— Dormi na casa da Tereza, ela me deixou comer biscoito no café da manhã! — disse todo orgulhoso, os óculos escorregando um pouco no nariz.— É mesmo? — sorri, apertando ele contra mim, sentindo o cheirinho doce de shampoo infantil e travesseiro alheio. — E você se comportou?— Eu fui ótimo! Pergunta pra ela!Dona Tereza riu com aquele jeito maternal que me confortava sempre. Seus olhos se prendendo na minha aparência. Aparência de quem chorou. Ela me deu um sorriso mais contido, triste. E continuou. — Ah, ele foi um anjo, como sempre. Quando você não apareceu no horário ontem à noite, achei melhor levar ele comigo. Ele ficou tranquilo. Só perguntava de você antes de dormir. Mas eu disse que logo estaria em casa.Engoli em seco. Por pouco eu não fico presa. — Obrigada… por tudo. Eu não sei o que faria sem você.Ela me olhou nos olhos, com aquela ternura silenciosa de quem sabe que há mais por trás, mas não exige explicações.— Vocês são minha família agora, Catarina. E famíl
Desde aquela noite, desde que vi o rosto no quadro, desde que o advogado da mansão me tirou da prisão… algo dentro de mim não se aquietava. O mundo parecia girar devagar demais, como se estivesse prestes a cair sobre mim.E eu sabia que, por mais que doesse, por mais que mexesse em feridas antigas… eu precisava saber.O meu coração batia acelerado, como se já soubesse o que me esperava. A mente gritava para que eu desistisse. Para que não abrisse velhas portas.Mas eu não podia.Não depois de tudo.Não depois dele.Respirei fundo, enxuguei o suor da testa e comecei a andar. Cada passo me levava mais perto da verdade.E talvez… do fim da minha paz*Voltar ali todos os dias estava me consumindo. Eu sabia. E mesmo assim, eu voltava.Aquela mansão, escondida no coração da Floresta da Tijuca, parecia me engolir viva. Era como se cada passo naquela estrada de pedra batesse junto com meu coração no peito — pesado, barulhento, insistente. As árvores eram altas demais, fechadas demais,
O caminho até a porta principal parecia maior do que eu lembrava. Cada passo ecoava na entrada silenciosa, e meus sapatos simples soavam deslocados contra o chão de pedra limpa. A mansão estava diferente — mais rica, mais viva, mais intocável. E eu, ao lado daquele homem de preto, me sentia pequena. Invadida por uma mistura sufocante de lembrança e vergonha. Por um momento, me perguntei se ele sabia quem eu era. Se sabia que, algumas noites atrás, eu entrei ali escondida, como uma ladra. Agora, eu entrava pela porta da frente… mas continuava me sentindo uma intrusa.A estrada interna era calçada com pedras limpas e cercada por jardins impecáveis. O cheiro de mata se misturava ao de grama molhada, flores caras. E ali estava a mansão. Branca, imponente, com colunas enormes e janelas espelhadas que escondiam tudo. Nenhum som. Nenhum movimento. Apenas o calor do sol queimando minha pele e a sensação de que eu estava prestes a reencontrar um fantasma.Porque eu ainda não sabia se era el
Mas ele não respondeu. Apenas me observou, como se estivesse diante de uma desconhecida. Não havia calor em seu olhar. Nem mesmo raiva. Só um vazio. Um abismo silencioso que me engoliu por inteiro.Foi aí que entendi.Ele não estava morto.Mas alguma parte de nós…de alguma maneira, estava. * Os cabelos, antes mais longos e desalinhados, agora estavam cortados pouca coisa mais curtos, mas estavam alinhados e brilhosos, havia uma pequena onda caindo— como se ele tivesse passado os dedos por ali, impaciente. Um ar mais adulto, mais letal. A barba bem-feita desenhava o maxilar marcado, endurecido com o tempo e com a dor.Ele usava um terno escuro, impecavelmente alinhado ao corpo alto e forte, mas o tecido não conseguia esconder a rigidez de seus músculos ou o peso que carregava nos ombros. Parecia uma estátua de mármore vivo — fria, inatingível, perigosa.Mas o que mais me atingiu foram os olhos.Atrás das lentes dos óculos novos, seus olhos pareciam mais frios, mais vazios… ma
*portão se fechou atrás de mim com um estalo metálico. Um som simples, mas que soou como o encerramento de um capítulo que eu nem sabia que ainda doía tanto.Caminhei pelas ruas em silêncio, os passos pesados, como se cada lembrança grudasse nas solas dos meus sapatos. A mansão…Aquela maldita mansão me engoliu mais uma vez.Tristan estava vivo. Vivo, frio e cruel.Ele me olhou como se eu fosse poeira do passado. Como se nada do que vivemos tivesse significado. Como se eu tivesse sido apenas um erro que ele se arrepende de não ter apagado direito.Eu mordi o lábio com força, tentando conter a mistura azeda que borbulhava no meu peito: dor, raiva, humilhação.Era esse o preço por ter voltado? Por ter tido coragem de encará-lo? Eu devia ter virado as costas antes mesmo de cruzar aquela porta.Quando cheguei em casa, bati a porta com força. As paredes da minha pequena casa tremeram, mas não mais do que eu.Joguei a bolsa no sofá, tirei os sapatos, respirei fundo — e só entã
— Que ótimo. Assim sobra mais tempo pra mim — disse, virando-se com aquele maldito sorriso torto.— Vai direto ao ponto, Stevan. O que você quer?Ele se aproximou, os olhos fixos nos meus como se tentasse me despir com o olhar. Eu não me mexi. Sabia que ele adorava provocar uma reação — qualquer reação. E hoje, especialmente hoje, eu estava sem forças pra jogar o jogo dele.— Eu te liguei, passarinho. Três dias. Vinte e duas ligações. Nem um “vai se foder” de volta. Isso fere o ego de um homem.— Ele me dá um sorriso suave que não alcança seus olhos.— Achei que você soubesse que eu não tenho mais paciência pra joguinhos.— falo bruscamente em um sussurro áspero.— Não é jogo. Eu realmente fiquei… preocupado. — Seus lábios se fecharam, suas sobrancelhas se uniram com uma Frustração silenciosaSoltei uma risada amarga.— Você? Preocupado? Desde quando?— Três dias sem atender minhas ligações, passarinho — ele repetiu, dessa vez parecendo mais irritado. — Eu devia te deixar ap
Abro a porta e, claro, ele está impecável. Um terno preto de corte impecável, camisa vinho com os dois primeiros botões abertos e um lenço de bolso discreto que grita “eu sou milionário, mas não me esforço”. Ele sorri ao me ver, o olhar azul descendo por mim com descaramento.— Passarinho… — a voz grave, arrastada, quase um elogio. — Você está pronta pra matar alguém hoje?— Eu tô pronta pra ir, só isso. — Reviro os olhos sem paciência. — Sempre tão fria comigo — ele diz, com um biquinho fingido aproximando-se para ajustar a alça do meu vestido, os dedos roçando minha pele com intimidade forçada. — Ainda vai me agradecer por essa noite, você vai ver.Não respondo. Apenas passo por ele e entro no carro, um Bentley preto com vidros fumês e interior que cheira a couro novo e poder.O centro do Rio de Janeiro passa em silêncio enquanto tentamos ignorar um ao outro. Até que ele ri, divertido com minha hostilidade.— Você sabe por que está indo comigo, né? — ele diz, virando o rosto
Seus dedos descem, escorregam por minhas costas e se fixam no contorno da minha cintura, depois mais abaixo, mais invasivo. Eu estremeço.— Tira a mão daí. — digo entre dentes.— Você está linda assim, sabia? Esse vestido foi um acerto. Todos estão olhando pra você. Inclusive… o russo.Meu corpo paralisa. Ele está me olhando.Meus olhos vasculham o salão, olho para sua cadeira que mais parece um trono e ele não está lá. Continuo vasculhando e então eu o vejo. Parado ao lado de uma coluna, com uma taça esquecida nas mãos, máscara preta no rosto, os cabelos escuros penteados com descuido. Tristan. O homem que eu amei. O homem que eu enterrei. O homem que agora me olha como se quisesse me destruir.Seu olhar queima. É raiva pura. Mágoa, talvez. Ou algo mais escuro que não consigo decifrar. Ele me vê nos braços de Stevan. Vê a maneira como ele me toca. E odeia. Eu posso sentir seu ódio atravessar a multidão como uma lâmina.E ainda assim, há algo em mim que pulsa. Algo que nunca mo