Parte 3...
— Ok - ele pegou o café e provou um pouco — Dessa vez está mais encorpado. Prefiro assim. Parece que a cantina melhorou muito.
Eu tive vontade de rir. Ele nem imagina que compro na cafeteria aqui perto. Pelo menos acertei em algo.
— Precisa de alguma coisa agora?
— Não - abanou a mão — Pode sair.
Educado como sempre. Pelo menos posso voltar para minha mesa e me distrair com meu trabalho.
— Espere!
Merda! Pensei que iria conseguir me livrar por um tempinho. Parei e me virei devagar.
— Quero que você cancele meus compromissos para amanhã de manhã.
— Todos eles?
Ele me olha fazendo uma cara impaciente.
— Eu disse que cancele meus compromissos - levantou — Se eu não especifiquei, então são todos. Você tem problema de entendimento?
— Não, senhor - apertei a unha na palma da mão.
— Então faça o que eu disse e pronto, não fique me questionando - pegou o celular — Pode ir agora.
Fiz um gesto com a cabeça e saí, fechando a porta devagar. Agora posso respirar melhor. Meu Deus, tem dias que esse homem está impossível. Não sei o que foi que o mordeu, mas gostaria que não descontasse em cima de mim.
Voltei para minha mesa. Eu sei que já estou acostumada com essa mudança de humor dele, mas tem dias que fica pesado até pra mim. E hoje eu não estou me sentindo muito bem. Acordei com um pouco de dor de cabeça e minha perna está me incomodando também.
Vou esperar que ele saia da sala e depois vou até a salinha de café aqui no piso, para tomar um comprimido para dor. Estou evitando tomar sempre, mas tem certos dias que está me incomodando demais e se não tomar a dor demora mais para passar e isso me atrapalha muito.
Quando sair daqui, se estiver me sentindo melhor, vou passar no hospital para visitar a Acácia. Semana passada eu só estive lá três dias e gosto de ir mais vezes. Só que esses dias estou andando mais pesado, arrastando mais a perna e isso me cansa mais do que o normal.
Gosto muito de visitar Acácia, mas tem dias que parece que fico tão atarefada que quando me dou conta, as horas passaram e o dia está terminando.
Infelizmente, eu tenho que aceitar que não tenho como controlar tudo. Mas isso é algo que eu já aprendi há muito tempo, não foi de agora.
Na verdade, acho que comecei a aprender sobre isso quando ainda era pequena e passei por tanta coisa difícil e complicada de resolver. Com o tempo só fui aprendendo mais e começando a entender.
Eu gosto de conseguir lidar com tantas coisas, mas é muito cansativo, especialmente no lado emocional que fica muito abalado.
Acho que estou precisando dormir um pouco mais para recuperar as energias. Já tem três dias que não consigo dormir bem por causa da vizinhança. Acho que vou ter que tirar um dia de folga ou então pelo menos uma tarde, para começar a procurar outro lugar para morar, porque está muito difícil continuar morando no condomínio onde moro agora.
Quando me mudei para lá, há quase dois anos, não era assim, mas de um tempo para cá com os novos moradores, está ficando ruim de morar ali, mesmo que o aluguel seja baixo.
A porta se abre bruscamente e ele passa por mim sem nem me olhar, indo em direção à sala de contabilidade. Pela expressão encontrou algo que o aborreceu. Ainda bem que não sou eu quem vai ouvir agora. Já chega o que tenho que ouvir quase que toda semana.
Essa é a minha chance de tomar meu medicamento. Pego meu copinho plástico e minha cartela de remédio e sigo depressa para a sala de café. Minha perna dá uma fisgada pelo esforço, mas tenho que voltar para minha mesa antes que ele retorne para a sala.
— Oi, Ana - a secretária do setor de marketing está tomando um cafezinho — Tudo bem? Está com uma cara de cansada hoje.
— E estou mesmo, mas é normal. Estou caminhando muito de um lado para outro e ficar horas de pé não ajuda muito - encho meu copinho com água e tomo meu remédio.
— Está com dor?
— Um pouco - dou um pequeno sorriso — Mas já vai passar agora que tomei o remédio.
— Eu notei que essa semana você parecia mesmo cansada. Já foi a um médico?
— Já sim - menti com a cara lavada — Mas é minha perna mesmo, eu tenho que voltar a fazer a fisioterapia.
— Ah, sim - ela mexe a cabeça concordando — E tem um lugar pra isso? Se quiser eu te dou o endereço de uma clínica ótima. Meu irmão já fez fisioterapia lá quando teve o acidente. Eles são muito profissionais - fez uma careta — Só que é um pouco caro.
Deus me livre de ouvir a palavra caro junto com saúde. Já fico de cabelo branco quando ouço. Minha fisioterapia eu fiz tudo pago pelo estado e foram vinte sessões. Eu ainda teria que fazer mais trinta, como o médico indicou, mas acabei deixando de lado porque mudaram o local de atendimento e ficou muito longe para mim.
Aceitei o contato que ela me deu, escrevendo em um guardanapo o número. Dificilmente eu vá usar, mas agradeço a intenção de ajuda. Sei que ela tem uma ideia de que eu na verdade sou pobre, mas nunca me perguntou nada, ainda bem.
Não tenho vergonha disso, não é crime ser pobre, mas é que é chato ter que ficar explicando para as pessoas qual o meu problema e depois de um tempo, elas vão se afastando, acho que com receio de que eu vá me encostar nelas, ficar pedindo algo. Sei lá!
Eu prefiro não incomodar. Quando peço alguma coisa pra alguém, geralmente é porque tentei outra alternativa e não consegui. E mesmo assim, eu penso dez vezes antes de fazer isso porque cada pessoa tem seu jeito.
Já me ajudaram e depois me jogaram na cara de uma forma tão feia que eu fiquei sem ação. E outras vezes já fizeram piadinhas desnecessárias. Então, já que eu sou a que preciso, penso bem antes de falar com a pessoa.
É bom para ela e melhor ainda para mim, porque evita que eu me estresse ou fique triste. E também mantém a convivência agradável porque ninguém fica na obrigação de me aturar com meus problemas.
— Se você precisar de algo, pode falar comigo, certo? - ela sorri para mim de modo gentil.
— Obrigada, eu falo sim - sorrio de volta.
Tentarei evitar, a não ser que seja algo aqui do trabalho, aí tudo bem, mas de minha vida pessoal, prefiro continuar como está. As pessoas desconfiam, algumas devem comentar por trás quando eu passo, mas ninguém chega mesmo a me questionar nada.
E eu prefiro manter dessa forma. Tem dias que estou muito cansada com tanta coisa para fazer sozinha e até aceito uma ajudinha em determinados momentos, mas chegar a contar tudo o que se passa comigo e esperar pelo outro, aí eu não faço. Pode até ser orgulho, mas é melhor assim.
— Tenho que voltar para minha mesa agora - me despedi dela e voltei esperando que meu chefe tão bem humorado ainda não tenha retornado e encontrei com um dos advogados dele, Sandro, entrando na antesala — Oi, Sandro - ele abriu a porta para mim — Ele não está na sala, saiu para resolver algo e volta daqui a pouco - encolhi os ombros — Eu acho.
Sandro sorriu e sentou em uma das cadeiras em frente.
— Pela sua cara acho que meu amigo não está sendo muito paciente hoje.
— E ele já foi algum dia? - falei baixinho, com a mão de lado da boca e ele riu — Hoje parece que está a mil.
— É, eu esperava por isso mesmo - olhou em volta e pegou uma revista da mesinha — Posso esperar um pouco.
— Gostaria de beber algo? Um suco, café... Chá?
— Sim, obrigado - ele largou a revista — Prefiro um suco. Está quente hoje.
— Verdade - guardei meu copinho e minha cartela de comprimidos — Eu volto em um instante.
Saí de volta para a sala do cafezinho onde tem a mini cozinha para pegar um suco para ele. Sandro é muito educado comigo, sempre foi. Eu gosto de conversar com ele porque sempre me tratou com respeito e me parece que tem interesse genuíno em saber das pessoas, não é apenas comigo.
— Que diabo você está fazendo aqui novamente?
Eu me virei e quase esbarrei no bebedouro. Era ele.
— E-eu... Vim pegar um suco para o Sandro - expliquei.
— Sandro? - ele apertou um olho me avaliando — E você o chama pelo nome?
— S-sim... - fiquei nervosa — Ele me pediu que o chamasse assim desde o começo. Não quer que o chame pelo sobrenome.
Ele ajeitou a postura e apertou os lábios. Abanou a mão e saiu caminhando. Ainda bem. Respirei aliviada. Peguei a bandejinha e um copo e servi o suco com dois cubos de gelo e levei para Sandro.
Cheguei na sala e os dois estavam conversando. Meu chefe estava sentado em minha mesa. Sandro sorriu e me agradeceu pelo suco.
— Hum... Que bom - ergueu o copo — Está como eu gosto. Azedinho e bem gelado. Obrigado, Ana.
Vi o olhar diferente que meu chefe me deu, mas fingi que não vi e sorri, passando para trás de minha mesa. Ele levantou e abriu a porta do escritório, chamando Sandro para dentro e entrou.
— Pode deixar - Sandro disse baixinho para mim — Eu agora vou segurar um pouco do mau humor dele - piscou o olho e deixou o copo na bandeja e entrou, fechando a porta.
Bom, pelo menos enquanto ele estiver lá dentro eu posso fazer meu trabalho sem ficar tendo sobressalto toda vez que meu chefinho cheio de humor sair de sua sala.
Parte 1...— Mas você acha que isso vai adiantar?Eu ando pela sala, pensando no que Sandro veio me falar. Seria ótimo porque me daria mais um pouco de tempo.— Eu posso tentar - ele abriu os braços — Que outra alternativa você tem?— Até agora? - fiz uma cara irônica — Nenhuma, é claro. Ainda não tive tempo de pensar em algo que se encaixe.— Eu dei uma olhada na agenda do Tim e ele tem uma viagem para fazer, então talvez eu consiga falar com ele para adiar a leitura do testamento. — E quanto tempo eu ganho com isso?— No mínimo quatro dias além do que já tem.Eu puxo o ar, coço o queixo. Não é lá grande coisa, mas pelo são uns dias a mais. O problema é que eu não tenho a menor ideia do que fazer.Sandro explicou como ele poderia convencer Tim a adiar a leitura dos documentos e se ele falasse com Lucas seria até melhor porque iria parecer que realmente não tinha nada demais nessa leitura. Lucas não sabia do conteúdo do testamento e na certa esperava apenas o básico.Até me sinto um
Parte 2...Ana...Nossa, fiquei até feliz em poder sair mais cedo, parece que ele estava adivinhando que eu precisava disso. Foi bom o Sandro ter falado com ele, não sei o que, mas me ajudou.Pegar o ônibus sempre é chato quando estou com dor na perna porque o degrau é alto e tenho que forçar a perna para alcançar, mas o remédio está ajudando agora porque dói menos do que pela manhã.Como sempre, o ônibus está cheio, mas não me demoro em pé. Logo um casal desce e eu fui pegar o lugar para me sentar antes que outra pessoa fosse mais rápida. Daqui até o hospital leva pouco mais de meia hora. Se o trânsito estiver mais limpo, um pouco menos.Terei tempo para ficar com Acácia hoje e isso pra mim é muito bom. Espero que ela hoje esteja em um bom dia porque poderemos intragir melhor.Alguns dias ela está longe ou então muito cansada e isso prejudica nossos momentos porque ela fica mais fora do ar do que na realidade. É uma pena.Eu sinto falta de nossas conversas, mas não dá para forçar, a
Parte 3...Matteo...Puta merda, parece que as coisas quando começam a dar errado vem uma sucessão de momentos ruins atrás para ajudar a complicar mais a situação.Acabei de receber uma mensagem de Lucas dizendo que quer falar comigo. E como a gente não se fala a quase seis meses, tenho certeza de que esse interesse agora é por conta da leitura do testamento.Ele deve ter recebido algum aviso do escritório de advocacia, mas não deve saber detalhes ainda, ou teria me dito algo. E também como ele é mais velho, eles devem ter enviado o aviso primeiro para ele e depois eu vou receber um.Sandro tinha me dito que eles estavam separando nossos endereços e contatos para nos chamar para a leitura. Espero que ele consiga adiar mesmo uns dias.A música do barzinho até que é agradável, sou eu que não estou com muito bom humor hoje para relaxar, mesmo bebendo um bom vinho e esperando por uma bela garota para um encontro. Nada sério, deixei claro para ela. Será apenas para uma diversão noturna e d
Parte 1...Eu até que acordei me sentindo um pouco melhor hoje. Fiquei até tarde pensando em algumas ideias, mas não senti firmeza em nenhuma e abandonei.Só que essa madrugada acordei mais cedo do que o habitual e fiquei deitado na cama, olhando para o teto e pensando. Se o que meu avô queria era que eu tivesse uma família, eu poderia conseguir isso, só não sabia ainda como e se haveria tempo para ficar dentro do prazo e não levantar desconfianças. Bem, não muitas, porque de qualquer forma iriam falar e meu irmão seria um deles.Peguei o celular e mandei uma mensagem para Otávio e para Sandro, para eles irem até meu escritório para a gente conversar. Quero passar para eles as ideias mais prováveis que eu tive e ver se alguma é interessante. Eles vão me dar conselhos, vendo de fora cada uma e a mente de advogado vai ajudar a não meter os pés pelas mãos.Engraçado que fiquei com a imagem de Ana dentro do ônibus. Ela parecia cansada. Só não sei porque essa imagem ficou comigo, eu a vejo
Parte 2...Eu não estou de mau humor, só estou ansioso. Cada hora que passa, eu fico mais perto de perder o que quero.— Vamos entrar - me virei e entrei no escritório.— A gente fala mais depois, Ana - Otávio apertou a mão dela — Foi bom saber de você.— Obrigada - ouvi a voz dela baixinho — Foi bom pra mim falar um pouco disso.Disso o que? Fiquei curioso agora. O que ela teria para contar aos meus dois amigos? E eles tinham interesses em comum? Desde quando?— Vocês vão entrar ou vão ficar perdendo tempo? Eu tenho coisas a resolver - reclamei.Tudo bem, estou sendo chato, eu sei disso, mas o tempo está correndo. O que ela pode ter de tão interessante para falar que eles querem ficar ouvindo?Os dois sentaram nas cadeiras na frente de minha mesa e eu fiquei esperando, batendo os dedos na perna.— E então, como vai ser? - abri as mãos — Alguma novidade? Meu irmão já me procurou para irmos juntos fazer a leitura do testamento - bati as mãos — Olha o tempo correndo.— Matteo, qual o se
Parte 3...Como se estivesse lendo meus pensamentos, Ana bate na porta e entra, trazendo uma bandeja pequena com xícaras para os dois. Ela evita me olhar, mas serve um café para mim também. Não vou reclamar, eu sempre peço café o dia todo.— Gostariam de algo mais? - ela questiona os dois.— Não, Ana, está ótimo - Sandro sorri educado — Era assim mesmo que eu queria - ergueu a xícara.É muita gentileza desses dois com minha secretária. Achei estranho. Ela olha pra mim e eu não falo nada, então ela se afasta e sai.— Percebeu algo diferente? - Otávio me pergunta.Dei de ombro. Não percebi nada.— Eu disse que ele era tonto - Sandro riu.— Matteo, a solução para o seu problema acabou de entrar e sair de seu escritório e você nem notou que ela tem muito a oferecer.— Essa ideia de eu me casar com minha secretária sem sal, magrela e que parece um bicho acuado, não me mostra que seja a solução - ergui a mão — Pelo contrário. Quem vai acreditar que eu tenha me casado com... - gesticulei apo
Parte 1...Eu finalmente entendi a ideia desses dois malucos e até que pode dar certo, mas ainda estou incerto sobre chamar a Ana para isso. Não vejo como ela pode me ajudar mesmo.— Ela é meio tonta, vocês não perceberam?— Você que está sendo tonto, Matteo. Ela é muito inteligente, educada e prestativa - Sandro reclamou — O problema é que você nunca parou para observar realmente como ela é.Eu achei estranho essa defesa.— Por que estão defendo tanto ela? Não me diga que estão interessados nela? - dei risada.— Ai, como você é besta, meu amigo - Otávio balançou a cabeça fazendo careta — De novo com isso... É birra sua? Ana tem qualidades que você nunca viu porque sua mente é voltada só para coisas fúteis.— Agora você quem está exagerando. Eu não presto atenção porque ela é só uma secretária.— Então aproveite que nós já prestamos atenção e já saímos na frente, para saber mais. E estou certo de que depois você irá nos agradecer por isso - Otávio apertou os olhos.Dei risada olhando
Parte 2...AnaAchei meio estranha a cara dos dois quando saíram da sala de Matteo. Pararam pra falar comigo e me fizeram algumas perguntas do nada, depois disseram que precisariam falar comigo um pouco mais.Eu gosto dos dois, mas achei que eles foram bem diretos e curiosos. Mas, tudo bem, eu respondi normal e também fiquei curiosa em saber o que eles podem querer comigo depois.Agora tenho que ir até a sala de registros para pegar algumas pastas que meu chefe estressadinho mandou. E já que ele está sozinho agora, é melhor que eu me vá rápido, antes que ele grite por mim.— Menina, nem te conto - uma outra funcionária apareceu enquanto espero o elevador — Parece que o todo poderoso está subindo pelas paredes de raiva - ela disse.Eu só franzi a testa e apertei o botão de novo.— Tem uma fofoca correndo lá no almoxarifado - ela falou mais perto de mim — Que nosso chefinho gostoso está falando em casamento - falou mais baixo com a mão na boca.— Hum... - foi tudo o que pronunciei e ent