Após minha peculiar decisão ser tomada, fui à biblioteca pública e com a ajuda de um jovem e algumas burocracias consegui reservar minha visita pela internet e pagar com o cartão de crédito.
Era estranho ter que pagar para entrar no lugar no qual vivi vários anos da minha vida, e ainda mais receber uma lista inteira de coisas que não se podiam fazer por lá.
A van com destino a Chernobyl partiria de Kiev no dia seguinte, e eu havia sido a última pessoa a reservar lugar. Preferi fazer aquilo o mais rápido possível, para não correr o risco de desistir. Era bem provável que qualquer pessoa com essa brilhante ideia desistisse e cancelasse tudo, ainda mais uma pessoa que viveu pessoalmente as tragédias daquela cidade. Sendo assim, não era conveniente esperar nenhuma próxima viagem.
E claro, nin
Enfim chegamos, eu ainda estava dentro da Van, não havia pulado para fora durante o trajeto. Fui a última a descer e me mantive de cabeça baixa. Chernobyl estava bem a minha frente, e eu não conseguia olhar. Não me atrevia a encarar.Era coisa da minha cabeça, eu sei. Mas eu podia sentir. Podia sentir a radiação queimando a minha pele, ou talvez até a minha alma.A fronteira estava logo ali, Ben tirava fotos de Hannah. Fiquei perto do casal, que deram as mãos e aguardaram o restante das instruções de Olena.— Pessoal, precisaremos seguir a trilha. Por favor não...Um soldado que guardava a fronteira arrastou Hannah e Ben para que pud
— Não sabe mesmo o que vai fazer quando sair do colegial, Tamara?— Eu não sei.Era de fato nosso último dia de aula. O último dia de aula do último ano. E eu era a única moça que não estava animada para por fim àquele ciclo. Sempre tive problemas com despedidas.— Meu pai quer que eu vá embora de Chernobyl.— Você quer ir embora daqui?Yulia me ofereceu seu melhor sorriso. O sorriso sonhador de qualquer jovem que sonhava em ir para Kiev, uma cidade independente, cheia de oportunidades e cuja a economia não dependia de uma usina.Não é que tivéssemos medo da usina. Naquele época não ligavamos muito para ela. Era só uma construção gigante que nem havia sido oficialmente inaugurada, e que boa parte dos nossos colegas queriam trabalhar. Não sabíamos sobre o veneno que era guardado lá dentro e os perigos que ela representava a nossa vida.Eramos apenas jovens comuns que dormiam nas aulas de química.— Eu quero muito ir embora daqui, e não
A piscina Azure era sinônimo de diversão na nossa cidade. Pelo menos para os jovens e aqueles que gostavam de nadar, como Yulia. Não estava sempre lotada, tirando nos finais de semana, e era bem conservada pela população.Algumas pessoas diziam que nossa piscina era tão importante para a cidade quanto a usina.Meio exagerado, mas pelo menos a piscina não matou ninguém.Duas semanas após o final da aulas Yulia me convidou a dá um mergulho, e acabei por aceitar, afinal os estudos dela em Kiev já estavam praticamente certos. Seria legal da minha parte passar o máximo de tempo ao seu lado.Desde muito jovem sempre fui mais observadora do que ativa, então apenas fiquei sentada enrolada em uma toalha enquanto Yulia nadava batendo de vez em quan
25 de abril de 1986 - Um dia antes da explosão na usina— Quando vamos poder brincar no parque?— Você viu a roda gigante? Aposto como a mamãe não vai nos deixar subir naquela altura.— Dependendo do comportamento de vocês, eu deixo.Aquele foi nosso último dia como uma família feliz, depois daquela madrugada tudo seria dor sofrimento e dúvida. Se eu soubesse que aquele era o último café da manhã em casa com meus filhos, não teria os mandado para a escola. E nem teria deixado Boris ir trabalhar. Nós teríamos tido o melhor dia de nossas vidas, e não mais um dia qualquer.Acho que já mencionei que o problema com as últimas vezes é que nunca sabemos quando elas estão acontec
Estavam todos dormindo quando aconteceu. Meus filhos, meu marido, e a maior parte da cidade estava adormecida naquela hora.Quanto a mim, tinha acabado por acordar uns 20 minutos antes. Chequei se estava tudo bem com as crianças e me distraí preparando um pouco de chá.Estava completamente alheia ao que aconteceria dentro de alguns minutos. A morte batia à porta de todas as casas de Pripyat, e se dirigia com uma rapidez inimaginável até a usina.O núcleo do reator nuclear da unidade quatro já estava condenado. A vida que existia em Chernobyl já estava condenada. Nem mesmo os operários sabiam o que estava havendo, e a radiação ainda iria nos espreitar por muito tempo antes de sabermos.Talvez seja minha imaginação, mas en
— A usina nuclear está pegando fogo! A usina nuclear está pegando fogo!Yuri varria para um canto os cacos de porcelana do carpete enquanto eu surtava.— Quer que eu acorde o pai?— Para que? Ele não é bombeiro.— A senhora está muito nervosa.— Isso pode ser perigoso.— Mas como pode ser perigoso? É só fogo. Os bombeiros vão apagar e amanhã vamos saber do que aconteceu.— Eu não sei, mas lá e um lugar que gera eletricidade. Esse incêndio pode se alastrar ou algo do tipo. E você ouviu a explosão.Yuri parou de varrer e ficou p
Capítulo narrado pelo ponto de vista da personagem YuliaGlukhov.03 horas e 23 minutos antes da explosão.Quando terminei de me arrumar para o trabalho, o relógio se aproximava das 10 da noite. O uniforme branco do hospital se tornou apertado por conta dos 4 meses de gestação. Tentei ajeitar o crachá de recepcionista várias vezes acima do peito, mas aquilo parecia tão desconfortável naquele dia que o deixei sobre a cômoda.Enquanto terminava uns últimos retoques na maquiagem, fiz uma ligação para Aleksey, como de costume. Estava tudo normal até então. Pelo menos para mim. A mágica já estava aconte
Narrado pela personagem principal, Tamara Ivanov.As cinco da manhã todos estávamos acordados. As crianças não iriam a escola por meu pedido. Boris se levantava do sofá de vez em quando e ia até a janela olhar para a usina. Voltava a cada vez com uma expressão mais preocupada.— O Viktor disse que não era nada de mais, certo?— O tio Viktor é só zelador — Olga falou enquanto penteava o cabelo de uma boneca.Eu ouvia o que eles diziam, mais ao mesmo tempo minha atenção estava concentrada em outras coisas. Eu queria saber de algum pronunciamento do governo, algo mais seguro. Mas nenhum noticiário da Ucrânia falava sobre Chernobyl. Era como se nossa cidade e o que aconteceu estivesse isolada do resto do mundo, e isso me preo