Capítulo 3.1

EVELINE

O Mercedes da minha mãe para em frente aos portões de ferro do Joe Bixby. Pelo vidro molhado do carro, observo a fachada cor creme da universidade de música em que passarei quatro anos da minha vida. Um certo nervosismo, misturado ao desespero, se acopla dentro de mim. Tudo na vida tem consequências, essa é a da minha covardia. Tentando não pensar muito nisso, volto minha atenção para mamãe, que está com um sorriso tão grande que tira um pouquinho da minha tristeza.

— Bem, aqui estamos — diz. — Hoje é um dia muito importante para nossa Eve. Então, Cass, será sua a missão, como veterana, guiar nossa garota em seu primeiro dia de aula.

Cassidy, sentada no banco traseiro do carro, abre um sorriso.

— Pode deixar, Di. Vou fazer o meu melhor para situar Evelyne no Joe Bixby. Ela vai amar o lugar.

— Obrigada, gente, mas acho que não precisamos de tudo isso — eu digo. — Basta dar uma passada na reitoria, descobrir onde fica meu dormitório, e vou me sentir em casa.

Minha mãe sorri.

— Sabemos disso, mas eu quero que sua experiência neste lugar seja tão boa quanto foi a minha e a de Cass. É o nosso legado, querida. — Seus olhos brilham. — Ainda não estou acreditando que as meninas das Ravens te convidaram para participar da irmandade antes mesmo do primeiro dia de aula. É bem raro isso acontecer.

Eu tento não me enrolar ao me lembrar da minha mentira.

— É porque nos damos muito bem — falo. — Eu as conheci por meio de Cass, então viramos, tipo, superamigas. Né, Cass?

Cassidy se engasga por um momento antes de gaguejar:

— Sim, claro. As meninas adoram a Eve.

Minha mãe se anima.

— Oh, é mesmo?

— Sim! — Cassidy se empolga. — Quando eu disse a elas que Evelyne era filha de uma ex Raven, elas ficaram tão, mas tão animadas. Exigiram que eu as apresentasse na hora! As meninas A-DO-RAM a Evelyne.

O sorriso da minha mãe se torna ainda maior enquanto eu forço uma risada, que sai mais como um pedido de socorro.

Dionne passa o dedo na bochecha para limpar uma lágrima.

— Você não sabe o quanto estou orgulhosa de você, Evelyne — ela diz. — Queria que tivesse me contado antes sobre essa sua amizade com as meninas.

— Não queria falar sobre isso com você porque achei que não fosse grande coisa.

— Não é grande coisa?! — minha mãe repete, incrédula. — Querida, eu nunca disse nada porque achei que você tinha aversão a irmandades, mas esse foi o meu maior sonho desde que você nasceu. Te ver entrando para as Ravens, vencendo campeonatos e se transformando em uma pianista brilhante. Meu Deus, estou até me emocionando.

Mais uma vez, aquela sensação ruim retorna. Estou enganando minha própria mãe. Em que tipo de pessoa horrível me transformei? Respiro fundo, evitando o frio na barriga, e sorrio.

— Ei, não fique assim, mamãe. Está tudo bem — digo. — Agora, preciso ir. Prometo ligar pra você e pedir umas dicas se as coisas ficarem complicadas.

— Boa sorte. Amo você, querida.

— Também te amo.

Depois que saímos, espero até o carro da minha mãe sumir de vista para deixar meus ombros caírem.

— Estou com vontade de bater em você para colocar algum juízo nessa cabeça — Cassidy diz ao meu lado.

— Estou prestes a fazer isso por conta própria, acredite — digo. — Mas não pegue pesado, ok? A última coisa que preciso agora é de você me julgando.

— Eu não vou te julgar, desde que conserte essa história sobre fazer parte das Ravens. Viu como sua mãe estava? Ela vai ficar arrasada quando descobrir que é mentira.

— Eu não preciso esconder uma mentira se ela se tornar uma verdade — digo, me achando muito inteligente.

Ela balança a cabeça.

— Está falando sério sobre ir adiante com essa história?

— Claro que estou.

— Você quer tanto assim participar das Ravens? Eu nunca imaginei que fosse seu negócio.

Dou de ombros.

— Minha mãe ficaria feliz se eu participasse, então eu vou fazer isso.

— Não é assim que funciona, Evelyne. Você precisa ser aceita primeiro.

— Ótimo, porque eu vou fazer de tudo para conseguir.

Ela balança a cabeça, como se eu fosse um caso perdido.

— Percebe-se que você não conhece as meninas mesmo.

Bem, o que de ruim pode acontecer? Minha mãe já me disse, por diversas vezes, que as Ravens sempre foram conhecidas por serem as mais adoráveis garotas do Joe Bixby. Lindas meninas inteligentes e de personalidade incrível. Isso aconteceu há mais de vinte anos e, logicamente, essa geração de Ravens não tem nada a ver com a da sua época, mas já que se trata de um legado, elas não perderam os seus valores básicos, certo? Eu consigo me adaptar.          

Volto a olhar para o prédio em estilo clássico e meu estômago vibra. Não me admiraria ter uma dor de barriga agora. Estou tão nervosa. As grandes colunas alinhadas uma ao lado da outra dão uma visão fenomenal ao prédio antigo e muito bem conservado que parece estar prestes a me engolir. Subindo as escadas, vários alunos arrastam seus pés em direção à entrada conforme carregam suas mochilas e conversam entre si. Me pergunto se algum deles está passando pela mesma situação que eu. Se mentiram sobre o que gostariam de fazer e estão aqui apenas por pura pressão da família.

— Me avise se for vomitar — diz Cass com a maior calma possível. — Eu tenho saquinhos de papel na bolsa.

— Eu não vou vomitar — garanto.

— Ótimo, porque há algumas coisas que preciso dizer pra você antes de começarmos.

Elevo uma sobrancelha.

— É mesmo?

— Há certas regras sociais a serem seguidas se você quiser se manter aqui no Joe Bixby.

— E quais são?

— Há muitos nichos sociais. Alguns mais populares que outros, é claro. Está vendo aquele menino ali, por exemplo? — Ela aponta para um cara loiro saindo de um Porsche.

— O que parece que chupa o próprio pau?

— Evelyne! — ela me repreende.

Eu rolo os olhos.

— Sim, claro.

— Seu nome é Eric Ramsay, e ele é filho da reitora, então não arrume problemas com esse garoto se não quiser ser expulsa.

Bizarro, mas não discuto.

— Certo.

— Aquele grupo ali é, tipo, neutro, sabe? Podem até te tratar bem, mas jamais serão seus amigos. — E então ela se inclina em minha direção, dizendo dramaticamente: — E há o grupo proibido. Não cruzamos com eles ainda, mas é sempre bom avisar.

— Grupo proibido? De quem você tá falando?

— O grupo dos Hawks — responde. — São tipo uma fraternidade mista do Joe Bixby. Eles odeiam as Ravens, então simplesmente os odiamos de volta.

— Por que odeiam vocês?

Ela dá de ombros.

— Há uma rivalidade entre o líder deles e a Kendall, nossa líder. Acontece que os Hawks não suportam as Ravens, e a animosidade é recíproca. Por isso, não se misture com Hawks. Eles são um mau negócio. — Pela maneira como ela fala, parece que serei sequestrada a qualquer momento pelos Hawks.

Eu quero ressaltar o quanto acho tudo isso ridículo, mas desisto quando vejo um grupo de meninas se aproximar de nós. Tão clichê quanto isso parece ser, elas são uma cópia de personagens de algum filme adolescente muito ruim dos anos noventa. Não estou entendendo por que elas estão vindo em nossa direção, ou porque estão sorrindo tão amplamente para Cassidy. Estas são suas amigas?

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