, cumbucas e machados que serviram para alargar uma pequena fenda disfarçada entre folhagens e arbustos na base daquela pedra enorme, bem próxima ao chão. Mildred fizera um bom trabalho. – Este buraco está mais escuro do que nosso cocô ambulante! – exclamou Maxis enquanto tirava um grupo de folhas de seu caminho. O anão, claro, não permaneceria calado diante disso. – Ei, rapaz! Achei que tivesse algum amor por sua vidinha insignificante lá no domo. Vejo que me enganei. Se quiser, posso acabar com ela agora. Quer? Basta pedir. – Duoff, não ligue para esse ogro! – pôs-se a apaziguar um dos três lanceiros de túnica.
Escuridão. Amada escuridão. Silêncio. A divisão sugerida no templo de bambu seria posta em prática agora. Seguir gruta adentro com o grupo inteiro traria riscos desnecessários, por isso selecionamos parte de nosso pessoal para vigiar a fenda. Mildred pertenceria a essa trupe, já que sua comunicação espiritual comigo garantiria contato entre todos, mesmo com a separação, pelo menos em teoria. Na prática, ela relutou em aceitar tal proposta, pois queria estar presente de corpo e alma quando o sinal fosse alcançado. Duoff, Iurdok, Zagarith, Rapskin, Juh e um dos lanceiros de túnica juntar-se-iam aos vigilantes enquanto Garpot, especialista em cavernas, lideraria os invasores seguindo indicações minhas referentes ao sinal de Gabriele. Antes de explorarmos a gruta,
Poucos ruídos. Muito cuidado. Apreensão. Medo. Garpot adentrou o buraco antes de todos... besta armada. Edgard seguiu logo atrás... iluminando o caminho... interrompendo-se constantemente para auxiliar uma caveira invisível em seu meticuloso trabalho de verificar armadilhas pelo percurso. Demonstrei objeção ante tal estratégia, visto que nosso murgon poderia acabar realizando o que Dehvorak pretendia por mero acidente. Opinião vã, aliás. Garpot, graças a habilidades exploratórias singulares e aptidões visuais distintas – que só Padelah e Duoff possuíam além dele – , teria de encabeçar o grupo, claro. Nesse ínter
Edgard, tal qual dois lanceiros que ocupavam meu campo visual na direção de Sahad, pouco entendeu do que ocorria; nem havia como. Conhecia só uma mísera porção da louca odisseia que o pôs naquela gruta. Dehvorak, Padelah e Kingler, por outro lado, preferiram abrir mão de se pronunciar, já que não tinham motivos para revelar suas presenças. Diante de mim, e pela terceira vez desde o início daquele drama, a figura que parecia possuir o segredo para desvendá-lo. Ergui minha lamparina de encontro a um manto branco bastante conhecido e deixei meus olhos subirem por ele sem pressa, passeando pelo pequeno bordado que ensaiava formar uma gola sobre o colo seminu da jovem cujo verdadeiro nome nem era Gabriele. Encarei seu sorriso moreno resplandecente – reflexo perfeito de um reencontro há tanto esperado – minha vontade era beijá-lo sem parar.
Silêncio. Solidão. Tijolos observam meu corpo tremer enquanto tento fazê-lo chorar. Quanto tempo estive aqui? É certo que algo importante ocorreu há pouco... uma busca vital interrompida de forma repentina. Por quê? Tremo nu nesse cárcere impecavelmente limpo... melancolicamente frio. Há gente do outro lado com certeza. Uma presença maligna e perigosa me espr
Morta... presença morta... e eu acordando... despertando... deitado... real... estranho odor...(“Não abra os olhos! Pode haver alguém por perto! Não abra!”) **Realidade... corpo nu... meu... real... deitado de barriga para cima... braços e pernas estirados... abertos para o céu... talvez para um teto... algo próximo emanava leve calor... olhos fechados... fechados...(“Você acaba de despertar de um sonho. Eu o acordei. Eu o trouxe de volta. Sua memória retorna lentamente. Não se mova. Não abra os olhos.”) **
Falecera sentado, o infeliz, e Mildred rapidamente descobrira porquê. Um leve choque de familiaridade com o dono daqueles cabelos brancos me fez levar tempo para recobrar a compostura, reassumindo minha posição ereta. Olhos estranhamente esbugalhados pareciam ter se aberto num susto tremendo e ficado assim para sempre junto ao resto do corpo do homem, paralisado no tempo e no espaço. Morrera pelo espírito e não pela carne... de maneira tão incomum que nem conseguira desfalecer. Parecia empalhado agora. Examinei então sua toga azul, muito vistosa, com uma cobra bordada sobre o tecido que terminava exatamente nos tornozelos do sujeito, onde sandálias marrons tinham início. Os “monges-estátua” de meu sonho existiam.
Amparada pelos parceiros, do lugar onde estava, ela até quis me apressar, evidente que sim, mas não demoraria a compreender meu contexto. Era esperta e ainda tinha acesso à mente que elabora estas ideias, pelo menos em parte.Sim, eu conseguiria vê-las e lê-las, aquelas lindas páginas, pois Mildred já esfregava uma erva entre suas palmas, aprontando nova magia, enquanto Duoff acendia-lhe uma pequena fogueira sob o breu do túnel onde estavam. Se o elixir que ela pretendia criar funcionasse, conseguiríamos, a maga e eu, decodificar dezenas de páginas em tempo mínimo. Padelah abriu-lhe a mochila rapidamente para retirar um cântaro e um cantil, usando este para colocar água no outro destinado a permanecer sobre fogo enquanto ervas amassadas por mãos mag