Lapsos de memória

Ipanema

—Antoine, você sabe para onde nosso filho foi essa noite?

— Non chéri- não querida.

—Quando viemos do Shopping, pensei que ficaria conosco para o jantar, mas o seu amigo o chamou para comer lá. Isso não está exagerado?

—De modo algum. Nosso filho está não só jantando com seu chefe como na casa de nossos amigos.

—Amigos nem tanto! Já não frequento o mesmo circulo social que a Dolores. Anda se envolvendo com projetos sociais durante a noite. Ela e sua igreja. Distribui agasalhos e comida três vezes na semana. Andei lendo no blog da Telma Azur.

—Devia junta-se a ela. Quem sabe voltam a ficar mais próximas. Eram tão unidas na época que as crianças eram menores.

—Por Deus, Antoine! Isso faz mais de vinte anos. Os tempos mudaram, as pessoas também. Por falar nisso. A Dione é a única que não mudou. Pode até ser instruída, mas é uma abusada intransigente. Meu filho vai enlouquecer ao seu lado.

—Tanta amargura dentro de você tem nome. Preconceito!

—Que disse! Você sabe que nunca fui preconceituosa com ninguém. Bobagens! Veja o exemplo deles: Não são como nós e mesmo assim estivemos juntos até mudarmos pra mais longe. Mesmo assim eu mantinha contato.

—Além de preconceituosa deu pra mentir?

—Que há com você? Está arredio comigo. Sabe que te amo.

—Valentina, eu nunca deixei de amar você mesmo depois de anos de casados. Mas isso exigiu de mim tolerância em alguns aspectos. Isso nos manteve juntos. Talvez, a ausência do Gerard foi um dos motivos pelo qual não brigamos. Mas desde que ele voltou, você começou com as exigências, determinações, escolhas. Vamos parar pra rever isso!

—Só estou te escutando e não acredito no que acabou de dizer. Não sei de onde tirou tanta bobagem Antoine! Nisso filho nunca será motivo para desentendimento entre nós. Está com ciúmes, é isso -risos.

—Já vi que falei pras paredes. Vamos deitar Valentina. O dia foi tenso pra mim.

—Vou te preparar um chá amor. Depois farei aquela massagem que você gosta nos pés, vai te relaxar. Eu aprendi num livro de reflexologia.

—Eu sei amor. Isso faz mais de oito anos. E nunca mais você esqueceu não é?

—Sim. Prática meu bem. Tudo na vida é uma questão de exercer, nunca mais esqueçi. Deixa eu preparar seu leite, quer com canela ?

—Não era um chá?

—Era? Ah, pensei que gostasse de leite morno com canela.

—O Gerard é que gostava quando era menino. Eu não. Trás um chá mesmo pra nós dois. Vou diminuir essa luz e relaxar.

—Volto já!

Valentina fez o chá, trouxe para o marido, mas no caminho até o quarto subindo as escadas, ela tem uma súbita ausência de si. Olha para as paredes que dava acesso ao andar superior. Olhou para o chá e buscava entender para quem estaria levando. Foi tudo muito confuso. Ela decide retornar para baixo, senta no sofá sem entender o que sentia. Só sabia, que não sabia de nada!Colocou a bandeja numa mesa central e deitou no sofá olhando as escadas imaginando quem estaria lá em cima lhe esperando. Alguns minutos se passaram. Antoine pegou rapidamente no sono e ela apagou no sofá da sala.

Pela manhã, sua cozinheira que chagava as sete. Acabara de entrar. Ela tinha a chave da porta de serviço. Ao perceber as luzes acesas foi a sala e viu sua patroa dormindo. Não quis desperta-la, poderia ter discutido com o marido, evitou ser indiscreta. Voltou para a copa e fechou a porta de correr espelhada que separava a cozinha das demais dependências .

A mesa da copa estava posta. Dilza se assustou com Valentina atrás dela na área de serviço perguntando o que ela fazia na sala. Sua funcionária meio sem resposta disse que nem tinha percebido sua presença alí. Valentina se lembrou do chá. Logo percebeu que havia algo estranho mas não quis comentar. Pediu que Dilza não comentasse nada com ninguém. Ela devia ter acordado e pegou no sono no sofá. Como estava de camisola, dava pra engolir essa mentira, mas não pro seu marido.

Ela entrou no quarto, Antoine estava no closet se preparando pra sair.

— Bom dia Mon chéri – querida .

—Bom dia amor... Como passou a noite?

—Apaguei. Nem vi o chá que trouxe. Levou de volta?

—O Chá? Ah, sim. Eu bebi ontem mesmo. Apaguei também quando vi você dormindo, não quis te assustar.

—Perdi a massagem. Mas hoje retomamos. Vamos tomar café. Te espero lá na copa.

—Massagem... Que massagem Antoine?

—A reflexologia podal amor. Tá é distraída ultimamente. Já disse pra falar com nosso médico sobre estresse. Anda muito preocupada com Gerard, entre outras bobagens.

—Porque será que tudo que faço, pra você é bobagem? Sou uma inútil uma dondoca de família falida não é?

—Não estou entendendo essa agressividade logo pela manhã! Se sua família está falida há décadas, diga-se de passagem; mas isso nunca nos afetou. Sempre trabalhei duro como jornalista e nisso filho ajuda , o que nem precisa. Toma um banho. Molha a cabeça e vamos comer um ovinho mexido com bacon. Vou pedir pra Dilza fazer.

—Que Dilza! É a Gorete Antoine. Está pior que eu. Vou descer logo.

Antoine não quis mais entrar em discussão. Mas sua esposa não podia está normal. Trocar o nome da funcionária que já havia saído há dez anos era muito ruim. Ele foi até a copa aguardar que ela descesse.

— Dilza, bom dia!

—Bom dia senhor.

—Você viu a Valentina hoje? – Dilza não sabia o que dizer...

—Sim. Ela estava trazendo um chá. Acho que o senhor não bebeu.

—Ela te chamou de algum outro nome? Tipo... Gorete?

—Não. Nem conversamos. Só bom dia mesmo.

—Ok. Prepara ovos mexidos por favor.

—Sim senhor.

Antoine passou pela sala e viu que as sandálias da Valentina estavam próximas ao sofá. O recosto estava fora do lugar como se alguém houvesse deitado alí. Muito estranho! Ela jamais andaria sem suas sandálias alta. Descalça nem pensar. Ele resolveu não fazer perguntas. Só observaria melhor seus movimentos.

...

—Vem querida, me diz o que sonhou essa noite? Você sempre está me contando situações mirabolantes.

—Dilza, esses ovos mexidos está frio. Faça-outro.

—Sim senhora

—Mas Grace, os ovos acabaram de sair do fogo.

—Está morno Gerard, coma pra você ver.

—Antoine, não Gerard meu amor. Sei não viu Dilza, o amor por esse filho faz até trocar os nomes.

—Deixe de ser bobo. Eu me enganei. Ia te perguntar se ele já se levantou.

—Deve ter se levantado e já está a caminho do Moya.

—Você não o viu? Então saiu sem comer. Esse menino não tem se alimentado direito. Dilza trás o ovos.

—Aqui está senhora.Os ovos bem quentinhos.

—Obrigada, parece que estão bons. Até que enfim aprendeu a fazer.- Dilza olha pro patrão como se não entendesse. Grace nunca agradecia aos empregados, ela volta aos seus afazeres na cozinha.

—E o Gerard, já se levantou?

—Eu já te respondi isso. Aliás, ele nem mora aqui.

—Quem não mora aqui?

—Grace, olha pra mim. Está de brincadeira não é? Por que você sabe que nosso filho mora no Jardim Botânico.

—Quando ele Partiu? Não era para deixar ele ir. Um menino teimoso que acha está dono de si.

—Você tem toda razão Valentina. Eu falarei com nosso filho. Agora toma seu café tranquila. Vou pra editora. Não seria bom dar uma volta na casa da sua irmã Hortência?

—Minha irmã Hortência morreu há vinte anos Antoine, o Gerard tinha doze anos, que há com você?

—Não teria sido sua irmã Cândida, a mais velha meu amor? Liga pra Hortência e marca pra visitá-la. Aposto que vai adorar.

—Sim. Tem razão. Devo está estressada pra trocar tantos nomes. Vou ligar para ela. Assim me distraio.

Antoine liga pra Gerard, ele está no carro. Avisa que assim que chegar na Empresa retorna a ligação.

Moya Esportivo

—Bom dia Lucrécia, vou querer um expresso desse também.

—Bom dia Gerard! Amei rosa nude da sua camisa. Raro ver executivos usando esse tom. Mas ficou show com esse azul marinho do Blazer.

—Obrigada,eu acho que as pessoas complicam algo tão simples! Cores são cores. Não tem que ser definidas por sexo.

—Concordo.

—Obrigada pelo café Lucrécia, vou indo pra sala. – Eduardo se encontra bem de frente com ele

—Bom dia Gerard, pra onde vai nessa pressa toda?

—Oi, Bom dia Eduardo. Estou indo aprovar sua planilha com novos orçamentos que o Sr. Joaquim me passou ontem em sua casa. – Gerard sai deixando Eduardo sem graça.

—Mas que droga!!

—Bom dia pra você também! Que houve fofinho?

—A gente quer fazer a coisa de um jeito e acaba pisando na merda de cachorro. Eu enviei pro seu Joaquim umas planilhas, ele mostrou ao engomadinho lá na casa dele. Pô, era pra somente avaliar e deixar eu mesmo entregar ao cara.

—Agora entendi! Chato isso. Além do mais que a Dione devia está presente né!

—Será?

—Não será difícil descobrir. Ela vem vindo. Ouço a voz. Tô saindo viu.- Lucrécia a encontra no corredor.

—Bom dia!

—Bom dia Dione

—Ei, já ia passando direto sem tomar seu café? Entra aqui um pouquinho.

—Oi Duda, tô com uma tremenda enxaqueca. Me dá um café bem forte.

—Mas café pra enxaqueca não piora?

—Sei lá Duda! Eu tomei uns vinho na casa do meu pai e não desceu bem porque misturei. Foi isso.

—Teve festa lá?

—Não seu bobo. Se fosse festa te convidaria. Foi um jantar em família.

—Familia, ah ok! Toma aqui seu café, vou pra minha sala. – Eduardo sai da copa deixando-a sozinha.

—Eu heim?! Cada uma! Rsrs

...

chamada...

“ Oi pai, que manda, pode falar!”

“ Precisamos conversar pessoalmente, diga quando pode, é sobre sua mãe “.

“ Aconteceu alguma coisa pai? Fiquei preocupado agora!”

“ Nada demais, mas é preciso que tomemos providencias, é sobre os Lapsos de memória. “

“ Voltaram a ocorrer?”

“ Sim. Um pouco mais ostensivo, porém nada grave!”

“ Podemos almoçar hoje, te encontro naquele restaurante próximo a editora. Às 13:00h”.

“ Está ótimo meu filho. Quanto mais cedo, melhor .

“ Ok, até mais”.

...

Dione estava ansiosa. Aquela conversa no jardim na casa dos seus pais a fez voltar a um passado alegre e cheio de inocência. Dentro dela um turbilhão de emoções descontroladas. Gerard a deixava confusa. Uma hora parecia querer tomar as rédeas da situação, em outros momentos parecia displicente. Ela já não sabia como agir. Eles tinham que decidir juntos sobre alguns aspectos de uma campanha pra calçados de uma Equipe de vôlei. Ele interfona e a chama pra reunião a sós na sua sala.

—Posso entrar?

—Claro Dione, a casa é sua!

—E aí, como está sendo essa manhã, não está sentindo cansaço por ter ido tão tarde pra casa?

—Imagina! Já estou acostumado a dormir tarde. Além do mais, é sempre muito agradável voltar ao casarão.

—Ah... tá, legal!- Dione esperava no mínimo uma outra resposta relacionado aos dois.

—Senta aqui do meu lado, trás seu note que vamos ver isso juntos.

Dione senta colada a cadeira dele. Gerard parecia mais encantador está manhã, seu perfume masculino invadia todo o seu ser. Ele tocava em sua barba ruiva bem aparada. Era deliciosamente provocante ver suas mãos deslizando nela. Por sinal, que belas mãos ele tinha!

Vez em quando, ele tirava os olhos do Note e a olhava displicente com seus doces olhos cristalinos. Geraldo falava sobre a campanha mas a Dione nada ouvia, a não ser, seu coração batendo descompensado na garganta. Dione era intensa ao ponto de não saber separar as estações. Gerard não era indiferente ao contato físico, mas segurava a onda muito bem. Após uma razoável discussão sobre a campanha da seleção de vôlei de uma determinado estado. Ele fecha seu note, recosta na cadeira pondo as mãos na nuca cruzando-as. Permanece alí fazendo um breve silêncio. Ela nota que algo o incomoda:

— Que foi Geraldinho, tem algo que deseja dividir?

—Engraçado né Dione, a vida é uma caixinha de surpresa. De repente, tudo o que você constrói pode se perder pra sempre no esquecimento.

—Do que está falando?

—Desculpa, mas agora não quero falar sobre isso. Mas depois eu vou aceitar um ombro amigo pra dividir. Obrigada.

—Tudo bem, precisando é só me chamar. Estou indo pra minha sala.

—Ok! – Gerard nem se deu conta do banho de água fria que deu nela.

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