Sinto meu estômago virar, mas ele não para.— E sabe do melhor? Ela tava grávida, Tristan. Grávida de uma aberração, um filho seu.As palavras me acertam como facadas. Sinto o mundo girar.— Você… você matou ela… porque ela tava esperando um filho… meu? — eu disse em um sussurro áspero, odiando o toque de pânico em meu tom, tentando amenizá-lo.Ele ri.— Tava prestes a parir um monstrinho. Acha mesmo que eu ia deixar aquela piranha destruir minha casa com um aborto ambulante nascendo aqui?Meus olhos se enchem de lágrimas, mas não são de dor. Nem de tristeza. É puro ódio.Um grito rouco me escapa da garganta e eu avanço.A briga começa como um choque de forças desiguais — eu, não era pequeno e nem extremamente magro, mas era menor, sem experiência. Ele, um monstro calejado, um homem que sempre impôs a violência como lei.Meu primeiro soco atinge o queixo dele, mais por impulso do que por técnica. Ele recua um passo, surpreso. Depois revida com um soco direto no meu estômago. S
— Não… sei se… vou aguentar…Um silêncio. Ele engoliu o choro, ou o desespero.— Você aguenta. Só mais pouco. Eu… eu vou tirar você daí. Espera. Espera só. Fica. Por favor.Então o celular caiu. O som sumiu. O mundo também.Mas, antes que tudo escurecesse de vez, soltei uma última palavra, rouca, engasgada:— Catarina…E então, fui embora.*Quando acordei, o mundo era branco.Luz demais. Cheiro de hospital. Bip constante.Tentei mexer a cabeça, mas o pescoço doía como se tivesse sido esmagado por um caminhão. Os braços estavam pesados. A boca seca. Os olhos… embaçados.Mas há uma figura sentada ao meu lado. Cabelos castanho-claros, rosto comprido, olhos fundos.Apesar de termos nos encontrado pouquíssimas vezes, imediatamente eu reconheço: Alexandre.— Tristan… — ele se levantou rápido, como se estivesse há dias esperando por isso. — Você acorda… você acordou!Minha garganta era uma ferida viva.— Água… — murmurei.Ele entendeu. Me ajudou, com uma delicadeza quase infan
Alexandre ficou em silêncio por alguns segundos, olhando o líquido escuro na própria xícara de chá como se estivesse buscando coragem ali dentro. O relógio na parede fazia um tique irritante, o tipo de som que só se destaca quando o mundo ao redor está em suspense.— Aquela noite… do incêndio — ele começou, a voz mais grave que o normal, com aquele sotaque carregado, como se cada palavra fosse pesada demais para sair. — Eu tive ajuda. Do meu assistente. Precisava encontrar você.Eu franzi o cenho, confuso.— Você me encontrou como?— Rastreamento… — ele fez um gesto vago com a mão. — Celular. Ainda dava sinal. Muito fraco, mas… estava ali. Na floresta.Eu engoli em seco. Não lembrava exatamente como tinha caído. A dor, o desespero, a fumaça… tudo era uma névoa grossa na minha mente. Mas Alexandre continuou:— Você estava muito longe do fogo. Quilômetros. Era como… como se seu corpo soubesse que precisava fugir. Que precisava sobreviver.Fechei os olhos por um instante, tenta
Durante meses, repetir esse nome foi meu único remédio. Nos dias em que meu corpo ardia da fisioterapia, nos dias em que minha garganta parecia ainda queimada pela fumaça, nos dias em que tudo que eu queria era morrer de novo — era ela que me segurava. O nome. O olhar. O beijo. A esperança de voltar.Mas agora, eu estava de volta ao Brasil. Alexandre organizou tudo com um cuidado quase obsessivo. Voamos discretamente, nos hospedamos em um hotel de luxo na zona sul do Rio, ele me deu um celular novo — que parecia mais uma peça de ficção científica do que qualquer coisa que eu soubesse usar — e prometeu descobrir onde ela estava.Mas Catarina era um fantasma tanto quanto eu. Número havia sido desativado há meses. Nenhuma rede social ativa. Nada.Foi quando Alexandre sugeriu tentar Sheila. A tia.Eu quase disse não. Eu lembrava de tudo que Catarina me contara daquela mulher — negligente, interesseira, falsa. Mas não tínhamos escolha. Alexandre foi sozinho. Não queria me expor. Eu f
É estranho como o tempo passa mesmo quando a gente não quer. Mesmo quando ele pesa no peito, como se cada minuto fosse um lembrete de tudo que se perdeu. Nos primeiros meses depois que vi Catarina naquele maldito apartamento com aquele homem… eu simplesmente deixei de existir. De verdade, por dentro.Alexandre tentava me animar, sempre com palavras gentis, com um olhar de quem compreende a dor mesmo sem ter que dizer muita coisa. Ele me tratava como um filho. Um filho silencioso, triste, que quase nunca saía do quarto. E eu… eu me sentia um estorvo. Um peso jogado em cima da generosidade de alguém que não merecia carregar os escombros de um garoto partido.Passei semanas inteiras sem querer sair da cama. Às vezes ele deixava uma bandeja de comida no quarto, e quando eu finalmente tinha forças pra levantar, ela já estava fria. Ainda assim, Alexandre nunca reclamou. Nunca me cobrou. Nunca me olhou com pena — apenas com paciência. Com cuidado. Como se soubesse que a cura não viria no t
Ivana se tornou meu refúgio. Quando a tristeza queria me engolir, era nela que eu pensava. Ela me fazia café quando eu não saía da cama. Colocava música para tocar e me forçava a levantar, mesmo que fosse só para brigar com ela. Às vezes, ela dizia: “Você é como uma casa cheia de fantasmas… mas bonita.” E eu ria. Porque era verdade.Ela começou a compartilhar comigo também. Aos poucos. Fragmentos da vida deixada, de um amor impossível, de uma culpa que não dizia em voz alta. Era como se fôssemos duas metades despedaçadas tentando fazer sentido no mesmo caos.Foi numa noite de inverno, com neve espessa cobrindo as janelas da galeria, que contei a ela quem eu realmente era. Disse que meu nome não era Pergan. Que eu havia morrido para o mundo, mas não por escolha. Contei sobre Catarina. Sobre o incêndio. Sobre meu pai. Sobre Alexandre.Ela não me julgou. Apenas colocou a mão sobre a minha. “Você viveu o inferno,” disse. “Mas voltou.”Naquela mesma noite, compartilhei uma ideia que m
Mas minha mente estava longe dali. Uma movimentação à minha esquerda me fez virar o rosto. Foi quando vi.Na parte de trás da viatura, sentada, algemada, uma mulher. Meu coração parou.Por um instante, o mundo perdeu o som. Tudo se tornou silêncio.Era ela. Catarina.A mulher que destruiu minha vida. A mulher que me fez desejar a morte e, ao mesmo tempo, lutar por ela. Mas ainda era ela. O mesmo rosto — embora um pouco mais magro. Os olhos ainda tinham aquela luz que me despedaçava. Meus pés se colaram ao chão. Meu estômago revirou. Senti como se estivesse diante de um fantasma. Um fantasma que, por ironia do destino, estava tão viva quanto eu.E ela me viu.Seus olhos se arregalaram, e por um segundo, toda a dor do passado retornou com violência. Eu vi a dúvida nela. Vi o susto. Vi a certeza. Ela me reconheceu.E isso foi demais para mim. Senti as pernas falharem. Me apoiei no corrimão da escadaria. O ar me faltava. Ivana se aproximou às pressas, confusa.— Tristan?! — ela
Eu soube que ela havia chegado no exato instante em que o ar da casa mudou. Era algo sutil, mas inconfundível — como uma memória entrando pela fresta de uma janela. O tipo de silêncio que anuncia o inevitável. Eu não precisava vê-la para saber. A presença dela era uma ferida antiga, ainda pulsante, e bastava que ela respirasse sob o mesmo teto que eu para que meu corpo todo entrasse em alerta.Estava no andar de cima, refugiado no ateliê, longe o suficiente para não cruzar com ela, mas perto demais para não sentir o efeito da sua chegada. Eu me prometi que não desceria. Não depois do que aconteceu entre nós na boate.“ eu preferia que você tivesse morrido de verdade.”Ela disse aquilo com uma frieza tão precisa, tão afiada, que por um momento achei que meu coração tivesse parado. Não era uma frase dita no calor do momento — era uma conclusão, como se ela realmente tivesse pensado sobre aquilo. E embora eu não quisesse admitir, aquilo me atravessou. Doeu de um jeito que nem o fogo c