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Cecília confronta sua realidade

Agora, com 24 anos, ela era uma mulher madura, endurecida pela vida, e sabia exatamente como lidar com homens assim.Ainda assim, o efeito que Gael tivera sobre ela era inegável.

Suas palavras firmes, sua presença dominadora, e o toque de seus lábios ainda queimavam nos dela, como uma chama que não se apagava.

Ele havia mexido com algo que Cecília pensava estar enterrado profundamente, uma parte dela que ela havia decidido ignorar após a decepção devastadora de seu passado.

Cecília tinha certeza de que jamais veria Gael novamente. Seus mundos eram completamente opostos.

Ele, com toda sua opulência e poder, certamente morava e circulava pelos bairros mais nobres da cidade, enquanto ela vivia no Morro Paraíso, um lugar dominado pelo tráfico e pela violência.

Seus caminhos se cruzaram apenas porque ele, ferido, fora parar no hospital público onde ela trabalhava.

Esse pensamento a trouxe um certo alívio. Homens como Gael representavam perigo, não apenas físico, mas emocional.

Ele poderia destruir sua sanidade, despertar sentimentos que ela jurara nunca mais sentir.

Desde que ouvira aquela conversa cruel anos atrás, Cecília havia fechado seu coração. O trauma daquela traição transformara sua vida. Ela nunca mais se permitiu envolver com ninguém, nem sequer sentiu vontade. Sua vida girava em torno de seus avós e do trabalho no hospital, uma rotina que a mantinha segura, longe de qualquer emoção que pudesse desestabilizá-la. Relacionamentos haviam se tornado algo distante, quase inconcebível.

Porém, Gael, com sua beleza inegavelmente hipnotizante, havia abalado suas estruturas. Apenas um beijo fora suficiente para reavivar algo que Cecília pensava estar morto. E era exatamente isso que a assustava. Não o perigo físico que ele poderia representar, mas o fato de que, pela primeira vez em anos, ela sentia o coração acelerado por causa de um homem e um homem que ela mal conhecera.

Cecília balançou a cabeça, como se quisesse afastar os pensamentos insistentes sobre Gael.

Cecília respirou fundo, forçando-se a retornar à realidade.

Não havia espaço para distrações ou lembranças perturbadoras.

Seu trabalho no hospital demandava total concentração, e ela se recusava a permitir que um único momento de fraqueza interferisse em sua dedicação.

Com uma determinação renovada, ajustou o jaleco e se encaminhou para a próxima sala, onde pacientes a aguardavam.

Cuidar das pessoas e se entregar ao trabalho era o que ela fazia de melhor. Foi esse foco que sempre a manteve firme no caminho certo, longe de qualquer envolvimento emocional que pudesse complicar sua vida. A partir daquele instante, Gael Ferraz estava enterrado em sua mente, assim como qualquer vestígio do beijo que ele lhe roubara.

Ela havia erguido muros ao redor de si mesma, muros que permaneceriam intactos. Cecília jamais permitiria que um homem os derrubasse, muito menos alguém como Gael, frio, arrogante, um homem que acreditava que o dinheiro o tornava superior a todos.

Mas, enquanto ela se concentrava nas tarefas do dia, uma sombra de dúvida pairava sobre ela. O que se passaria se, por acaso, seus caminhos se cruzassem novamente? Cecília não queria pensar sobre isso. Ela precisava manter sua vida sob controle, mas a imagem de Gael, com seu olhar penetrante e o beijo incendiário, parecia teimosamente resistir, mesmo quando ela tentava se perder nas rotinas do hospital.

O dia de Cecília havia sido inquietante desde o tumultuado encontro com Gael.

O pensamento sobre o beijo roubado continuava a atormentar sua mente, mas o turbilhão de eventos que se desenrolaram a seguir era muito mais concreto e ameaçador.

Quando ela desceu do ônibus, que parava algumas quadras do Morro Paraíso, o cenário era de caos.

Viaturas da polícia cercavam a entrada do morro, e o som de tiros de fuzil reverberava pelo ar. A cena era familiar, um triste eco de uma realidade que ela conhecia bem. Cecília sentiu o peso da ansiedade se instalar em seu peito. Ela e outros moradores foram impedidos de subir, barrados pelo forte esquema policial.

A visão de viaturas e o barulho ensurdecedor de tiros a transportaram de volta para a perda de seus pais.

Aquela violência brutal, fruto do confronto constante entre polícia e tráfico, havia levado seus pais embora, deixando-a com uma dor que nunca desapareceria.

Agora, ela tinha a responsabilidade de cuidar dos avós, e a perspectiva de perdê-los a aterrorizava.

O barraco onde moravam estava longe de oferecer qualquer tipo de segurança.

Ela sabia que, quando os tiros começavam, a proteção que aquele lugar oferecia era quase nula. A certeza de que o confronto poderia chegar até lá a mantinha em estado de alerta constante. Ela se perguntava, com o coração apertado, se seus avós estavam a salvo enquanto a batalha se desenrolava nas ruas.

O tempo parecia se arrastar enquanto Cecília esperava, impotente, que o confronto se encerrasse.

A frustração e o medo se entrelaçavam em seu coração, e o desejo de poder fazer algo, qualquer coisa, para proteger sua família se tornava esmagador. A espera era interminável e angustiante.

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