3 Emanuel

Estou de costas para a escada quando a luz volta a funcionar, todos estão fazendo cara de assustados, posso notar Janaína tremendo de susto, a fumaça parou de sair e ficamos todos sem reação, não sei quanto minutos se passaram, ou mesmo se passou algum tempo direito, franzo a testa, não parecia uma simples brincadeirinha, ou tentativa de pegadinha. Ísis, Miguel, Janaína e eu, andamos para perto um dos outros. Onde Davi se meteu?

Ísis nos encara, também contando a quantidade de pessoas, ela franze o cenho e vai até a porta, colocando a mão na maçaneta e a gira, abrindo a porta. Está aberta!? Por que a porta está aberta? Eu mesmo a forcei e estava muito bem trancada.

— Cadê o Davi? — Ísis olha para todos os lados, e então passa para o lado de fora o procurando

Miguel também sai, ele grita chamando por Davi, depois volta para mim e balança a cabeça, Janaína olha em volta desconfiada e então se aproxima de mim.

— Será que ele já saiu? Na hora que abriram a porta? — Janaína questiona — Não faz sentido ele sumir assim.

— Eu sei... — Tento ter certeza mais uma vez olhando em volta, a a porta da diretoria não está fechada...

— Emanuel, sua mãe tá lá no porão. — Miguel grita e então eu e Janaína saímos

— Querem carona? — Janaína é a única que aceita

Andamos até a porta e então me despeço deles, Ísis e Miguel vão para lados opostos, caminhando rapidamente, e vejo o porteiro recostado mexendo no celular.

— Ei, alguém saiu da escola além da gente? Nesse horário? Ou um pouco antes?

— Não.

— E a queda de luz?

— Algum engraçadinho desligou o padrão, mas eu liguei e tudo ok.

— Jogaram uma bomba de fumaça lá dentro, não viu nada?

— Uma bomba? — Ele finalmente sai do celular — Eu teria visto algum movimento estranho e escutado.

— Foi uma bomba de fumaça, quando a luz ligou ela estava lá... Nós cinco vimos a bomba e um de nós sumiu, tem algo errado.

— Se acalme garoto, eu vou checar tudo nas câmeras e posso garantir que vai estar tudo bem.

— Mas tem certeza que ninguém saiu?

— Sim, eu estou sempre aqui. — E voltou a mexer no celular

Vejo que minha mãe já conversa com Janaína, então vou para junto delas, entramos no carro, mamãe e Janiana conversam sobre coisas da escola super bem, na minha cabeça ainda não faz sentido Davi sumir, o porteiro apenas volta para a escola, a checando pela porta de entrada e volta para o seu lugar, e enquanto o carro começa a se afastar vejo a escola desaparecer em silêncio.

QUARTA-FEIRA

Era intervalo de almoço. Estou com sono, como sempre, e gastei a minha noite me perguntando como esqueci o celular em casa, o encontrei jogado no quarto, caído embaixo da escrivaninha, chequei as mensagens e para a minha surpresa, eu havia mandado mensagens na terça de manhã e algumas a tarde. Como eu posso ter mandado mensagens se esqueci o celular?

Agora estou parado no meio do corredor mostrando a todos os meus amigos, onde estava a bomba de fumaça, o amarelado ainda está ali, isso é uma prova, tiro mais uma foto. Isso prova que tudo que eu falei aconteceu mesmo, pela manhã conversei rapidamente com Miguel, ele também não soube me explicar bem o que aconteceu ontem a noite, apenas diz que Luciana afirmou que Davi não foi para a aula.

Paramos de checar o chão e vamos para o refeitório, nos amontoamos em uma das mesas do refeitório, eu tinha contado a todos o que tinha acontecido repetidamente, mas ninguém deu importância que eu esperava, mesmo mostrando o amarelado. Davi não foi a aula, passei pela sala dele para confirmar e se alguém sabia de algo, ninguém tinha noticias dele, e eu tenho certeza que escutei algum professor cochichar que ele não apareceu em casa, logo quando cheguei notei também que onde a bomba de fumaça estava a um leve amarelado, tentei levar algum professor para ver mas pareciam estar correndo dos alunos, nenhum professor estava disposto a conversar sobre coisas além das aulas, nem ao menos a professora de matemática, mas ela apenas me evitou ao máximo, queria perguntar a Pedro se Davi foi ao encontro, mas ele acabaria querendo me bater.

Remexo a comida no meu prato sem fome, tudo está monótono, tirando a parte que mais cedo Janaína apareceu do nada me contando que teve um pressentimento ruim quando entrou na escola.

— Mas, tipo, vocês não viram nada?— Rafa perguntou desconfiado, ele é o único que parece interessado no suposto sumiço

— Sim. — Respondo pela milésima vez — Estava completamente escuro e sinistro, aquela fumaça amarela fez parecer um filme de terror.

— Então somos os protagonistas? — Rafa ri — Espero que não tenha fantasmas.

— Não é isso, cara...

— Então quer dizer que tem chance dele ter sido pego por aliens, sabe essa coisa da fumaça...

— Por que iam fazer isso? — Reviro os olhos — O Miguel viu a bomba de perto, não parecia nada de outro planeta.

— Vocês acreditam em aliens!? — André tenta nos zoar, mas apenas o encaramos — E se um deles, matou o Davi?

Olhei de sobressalto para a mesa que Miguel estava sentado com alguns amigos, eles estão se zoando, comendo e fazendo barulho, logo depois a de Janaína, a irmã mais nova dela a acompanha junto de algumas amigas, elas comem pacificamente, entre alguns comentários e sorrisos, e a de Ísis, onde ela se senta com o namorado, um ou outro reveza sua vez de sentar ali, amigos de Luís é claro, mas não ficam muito tempo, apenas falam algo e saem, não deixo de observar Pedro, a mesa dele é a mais escandalosa, os caras falam enquanto comem, se agitam enquanto falam, todo mundo consgue escutar claramente a briguinha deles sobre os times Bahia e Vitória, Pedro parece notar meu olhar e me encara.

— Qual deles tem o perfil mais psicopata? — brinca Jorge e eu não gosto — Não faça essa cara, você pode ser o psicopata.

Odeio esse tipo de brincadeira, a morte não é uma brincadeira, estou pronto para responder, quando meu celular vibra, quero ignorar, mas é uma daquelas mensagens programadas do projeto do terceiro ano, percebo algumas reações pelo refeitório, gritinhos, abraços estranhos, noto que Ísis se levanta completamente tensa e sai do refeitório deixando Luís para trás, não posso mais resistir, abro o e-mail.

"Olá minhas cobras favoritas, destilaram seu veneno hoje?

O segredo de hoje aparentemente é triste para todos. VAMOS COMEÇAR PELA DIRETORA.

A diretora tem escondido que pela manhã encontrou um rastro de sangue pela própria sala. Sim, um rastro de sangue. E de quem será?

Meus pêsames a família.

Ps: Eu me diverti o apunhalado no escuro da escola."

A foto que acompanha o e-mail é de Davi, seu rosto está virado para o lado pálido, os olhos abertos, na bochecha está escrito "1" em vermelho sangue, a foto pega também um pouco de seu peito, a roupa está repleta de sangue e há um buraco no meio... Solto o celular na mesa.

Estou tremendo, não sei se é raiva, tristeza ou desespero pelas palavras que acabei de ler e ver. Não consigo me focar em nada, tem que ser uma piada, uma bem ruim, se isso é verdade, porque estão levando nesse tom de brincadeira? Como a diretora pode deixar isso acontecer? Davi morreu mesmo? Meu estômago revira, eu quero explodir, alguém está me chamando, várias vozes na verdade, minha pressão está em queda livre. Levo as mãos ao rosto, ainda tremendo, minha mente atrapalha as coisas.

Davi está na andando na frente. Projeto de matemática. Eu chego na biblioteca. O clube dos sem segredos. Davi está não estava mais lá. A luz se apaga.

Sinto mãos me agarrarem, braços passam pela minha cintura, estou sendo arrastado para fora do refeitório. A imagem de Davi me emprestando o celular é a única coisa na minha mente. Estou tentando respirar, e aos poucos consigo, as coisas parecem voltar a ficar claras, minhas mãos não tremem mais, fecho os olhos e os abro novamente. O rosto de Rafa está a centímetros do meu, ele coloca a mão na minha testa.

— Gelado. — Ele comenta tentando descontrair o ambiente

André ri e me entrega um copo de água, bebo tudo rapidamente e noto que Jorge está em pé ao lado deles. Estou na minha sala de aula, só nós estamos ali.

— Quer ir para a enfermaria? — Rafa questiona e eu apenas balanço a cabeça

Meus amigos sabem que o meu emocional não é lá essas coisas, eles já me socorreram em diversas crises de ansiedade, ou quando eu simplesmente estava para baixo. Estamos juntos desde a alfabetização, literalmente crescemos juntos, sabemos tudo um do outro.

— Ainda falta alguns minutos para o sinal bater, mas duvido que as aulas recomessem. — Jorge cruza os braços e me encara

Ainda tento controlar minha respiração, fecho os olhos e tento a primeira técnica que me vem a mente. Levo alguns minutos para ficar mais relaxado, não muito, mas já conseguia andar sozinho. Rafa não desgruda o olhar do celular, o grupo da sala está em surto, ninguém sabe como reagir, o grupo da formatura está pior ainda, a turma de Davi não fala nada, ninguém confirma ou desconfirma informação.

— Você acha que isso é uma piada? — André e Jorge conversam — Fazer piada sobre alguém matá-lo? Ou então ele fingir estar morto?

— Nós precisamos ir no comitê. — Digo devagar — Comitê de formatura.

— Não deve ter ninguém lá agora. — Rafa me impede de levantar

— É o comando do projeto, tem que ter alguém lá. Se essa merda foi enviada do e-mail criado por eles, eles sabem quem está escrevendo isso, e se for uma piada vão se ver comigo.

Os caras me seguram mais um tempo dentro da sala, quando o sinal toca nós saímos, fazemos o caminho contrário ao mar de gente. Nenhum dos alunos parece interessado em voltar as aulas, me pergunto qual o alcance daquela mensagem, porque me parece que todos os anos já estão sabendo disso. Andamos até uma saleta no fim do corredor, Pedro está na porta de braços cruzados, como um segurança.

— Vão embora. — Ele diz antes mesmo de nós nos aproximarmos da porta

— Libera ai. — Rafa tenta um diálogo — Só precisamos falar com qualquer um aí dentro, é rápido.

— Não. — Pedro agarra o braço de Rafa — Vão embora.

— Não quero uma briga, só deixa o Manu entrar, ok? Você sabe, ele ontem estava com o...

A porta se abre, Janaína olha para Pedro e Rafa confusa e me encara.

— Já ia atrás de você. — Ela me chama para dentro da sala com a mão

— Só ele. — Pedro adverte, ele está levando a sério o papel

Entro na sala que não está tão cheia como eu esperava, uma mesa parece dividir o lugar em dois, do lado direto a um sofá preto, cartazes, o que eu acho que é um frigobar, do outro lado estantes e cadeiras. Miguel está sentado no sofá ao lado de Bruno e então Janaína se junta, eles estão conversando, na mesa está Valéria, ela mexe no computador e Ísis está em pé ao seu lado com muita raiva, vou até as duas.

— Que porra tá acontecendo aqui? — Pergunto — Quem mandou aquela mensagem?

— É isso que eu estou tentando descobrir. — Valéria tecla rapidamente no notebook

— Puta merda, esse caralho vai demorar até quando? — Reclama Ísis

— Eu já disse, não estou conseguindo entrar no e-mail de jeito nenhum... — O digitar me incomoda, mas não digo nada — Não vai de jeito nenhum!

— Quem tinha a senha desse e-mail? QUAL DE VOCÊS TÁ FAZENDO ESSA MERDA? — Ísis Grita

Valéria abaixou a tela do notebook e arrumou o óculos redondo no rosto, ela era linda, o ruivo cabelo estava acima altura do ombro e os lábios eram carnudos, em qualquer outra ocasião eu daria em cima dela, mas hoje não há clima para nada. Ela está pronta para partir para cima de Ísis.

— Só eu e Bruno temos a senha, ou pelo menos tínhamos. Alguém mudou a senha. Alguém está usando e está nos impedindo de recuperar. Estão se divertindo com a nossa cara, é isso.

— Mas vamos pensar aqui, quem poderia estar fazendo isso? Não faz sentido.

— Nada até agora fez! — Valéria fala — Vocês que o viram por último, que merda estavam fazendo?

— Nada, foi um apagão e ele sumiu. — Me viro para Bruno — Bruno, na sala, o que vocês sabiam dele?

— Ele era legal... Sabe, é o máximo que eu sei.

Valéria bate nas teclas do computador revoltada.

— Nada funciona.

— Vocês vão dar um jeito nisso! — Ísis bate na mesa e começa a sair da sala

— VOCÊ QUER QUE EU FAÇA UM MILAGRE?

— SIM! — Ísis grita e bate a porta

Todos estão tensos e nos encaramos novamente.

— E o que vamos fazer? — Janaína abraça o próprio corpo

— Deixar com a polícia. — Valéria suspira — Bruno? Conseguiu confirmar?

— Infelizmente sim... — Noto como ele, Miguel e Janaína estão cabisbaixos — O E-mail falava a verdade... O corpo do Davi foi encontrado em uma praça aqui perto. Ele está morto.

— Morto... — Valéria se senta e coloca as mãos na cabeça

Nenhum de nós abre mais a boca, apenas nos encaramos por algum tempo, balanço a cabeça em negação e saio da sala, Pedro não está mais na porta, os corredores estão vazios, vou até a minha sala, que também está vazia, a não ser por Rafa que me encara com os olhos castanhos assustado, enquanto enfio meu caderno na mochila e a jogo nos ombros.

— Quer, sei lá, ir pra minha casa? — Rafa tenta falar comigo, mas estou farto de interações por hoje — Sabe, jogar alguma coisa...? Fazer nada?

— Eu só preciso ir pra casa, ok? — Tento não ser grosso — Eu mando mensagens assim que chegar, a gente vai se falando.

Rafa concorda e vamos até o ponto de ônibus, não tenho muito costume de pegar ônibus, minha mãe também não gosta, mas não vou esperar a van vir me buscar com a escola inteira nesse clima sombrio, meu ônibus não demora de passar, até as voltas pelos bairros parecem mais rápidas hoje, desço quase em frente a minha casa, apenas sigo reto e atravesso a rua. A casa deveria estar vazia, mas a TV está ligada, a barulhos vindo da cozinha, largo a mochila no sofá, e vou até a cozinha, minha mãe está na mesa mexendo no celular, ela vira lentamente e me encara.

Eu sei sobre o que ela quer conversar.

— A senhora já sabe, não é?

— A escola me ligou. — Diz sem tirar os olhos do celular — Parece que seu colega morreu ontem a noite. Aquela historia que me contou ontem sobre o desaparecimento, preciso que lembre com todos os detalhes.

— Eu preciso de um banho primeiro, comer...

— Tudo bem. — Ela estende a mão e eu a aperto — Vai ficar tudo bem meu filho.

Vou para o quarto, conferindo de novo a mensagem enviada, completamente horrível, choro um pouco no banho, mas consigo me controlar, visto a primeira roupa que vejo e volto a sala. Mamãe colocou um suco na mesa e está sentada falando ao telefone. Normalmente ela é extremamente reservada com seus casos, mas parece estar tensa e chocada.

— ... Senhora Meria, vou cuidar de tudo, fique tranquila, assim que eu tiver notícias mais atualizadas a senhora ficará sabendo... Sim, a senhora e o grupo de donos da escola... Preciso que a senhora deixe a escola do jeito que está agora, peça que ninguém limpe nada... Certo, certo... Ligo depois, muito obrigada, tchau.

— Eu tirei foto de onde a bomba estava. — Falo segurando um copo de suco

— Deixe-me ver... — Abro a foto e estendo o celular para ela — Deixe salva e me mande também...

— Acho que a senhora deveria falar com o porteiro.

— Eu vou...

— Davi não saiu da escola ontem mãe, é essa ponto.

O telefone de mamãe toca de novo, ela pede silêncio e então se levanta e vai para seu escritório. Me sento e começo a beber meu suco, Davi não saiu da escola, ou o porteiro está mentindo ou então quem o matou esperou nossa saida para tira-lo de lá. Cada vez que penso tudo parece mais como um filme de terror. 

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo