— Que ótimo. Assim sobra mais tempo pra mim — disse, virando-se com aquele maldito sorriso torto.— Vai direto ao ponto, Stevan. O que você quer?Ele se aproximou, os olhos fixos nos meus como se tentasse me despir com o olhar. Eu não me mexi. Sabia que ele adorava provocar uma reação — qualquer reação. E hoje, especialmente hoje, eu estava sem forças pra jogar o jogo dele.— Eu te liguei, passarinho. Três dias. Vinte e duas ligações. Nem um “vai se foder” de volta. Isso fere o ego de um homem.— Ele me dá um sorriso suave que não alcança seus olhos.— Achei que você soubesse que eu não tenho mais paciência pra joguinhos.— falo bruscamente em um sussurro áspero.— Não é jogo. Eu realmente fiquei… preocupado. — Seus lábios se fecharam, suas sobrancelhas se uniram com uma Frustração silenciosaSoltei uma risada amarga.— Você? Preocupado? Desde quando?— Três dias sem atender minhas ligações, passarinho — ele repetiu, dessa vez parecendo mais irritado. — Eu devia te deixar ap
Abro a porta e, claro, ele está impecável. Um terno preto de corte impecável, camisa vinho com os dois primeiros botões abertos e um lenço de bolso discreto que grita “eu sou milionário, mas não me esforço”. Ele sorri ao me ver, o olhar azul descendo por mim com descaramento.— Passarinho… — a voz grave, arrastada, quase um elogio. — Você está pronta pra matar alguém hoje?— Eu tô pronta pra ir, só isso. — Reviro os olhos sem paciência. — Sempre tão fria comigo — ele diz, com um biquinho fingido aproximando-se para ajustar a alça do meu vestido, os dedos roçando minha pele com intimidade forçada. — Ainda vai me agradecer por essa noite, você vai ver.Não respondo. Apenas passo por ele e entro no carro, um Bentley preto com vidros fumês e interior que cheira a couro novo e poder.O centro do Rio de Janeiro passa em silêncio enquanto tentamos ignorar um ao outro. Até que ele ri, divertido com minha hostilidade.— Você sabe por que está indo comigo, né? — ele diz, virando o rosto
Seus dedos descem, escorregam por minhas costas e se fixam no contorno da minha cintura, depois mais abaixo, mais invasivo. Eu estremeço.— Tira a mão daí. — digo entre dentes.— Você está linda assim, sabia? Esse vestido foi um acerto. Todos estão olhando pra você. Inclusive… o russo.Meu corpo paralisa. Ele está me olhando.Meus olhos vasculham o salão, olho para sua cadeira que mais parece um trono e ele não está lá. Continuo vasculhando e então eu o vejo. Parado ao lado de uma coluna, com uma taça esquecida nas mãos, máscara preta no rosto, os cabelos escuros penteados com descuido. Tristan. O homem que eu amei. O homem que eu enterrei. O homem que agora me olha como se quisesse me destruir.Seu olhar queima. É raiva pura. Mágoa, talvez. Ou algo mais escuro que não consigo decifrar. Ele me vê nos braços de Stevan. Vê a maneira como ele me toca. E odeia. Eu posso sentir seu ódio atravessar a multidão como uma lâmina.E ainda assim, há algo em mim que pulsa. Algo que nunca mo
Revirei os olhos. O entusiasmo dele me enojava.— Você é doente.— Não. Eu sou esperto. E você também vai ser, se quiser manter seu filho seguro.A frase me atingiu como um soco. Meu estômago se revirou e meu corpo congelou. O nome do meu filho na boca dele era como veneno. Suspirei, derrotada. Ele sabia exatamente onde apertar.Stevan ergueu a taça, como se brindasse ao próprio plano.— Infelizmente, não vamos poder ficar. — disse, com aquele tom arrastado, carregado de sugestão. — Uma pena. Logo vai começar a parte realmente interessante da noite… Se é que você me entende.Olhei ao redor. A música estava mais alta agora, os sorrisos mais soltos, os toques mais íntimos. Era como se o ar tivesse engrossado com luxúria. Como se cada canto da boate exalasse promessas indecentes.— Mas conseguimos o que queríamos. — ele completou. — Você vai entrar pela porta da frente, com convite e tudo. Professora de português… que elegante, não? Eles vão te aceitar. Ivana precisa. E você va
Tristan Adamo, 10 anos atrás. O barulho dos meus tênis esmagando pedrinhas pelo caminho ecoa baixo, abafado pela noite espessa. A lua crescente escapa entre galhos retorcidos, desenhando sombras recortadas no chão de terra. Meu peito aperta, como se tivesse um nó preso entre as costelas, e ele só piora à medida que me aproximo da clareira no fundo do ferro-velho — o lugar mais escondido de todos, onde carros empilhados como esqueletos corroídos pelas décadas formam um semicírculo quase hermético.Fiquei dias limpando esse espaço. Um por um, tirei os carros, os pedaços de ferragem e os restos de óleo seco, até abrir caminho. Na mesa no canto, arrumei tudo com as mãos trêmulas: vinho barato, cachorro-quente, batata frita, e uns salgadinhos que comprei com a grana que ganhei ajudando um mecânico do bairro. Não é nada sofisticado, mas é nosso. E é tudo que eu tenho pra dar.Coloquei a pintura virada pra mim, no canto oposto. Aquela que fiz por meses escondido. A única que me fazia sen
— Eu… eu preciso ir. Sheila… ela… ela não tá bem. Pode ser apêndice ou algo assim. — Ela não me encara. Está mentindo. Eu sei.Eu devia ter insistido. Devia ter pressionado um pouco mais, dito que ela não precisava resolver nada sozinha. Que eu estava ali. Mas eu mesmo… eu não estava inteiro. A minha própria mensagem ainda queimava no fundo da minha mente— Me desculpa, eu queria tanto te levar ao hospital… — minha voz falha. Mentindo. — Brendon me mandou mensagem, preciso ajudá-lo. Mas eu volto. Me diz só onde você vai estar. Mais ela já está se afastando. As mãos suadas limpando a roupa. O rosto fechado num pedido de desculpas que ela nem tem tempo de dizer.— Eu te amo, Cat.— Eu te amo, Tristan.E foi isso.A gente não se despediu de verdade.Porque acreditamos que ainda teríamos tempo. Mas o tempo não perdoa.E a partir dali, nada mais foi o mesmo.*Assim que os portões engolem a silhueta da Catarina, sinto um vazio do tamanho do mundo se instalar dentro de mim. O
Sinto meu estômago virar, mas ele não para.— E sabe do melhor? Ela tava grávida, Tristan. Grávida de uma aberração, um filho seu.As palavras me acertam como facadas. Sinto o mundo girar.— Você… você matou ela… porque ela tava esperando um filho… meu? — eu disse em um sussurro áspero, odiando o toque de pânico em meu tom, tentando amenizá-lo.Ele ri.— Tava prestes a parir um monstrinho. Acha mesmo que eu ia deixar aquela piranha destruir minha casa com um aborto ambulante nascendo aqui?Meus olhos se enchem de lágrimas, mas não são de dor. Nem de tristeza. É puro ódio.Um grito rouco me escapa da garganta e eu avanço.A briga começa como um choque de forças desiguais — eu, não era pequeno e nem extremamente magro, mas era menor, sem experiência. Ele, um monstro calejado, um homem que sempre impôs a violência como lei.Meu primeiro soco atinge o queixo dele, mais por impulso do que por técnica. Ele recua um passo, surpreso. Depois revida com um soco direto no meu estômago. S
— Não… sei se… vou aguentar…Um silêncio. Ele engoliu o choro, ou o desespero.— Você aguenta. Só mais pouco. Eu… eu vou tirar você daí. Espera. Espera só. Fica. Por favor.Então o celular caiu. O som sumiu. O mundo também.Mas, antes que tudo escurecesse de vez, soltei uma última palavra, rouca, engasgada:— Catarina…E então, fui embora.*Quando acordei, o mundo era branco.Luz demais. Cheiro de hospital. Bip constante.Tentei mexer a cabeça, mas o pescoço doía como se tivesse sido esmagado por um caminhão. Os braços estavam pesados. A boca seca. Os olhos… embaçados.Mas há uma figura sentada ao meu lado. Cabelos castanho-claros, rosto comprido, olhos fundos.Apesar de termos nos encontrado pouquíssimas vezes, imediatamente eu reconheço: Alexandre.— Tristan… — ele se levantou rápido, como se estivesse há dias esperando por isso. — Você acorda… você acordou!Minha garganta era uma ferida viva.— Água… — murmurei.Ele entendeu. Me ajudou, com uma delicadeza quase infan