Por quem nunca poderia saber onde eu passei essa noite.— Rodrigo, eu… preciso sair daqui. Não posso passar o dia presa.— Se tiver alguém que possa depor a seu favor, alguém que comprove endereço fixo ou vínculo familiar…— Não — cortei rápido demais. — Não tem ninguém.Ele me olhou com mais atenção. Mas não perguntou. Inteligente da parte dele.— Tudo bem. Vou acompanhar de perto. Se Stevan não se manifestar até às oito, eu entro com pedido próprio.Assenti, em silêncio. Mas dentro de mim, uma bomba relógio já contava os segundos.O amanhecer chegou sem aviso. A luz alaranjada filtrou pelas grades altas da cela como um insulto. E então, outra vez, a chave girou. Outro policial abriu a cela, me olhando desinteressado.— Catarina. Outro advogado quer falar com você.Outro? Franzi a testa. Me levantei devagar. Rodrigo já tinha vindo. Quem mais viria?Na sala de visitas, um homem elegante, de cabelos grisalhos e um olhar clínico me esperava. O terno dele era caro demais para
— Algum empresário recluso. Russo, talvez. Discreto demais. Não lida diretamente com ninguém. O documento está com ele. É o que me importa.Então era verdade. Ele não sabia. Não fazia ideia de que Tristan estava vivo. De que ele era o homem que eu vi naquela noite, parado na escada, com o mesmo olhar que me dava quando me via chegar. O mesmo olhar que agora me dilacerava.— Você é nojento, Stevan — sussurrei, entre os dentes.— E você é linda quando tenta me odiar. — Ele sorriu, malicioso. — E mesmo assim sempre volta. Sempre vem voando pro ninho.— Eu volto porque você me prendeu nesse jogo. Porque eu não tenho escolha.Ele se levantou e caminhou até mim com calma, como quem se aproxima de uma gaiola aberta. Pousou os dedos no meu queixo e me forçou a encará-lo.— Todo mundo tem escolhas, passarinho. A sua foi minha. Lembra disso da próxima vez que pensar em me desafiar.Me afastei com um impulso, como se os dedos dele queimassem. Porque queimavam. Porque eu estava fervendo p
— Dormi na casa da Tereza, ela me deixou comer biscoito no café da manhã! — disse todo orgulhoso, os óculos escorregando um pouco no nariz.— É mesmo? — sorri, apertando ele contra mim, sentindo o cheirinho doce de shampoo infantil e travesseiro alheio. — E você se comportou?— Eu fui ótimo! Pergunta pra ela!Dona Tereza riu com aquele jeito maternal que me confortava sempre. Seus olhos se prendendo na minha aparência. Aparência de quem chorou. Ela me deu um sorriso mais contido, triste. E continuou. — Ah, ele foi um anjo, como sempre. Quando você não apareceu no horário ontem à noite, achei melhor levar ele comigo. Ele ficou tranquilo. Só perguntava de você antes de dormir. Mas eu disse que logo estaria em casa.Engoli em seco. Por pouco eu não fico presa. — Obrigada… por tudo. Eu não sei o que faria sem você.Ela me olhou nos olhos, com aquela ternura silenciosa de quem sabe que há mais por trás, mas não exige explicações.— Vocês são minha família agora, Catarina. E famíl
Desde aquela noite, desde que vi o rosto no quadro, desde que o advogado da mansão me tirou da prisão… algo dentro de mim não se aquietava. O mundo parecia girar devagar demais, como se estivesse prestes a cair sobre mim.E eu sabia que, por mais que doesse, por mais que mexesse em feridas antigas… eu precisava saber.O meu coração batia acelerado, como se já soubesse o que me esperava. A mente gritava para que eu desistisse. Para que não abrisse velhas portas.Mas eu não podia.Não depois de tudo.Não depois dele.Respirei fundo, enxuguei o suor da testa e comecei a andar. Cada passo me levava mais perto da verdade.E talvez… do fim da minha paz*Voltar ali todos os dias estava me consumindo. Eu sabia. E mesmo assim, eu voltava.Aquela mansão, escondida no coração da Floresta da Tijuca, parecia me engolir viva. Era como se cada passo naquela estrada de pedra batesse junto com meu coração no peito — pesado, barulhento, insistente. As árvores eram altas demais, fechadas demais,
O caminho até a porta principal parecia maior do que eu lembrava. Cada passo ecoava na entrada silenciosa, e meus sapatos simples soavam deslocados contra o chão de pedra limpa. A mansão estava diferente — mais rica, mais viva, mais intocável. E eu, ao lado daquele homem de preto, me sentia pequena. Invadida por uma mistura sufocante de lembrança e vergonha. Por um momento, me perguntei se ele sabia quem eu era. Se sabia que, algumas noites atrás, eu entrei ali escondida, como uma ladra. Agora, eu entrava pela porta da frente… mas continuava me sentindo uma intrusa.A estrada interna era calçada com pedras limpas e cercada por jardins impecáveis. O cheiro de mata se misturava ao de grama molhada, flores caras. E ali estava a mansão. Branca, imponente, com colunas enormes e janelas espelhadas que escondiam tudo. Nenhum som. Nenhum movimento. Apenas o calor do sol queimando minha pele e a sensação de que eu estava prestes a reencontrar um fantasma.Porque eu ainda não sabia se era el
Mas ele não respondeu. Apenas me observou, como se estivesse diante de uma desconhecida. Não havia calor em seu olhar. Nem mesmo raiva. Só um vazio. Um abismo silencioso que me engoliu por inteiro.Foi aí que entendi.Ele não estava morto.Mas alguma parte de nós…de alguma maneira, estava. * Os cabelos, antes mais longos e desalinhados, agora estavam cortados pouca coisa mais curtos, mas estavam alinhados e brilhosos, havia uma pequena onda caindo— como se ele tivesse passado os dedos por ali, impaciente. Um ar mais adulto, mais letal. A barba bem-feita desenhava o maxilar marcado, endurecido com o tempo e com a dor.Ele usava um terno escuro, impecavelmente alinhado ao corpo alto e forte, mas o tecido não conseguia esconder a rigidez de seus músculos ou o peso que carregava nos ombros. Parecia uma estátua de mármore vivo — fria, inatingível, perigosa.Mas o que mais me atingiu foram os olhos.Atrás das lentes dos óculos novos, seus olhos pareciam mais frios, mais vazios… ma
*portão se fechou atrás de mim com um estalo metálico. Um som simples, mas que soou como o encerramento de um capítulo que eu nem sabia que ainda doía tanto.Caminhei pelas ruas em silêncio, os passos pesados, como se cada lembrança grudasse nas solas dos meus sapatos. A mansão…Aquela maldita mansão me engoliu mais uma vez.Tristan estava vivo. Vivo, frio e cruel.Ele me olhou como se eu fosse poeira do passado. Como se nada do que vivemos tivesse significado. Como se eu tivesse sido apenas um erro que ele se arrepende de não ter apagado direito.Eu mordi o lábio com força, tentando conter a mistura azeda que borbulhava no meu peito: dor, raiva, humilhação.Era esse o preço por ter voltado? Por ter tido coragem de encará-lo? Eu devia ter virado as costas antes mesmo de cruzar aquela porta.Quando cheguei em casa, bati a porta com força. As paredes da minha pequena casa tremeram, mas não mais do que eu.Joguei a bolsa no sofá, tirei os sapatos, respirei fundo — e só entã
— Que ótimo. Assim sobra mais tempo pra mim — disse, virando-se com aquele maldito sorriso torto.— Vai direto ao ponto, Stevan. O que você quer?Ele se aproximou, os olhos fixos nos meus como se tentasse me despir com o olhar. Eu não me mexi. Sabia que ele adorava provocar uma reação — qualquer reação. E hoje, especialmente hoje, eu estava sem forças pra jogar o jogo dele.— Eu te liguei, passarinho. Três dias. Vinte e duas ligações. Nem um “vai se foder” de volta. Isso fere o ego de um homem.— Ele me dá um sorriso suave que não alcança seus olhos.— Achei que você soubesse que eu não tenho mais paciência pra joguinhos.— falo bruscamente em um sussurro áspero.— Não é jogo. Eu realmente fiquei… preocupado. — Seus lábios se fecharam, suas sobrancelhas se uniram com uma Frustração silenciosaSoltei uma risada amarga.— Você? Preocupado? Desde quando?— Três dias sem atender minhas ligações, passarinho — ele repetiu, dessa vez parecendo mais irritado. — Eu devia te deixar ap