Nos dias seguintes, no novo hospital, a avó de Gael visitava-o diariamente, sentando-se ao lado dele e falando em voz baixa, como se ele pudesse ouvir cada palavra. Toda a dureza que sempre mostrara fora substituída por uma ternura inédita, uma revelação de sentimentos que, até então, ela escondia até de si mesma. Finalmente, após semanas em coma, Gael começou a despertar. Seus olhos abriram-se lentamente, a luz do quarto o deixando momentaneamente desorientado. Ele piscou, tentando focar, e logo percebeu que estava em um lugar desconhecido. O corpo estava fraco, e sua mente vagava em uma confusão de lembranças e perguntas. Ele estava sentindo uma leve dor de cabeça, mas sua mente parecia se ajustar aos poucos à nova realidade. O quarto do hospital era silencioso e organizado, o ambiente sereno demais para o turbilhão que se passava em sua mente. Ele ainda tentava entender como tinha parado ali e por que sua memória parecia um quebra-cabeça incompleto. Mayra, ao seu lado,
As semanas se arrastavam para Cecília como um pesadelo silencioso. Desde o dia em que Gael prometera voltar ao hospital, o silêncio dele se tornara um fardo esmagador. Sem uma única resposta às mensagens e ligações, ela começou a temer o pior: que Gael tivesse mudado de ideia e, incapaz de enfrentar a situação, simplesmente desaparecido de sua vida. Cada tentativa frustrada de contato alimentava seu ressentimento e dor, e ela se via forçada a aceitar a ideia de que ele havia a abandonado. Enquanto isso, em um hospital público, longe do Morro, Gael estava internado, inconsciente e sem identificação. O acidente havia sido devastador: seu carro pegou fogo logo após a colisão, destruindo documentos e pertences, incluindo o celular que foi encontrado danificado e sem carga. Sem documentos, ele se tornou um "paciente desconhecido", sem que ninguém pudesse rastrear sua identidade. A Dra. Mariana segurava o celular, torcendo para que alguém atendesse do outro lado da linha. Ela consegui
Alguns dias após iniciar o novo trabalho, Cecília teve uma surpresa que a deixou muito abalada. Entrando em uma sala para realizar uma coleta de sangue, ela se deparou com Mayra, acompanhada de Gael. Seus olhos se arregalaram, e o mundo pareceu parar por um instante. Ela sentiu o sangue gelar nas veias, quase derrubando os materiais que segurava. Mayra lançou-lhe um olhar vitorioso, e Gael a cumprimentou com um aceno frio, sem qualquer sinal de reconhecimento. O coração de Cecília se despedaçou. Lá estava o homem que tanto amava, que prometera buscá-la, que prometera cuidar dela e da filha, tratando-a como uma estranha. Fingindo indiferença, ela forçou-se a seguir em frente e cumpriu o seu dever, agindo de maneira profissional, embora cada fibra do seu ser estivesse em agonia. Ao final da coleta, Mayra disparou, com um sorriso venenoso: — Só para constar, Cecília, estou fazendo este exame porque achamos que estou grávida. Nosso filho terá o sobrenome dele e, ao contrário C
Ao chegar em casa, Cecília sentia como se o peso do mundo estivesse em seus ombros. Seus passos eram lentos, e o coração ainda carregava a dor e a confusão do encontro com Gael. Ao abrir a porta, o cheiro familiar da comida de sua avó preencheu o ambiente, dando-lhe um breve conforto, como um abraço caloroso em meio à tempestade de sentimentos que a assolava. — Cecília, meu amor, está tudo bem? — perguntou sua avó, com o olhar preocupado. Ela conhecia cada expressão da neta e, ao ver o rosto pálido e os olhos tristes, sabia que algo estava errado. Cecília suspirou, desabando no sofá. Passou as mãos pelo rosto, tentando conter as lágrimas que insistiam em cair. — Vó... hoje eu vi o Gael — disse ela, com a voz quase um sussurro. — Ele estava lá no hospital, mas ele... ele não se lembra de mim. Nem de nossa filha. A avó se aproximou, sentando ao lado dela e segurando suas mãos com carinho. — Como assim, minha filha? — perguntou a avó, surpresa e com os olhos cheios de t
Gael dirigiu em silêncio após deixar Mayra em casa. O trajeto de volta para sua mansão foi tomado por pensamentos desconexos, cada um mais perturbador que o outro. As luzes da cidade passavam por ele como um borrão, enquanto a frase de Cecília ecoava repetidamente em sua mente: “Nossa filha ". Ela havia dito isso com todas as letras e só agora ele se deu conta da seriedade disso. Se ele tinha uma filha ,ele precisa conhecê-la e mais do que isso precisa saber qual o papel daquela enfermeira Cecília em sua vida. Chegando em casa, ele fechou a porta com um movimento pesado e jogou as chaves sobre a mesa. O silêncio do ambiente contrastava com o turbilhão em sua cabeça. Ele afrouxou a gravata e se serviu de um uísque, tentando processar o que havia acabado de descobrir. Como poderia ter esquecido algo tão importante? Uma filha? Para isso acontecer sua memória recente deve ter sido realmente muito afetada nesse acidente. Ele recostou-se no sofá, os olhos fixos em um ponto invisív
Gael sentiu seu coração disparar ao ver a pequena menina no colo da senhora que apareceu à porta. Seu olhar se fixou na bebê, os olhos azuis tão familiares e os traços que lembravam os seus. Ele quase esqueceu onde estava, quem era, o que o havia levado até ali. Tudo o que importava naquele momento era aquela criança que parecia irradiar uma pureza que ele não sabia mais existir no mundo. Cecília, por sua vez, ficou paralisada, os sentimentos de medo e emoção se chocando dentro dela como uma tempestade. Antes que ela pudesse reagir, sua avó, com uma expressão tranquila e um olhar afetuoso, disse: — Cecília, talvez seja melhor você convidá-lo para entrar. Ele merece saber a verdade, e até quando você ficará refém das ameaças daquela mulher? Gael respirou fundo, a tensão em seu corpo era palpável. Sua voz saiu carregada de surpresa e preocupação: — Boa noite, senhora. Ameaças? Do que está falando? A quem está se referindo? Ele olhou para Cecília com intensidade, tentando decifr
O avô de Cecília, Joaquim, deu um passo à frente e sorriu com gentileza. — Agradeço o convite, meu rapaz, mas eu e a Lurdes nunca deixaríamos o Morro, ainda mais agora que a paz reina por aqui. Não nos sentiríamos à vontade no seu mundo, é tão diferente do nosso. Ele estendeu a mão para Gael, que a apertou firmemente. — E desculpe-me, deixa eu me apresentar. Sou Joaquim, o avô de Cecília. Nunca tive a oportunidade de agradecer por ter pago a minha cirurgia e as despesas do hospital, salvando minha vida. Gael sorriu, surpreso, e respondeu com humildade: — Prazer, senhor Joaquim, sou Gael Ferraz. Mesmo não me lembrando disso, fico feliz em saber que pude ajudar. Ele voltou seu olhar para Cecília, a expectativa evidente em seus olhos. — E então, Cecília, qual a sua resposta? Espero que seja um sim, porque você sabe que não aceito outra. Cecília soltou um sorriso fraco e respondeu, a voz trêmula: — É verdade, você realmente não é do tipo que aceita um 'não' como resposta. Mas e s
Gael fez um sinal com a cabeça para uma das empregadas que aguardava próxima à escada. — Por favor, acomode a senhorita Cecília e sua filha em um dos quartos de hóspedes. — Ele virou-se para Cecília e, suavizando o tom, acrescentou: — Suba e fique à vontade. Estarei com você em breve, porque nós também precisamos conversar. Cecília hesitou por um momento, seus olhos presos aos de Gael, buscando um vestígio de dúvida ou incerteza. Mas ele apenas a observava com determinação e um carinho que a fez sentir que, mesmo sem memórias, ele estava ali por ela. Com um aceno quase imperceptível, ela seguiu a empregada pela escada, enquanto o motorista carregava as malas para cima. Seu coração batia forte, misturando esperança e receio. Mayra levantou-se num salto, os papéis tremendo em sua mão. Sua expressão era uma mistura de incredulidade e fúria, os olhos brilhando de ressentimento. — Como ousa, Gael, trazer essa mulher para sua casa sabendo que estamos noivos e em breve vamos nos casar?