EVELINE
O Mercedes da minha mãe para em frente aos portões de ferro do Joe Bixby. Pelo vidro molhado do carro, observo a fachada cor creme da universidade de música em que passarei quatro anos da minha vida. Um certo nervosismo, misturado ao desespero, se acopla dentro de mim. Tudo na vida tem consequências, essa é a da minha covardia. Tentando não pensar muito nisso, volto minha atenção para mamãe, que está com um sorriso tão grande que tira um pouquinho da minha tristeza.
— Bem, aqui estamos — diz. — Hoje é um dia muito importante para nossa Eve. Então, Cass, será sua a missão, como veterana, guiar nossa garota em seu primeiro dia de aula.
Cassidy, sentada no banco traseiro do carro, abre um sorriso.
— Pode deixar, Di. Vou fazer o meu melhor para situar Evelyne no Joe Bixby. Ela vai amar o lugar.
— Obrigada, gente, mas acho que não precisamos de tudo isso — eu digo. — Basta dar uma passada na reitoria, descobrir onde fica meu dormitório, e vou me sentir em casa.
Minha mãe sorri.
— Sabemos disso, mas eu quero que sua experiência neste lugar seja tão boa quanto foi a minha e a de Cass. É o nosso legado, querida. — Seus olhos brilham. — Ainda não estou acreditando que as meninas das Ravens te convidaram para participar da irmandade antes mesmo do primeiro dia de aula. É bem raro isso acontecer.
Eu tento não me enrolar ao me lembrar da minha mentira.
— É porque nos damos muito bem — falo. — Eu as conheci por meio de Cass, então viramos, tipo, superamigas. Né, Cass?
Cassidy se engasga por um momento antes de gaguejar:
— Sim, claro. As meninas adoram a Eve.
Minha mãe se anima.
— Oh, é mesmo?
— Sim! — Cassidy se empolga. — Quando eu disse a elas que Evelyne era filha de uma ex Raven, elas ficaram tão, mas tão animadas. Exigiram que eu as apresentasse na hora! As meninas A-DO-RAM a Evelyne.
O sorriso da minha mãe se torna ainda maior enquanto eu forço uma risada, que sai mais como um pedido de socorro.
Dionne passa o dedo na bochecha para limpar uma lágrima.
— Você não sabe o quanto estou orgulhosa de você, Evelyne — ela diz. — Queria que tivesse me contado antes sobre essa sua amizade com as meninas.
— Não queria falar sobre isso com você porque achei que não fosse grande coisa.
— Não é grande coisa?! — minha mãe repete, incrédula. — Querida, eu nunca disse nada porque achei que você tinha aversão a irmandades, mas esse foi o meu maior sonho desde que você nasceu. Te ver entrando para as Ravens, vencendo campeonatos e se transformando em uma pianista brilhante. Meu Deus, estou até me emocionando.
Mais uma vez, aquela sensação ruim retorna. Estou enganando minha própria mãe. Em que tipo de pessoa horrível me transformei? Respiro fundo, evitando o frio na barriga, e sorrio.
— Ei, não fique assim, mamãe. Está tudo bem — digo. — Agora, preciso ir. Prometo ligar pra você e pedir umas dicas se as coisas ficarem complicadas.
— Boa sorte. Amo você, querida.
— Também te amo.
Depois que saímos, espero até o carro da minha mãe sumir de vista para deixar meus ombros caírem.
— Estou com vontade de bater em você para colocar algum juízo nessa cabeça — Cassidy diz ao meu lado.
— Estou prestes a fazer isso por conta própria, acredite — digo. — Mas não pegue pesado, ok? A última coisa que preciso agora é de você me julgando.
— Eu não vou te julgar, desde que conserte essa história sobre fazer parte das Ravens. Viu como sua mãe estava? Ela vai ficar arrasada quando descobrir que é mentira.
— Eu não preciso esconder uma mentira se ela se tornar uma verdade — digo, me achando muito inteligente.
Ela balança a cabeça.
— Está falando sério sobre ir adiante com essa história?
— Claro que estou.
— Você quer tanto assim participar das Ravens? Eu nunca imaginei que fosse seu negócio.
Dou de ombros.
— Minha mãe ficaria feliz se eu participasse, então eu vou fazer isso.
— Não é assim que funciona, Evelyne. Você precisa ser aceita primeiro.
— Ótimo, porque eu vou fazer de tudo para conseguir.
Ela balança a cabeça, como se eu fosse um caso perdido.
— Percebe-se que você não conhece as meninas mesmo.
Bem, o que de ruim pode acontecer? Minha mãe já me disse, por diversas vezes, que as Ravens sempre foram conhecidas por serem as mais adoráveis garotas do Joe Bixby. Lindas meninas inteligentes e de personalidade incrível. Isso aconteceu há mais de vinte anos e, logicamente, essa geração de Ravens não tem nada a ver com a da sua época, mas já que se trata de um legado, elas não perderam os seus valores básicos, certo? Eu consigo me adaptar.
Volto a olhar para o prédio em estilo clássico e meu estômago vibra. Não me admiraria ter uma dor de barriga agora. Estou tão nervosa. As grandes colunas alinhadas uma ao lado da outra dão uma visão fenomenal ao prédio antigo e muito bem conservado que parece estar prestes a me engolir. Subindo as escadas, vários alunos arrastam seus pés em direção à entrada conforme carregam suas mochilas e conversam entre si. Me pergunto se algum deles está passando pela mesma situação que eu. Se mentiram sobre o que gostariam de fazer e estão aqui apenas por pura pressão da família.
— Me avise se for vomitar — diz Cass com a maior calma possível. — Eu tenho saquinhos de papel na bolsa.
— Eu não vou vomitar — garanto.
— Ótimo, porque há algumas coisas que preciso dizer pra você antes de começarmos.
Elevo uma sobrancelha.
— É mesmo?
— Há certas regras sociais a serem seguidas se você quiser se manter aqui no Joe Bixby.
— E quais são?
— Há muitos nichos sociais. Alguns mais populares que outros, é claro. Está vendo aquele menino ali, por exemplo? — Ela aponta para um cara loiro saindo de um Porsche.
— O que parece que chupa o próprio pau?
— Evelyne! — ela me repreende.
Eu rolo os olhos.
— Sim, claro.
— Seu nome é Eric Ramsay, e ele é filho da reitora, então não arrume problemas com esse garoto se não quiser ser expulsa.
Bizarro, mas não discuto.
— Certo.
— Aquele grupo ali é, tipo, neutro, sabe? Podem até te tratar bem, mas jamais serão seus amigos. — E então ela se inclina em minha direção, dizendo dramaticamente: — E há o grupo proibido. Não cruzamos com eles ainda, mas é sempre bom avisar.
— Grupo proibido? De quem você tá falando?
— O grupo dos Hawks — responde. — São tipo uma fraternidade mista do Joe Bixby. Eles odeiam as Ravens, então simplesmente os odiamos de volta.
— Por que odeiam vocês?
Ela dá de ombros.
— Há uma rivalidade entre o líder deles e a Kendall, nossa líder. Acontece que os Hawks não suportam as Ravens, e a animosidade é recíproca. Por isso, não se misture com Hawks. Eles são um mau negócio. — Pela maneira como ela fala, parece que serei sequestrada a qualquer momento pelos Hawks.
Eu quero ressaltar o quanto acho tudo isso ridículo, mas desisto quando vejo um grupo de meninas se aproximar de nós. Tão clichê quanto isso parece ser, elas são uma cópia de personagens de algum filme adolescente muito ruim dos anos noventa. Não estou entendendo por que elas estão vindo em nossa direção, ou porque estão sorrindo tão amplamente para Cassidy. Estas são suas amigas?
— Ei, Cass — diz a loira número um, porque há outra.— Olá, Kendall — Cassidy cumprimenta. Há pelo menos mais três delas, mas as outras não parecem falar. — Oh, deixe-me apresentar. Está é Evelyne, minha irmã. Estas são Kendall, Monroe, Tessa e Violet, as Ravens.Então essas são as famosas garotas de irmandade? Eu confesso que imaginava algo diferente. Onde estão as meninas de olhares calorosos e que não discriminavam os outros pelas suas roupas, como minha mãe sempre descreveu? Me chame de precipitada se quiser, mas eu não me engano quando vejo Kendall me encarar de cima a baixo, focando no moletom largo sobre a saia plissada, ou no meu par de meias de cores diferentes, e torce o nariz.— Hum... essa é sua irmã? — ela pergunta. — Eu imaginava algo diferente.— Tipo o que? — eu digo.Ela dá de ombros.— Alguém mais como Cass.Claro. Eu já deveria ter imaginado isso vindo. Por que não viria? Apenas mais um grupo de pessoas para me comparar com Cassidy. Isso sempre foi tão cansativo.Cr
Após fazer todos os procedimentos iniciais, eu pego as minhas chaves e sigo em direção aos dormitórios. O prédio onde vou me instalar é de fácil acesso, e não demoro a encontrar o meu quarto. Me foi informado que vou dividir o quarto com uma veterana, já que sua colega de quarto desistiu do curso um pouco antes de completar um ano, o que é engraçado, porque me pergunto se não serei capaz de fazer exatamente isso depois de apenas alguns meses no Joe Bixby.Encaro a porta com o número treze nela. Não sou supersticiosa, mas não dizem que isso é um número de sorte ou algo do tipo? Bato, recebendo apenas um ruído do lado de dentro, que traduzo como uma autorização e então empurro a porta. Minha colega de quarto está de costas para mim, mas reconheço de imediato os cabelos vermelhos e as roupas pretas que Eleanor estava usando quando a vi lá fora. Congelo no mesmo instante.— Hum... olá — eu digo, meio desajeitada, conforme olho para Cass em busca de alguma ajuda.Minha irmã simplesmente fe
EVELYNEQuando finalmente me dirijo até a sala em que terei a primeira aula, já se passou muito tempo e mesmo assim não tive oportunidade de analisar o Joe Bixby como um todo. No entanto, conforme caminho pelos corredores da minha divisão, noto a variação de estilo das pessoas daqui. O código de vestimenta também é um negócio engraçado. A maioria está dividida entre se vestir como se fosse para um evento em Hollywood ou para uma audiência no tribunal mais próximo. Eu não os julgo, porque eles também não estão me julgando. Não como Kendall e suas garotas fizeram. Eu, particularmente, tenho uma maneira própria de encarar a moda. Não vejo problema algum em sair de casa com a roupa amarrotada se ela estiver limpa. Não está achando o outro pé da sua meia? Faça como eu e use duas de cores diferentes. Sua camisa não deixa de ser uma camisa por estar amarrotada e suas meias não deixam de cumprir sua função só porque não combinam. Há tantas coisas mais importantes com as quais se preocupar na
Eu sufoco um lamento e me levanto. Todos estão me observando, e eu odeio isso. Odeio o olhar de expectativa e curiosidade no rosto de cada um deles. Odeio estar me submetendo a isso. Simplesmente odeio.Eu me sento diante do piano elétrico, observando as teclas brancas e pretas como se fossem amigas de longa data. Uma amizade tóxica que só me consome, só exige de mim e nunca me dá nada em troca. Ignoro a gota de suor que desliza pela minha espinha e afasto os pensamentos estranhos da minha cabeça. Somos apenas eu, este piano maldito e Allegro Cantabile. É o tema de abertura de um dos meus Animes de música favoritos. Não estou nem aí se eles não conhecerem, esta é a única maneira de fazer essa coisa dar certo. Deslizo meus dedos pela tecla do piano, imersa nas notas que decorei há anos. Fecho os meus olhos, ignorando todos ao meu redor, e simplesmente me entrego.Aproximadamente um minuto depois, eu encerro minha apresentação, abrindo os olhos finalmente. Um silêncio sepulcral preenche
EVELYNE— Como foi a minha garotinha em seu primeiro dia de aula?— Pai, é a faculdade — eu digo enquanto faço manobras mirabolantes para não deixar o telefone cair com a quantidade de livros que carrego. Acabei de passar na biblioteca e peguei uma porção de apostilas. Ainda falta um monte que deixei para trás. — Não há muito o que se comemorar.— Eu e sua mãe nos divertimos muito na época da faculdade — diz ele. — Você sabe, eu não sou um pai careta que impede a filha de namorar e se divertir. Quero que estude, mas que também aproveite esta fase, querida.— Obrigada, pai, mas pelo que sei, foi durante a faculdade que vocês me conceberam, então prefiro não seguir tais passos — brinco, já imaginando seus olhos verdes se estreitando enquanto ele passa a mão pela cabeça agora calva, mas que já carregou uma massa de cabelos loiros.Meu pai sempre foi um homem muito bonito. Assim como a minha mãe, ele era um dos mais adorados na época da faculdade. A estrela do curso de teatro conhece a be
Enquanto atravessamos o Campus para ir em direção ao dormitório da irmandade, eu tento ignorar a ideia do quão errado parece tudo isso. Não era para eu estar aqui, em primeiro lugar, então o que diabos estou fazendo?Chegamos no alojamento das meninas e Cass abre a porta, me puxando para dentro com ela. Dou de cara com uma decoração muito bonita em tons pasteis. Tudo neste lugar é organizado, desde as estantes de livros até o pequeno aparelho de som portátil tocando alguma música da Taylor Swift em volume baixo.Passos na escada me tiram de meus devaneios e vejo Kendall descer as escadas, primeiro seus mocassins de salto, até a meia-calça transparente, saia plissada e um suéter rosa-bebê. Encaro seu rosto sorridente, retesando quando ela vem em minha direção e me abraça.— Evelyne! É uma honra receber você em nosso dormitório.Eu tento não franzir a testa para o quão estranho tudo isso é. Meio minuto depois, surge Monroe, Violet e Tessa. Todas parecendo impecáveis em sua casinha de bo
Eu pestanejo, ainda estática, esperando pelo momento em que as risadas vão começar e elas vão dizer que tudo isso é uma piada, porque só pode ser uma brincadeira, mas quando ninguém diz nada, eu entro em desespero.— Espere... o que está acontecendo aqui? Quem é Aaron Ditt, e o que diabos ele tem a ver com as Ravens?— Aaron é o líder dos Hawks, a fraternidade mista do Joe Bixby que te falei — explica Cass. — Eles possuem uma banda e são... digamos, complicados.— Apenas um cara clichê que retrata a maioria dos heróis que eu leio o tempo todo nos livros. Qual o problema disso?— Ele não é apenas um cara clichê, Evelyne. Ele é um porco desgraçado que ilude meninas inocentes — Kendall diz, como se eu a houvesse ofendido ao banalizar sua acusação.— E um babaca que nos odeia — complementa Monroe. — Os Hawks já declararam guerra às Ravens, e é por isso que não suportamos esta banda de mau gosto. São todos uns selvagens.— Aaron Ditt não tem coração — minha irmã fala. — Encontrei Gwyneth P
AARONTrent me passa uma garrafa de cerveja e se senta ao meu lado, o único lugar vazio no sofá da minha sala. Seu olhar desvia para as escadas, onde Ginger está sugando alguma bebida nojenta e sem álcool por um canudinho enquanto se balança desajeitadamente ao som da música alta. Tão estranha, mas a amo.— Ela cresceu, cara — Trent diz, encarando minha irmãzinha. — Está bem bonita.Viro meu rosto para ele e estreito os olhos.— Nem pense nisso.Ele ergue as mãos.— Ei, relaxe, ok? Só estou comentando.— É bom que você comente com seu pau longe dela.Ele rola os olhos.— Você é um hipócrita. Sabia que Devon Miller está puto depois de descobrir que você transou com a namorada dele?— Eu não ligo, ele é um babaca — digo. — E não tenho culpa de foder melhor que ele.— Eca. — Vanessa faz uma careta. — Vocês são nojentos.Trent ri.— Você fala como se nunca tivesse transado com ele também.Eu olho para meu amigo.— Sério, cara?Ele encolhe os ombros, como se não tivesse dito nada de mais.