25 de abril de 1986 - Um dia antes da explosão na usina
— Quando vamos poder brincar no parque?
— Você viu a roda gigante? Aposto como a mamãe não vai nos deixar subir naquela altura.
— Dependendo do comportamento de vocês, eu deixo.
Aquele foi nosso último dia como uma família feliz, depois daquela madrugada tudo seria dor sofrimento e dúvida. Se eu soubesse que aquele era o último café da manhã em casa com meus filhos, não teria os mandado para a escola. E nem teria deixado Boris ir trabalhar. Nós teríamos tido o melhor dia de nossas vidas, e não mais um dia qualquer.
Acho que já mencionei que o problema com as últimas vezes é que nunca sabemos quando elas estão acontec
Estavam todos dormindo quando aconteceu. Meus filhos, meu marido, e a maior parte da cidade estava adormecida naquela hora.Quanto a mim, tinha acabado por acordar uns 20 minutos antes. Chequei se estava tudo bem com as crianças e me distraí preparando um pouco de chá.Estava completamente alheia ao que aconteceria dentro de alguns minutos. A morte batia à porta de todas as casas de Pripyat, e se dirigia com uma rapidez inimaginável até a usina.O núcleo do reator nuclear da unidade quatro já estava condenado. A vida que existia em Chernobyl já estava condenada. Nem mesmo os operários sabiam o que estava havendo, e a radiação ainda iria nos espreitar por muito tempo antes de sabermos.Talvez seja minha imaginação, mas en
— A usina nuclear está pegando fogo! A usina nuclear está pegando fogo!Yuri varria para um canto os cacos de porcelana do carpete enquanto eu surtava.— Quer que eu acorde o pai?— Para que? Ele não é bombeiro.— A senhora está muito nervosa.— Isso pode ser perigoso.— Mas como pode ser perigoso? É só fogo. Os bombeiros vão apagar e amanhã vamos saber do que aconteceu.— Eu não sei, mas lá e um lugar que gera eletricidade. Esse incêndio pode se alastrar ou algo do tipo. E você ouviu a explosão.Yuri parou de varrer e ficou p
Capítulo narrado pelo ponto de vista da personagem YuliaGlukhov.03 horas e 23 minutos antes da explosão.Quando terminei de me arrumar para o trabalho, o relógio se aproximava das 10 da noite. O uniforme branco do hospital se tornou apertado por conta dos 4 meses de gestação. Tentei ajeitar o crachá de recepcionista várias vezes acima do peito, mas aquilo parecia tão desconfortável naquele dia que o deixei sobre a cômoda.Enquanto terminava uns últimos retoques na maquiagem, fiz uma ligação para Aleksey, como de costume. Estava tudo normal até então. Pelo menos para mim. A mágica já estava aconte
Narrado pela personagem principal, Tamara Ivanov.As cinco da manhã todos estávamos acordados. As crianças não iriam a escola por meu pedido. Boris se levantava do sofá de vez em quando e ia até a janela olhar para a usina. Voltava a cada vez com uma expressão mais preocupada.— O Viktor disse que não era nada de mais, certo?— O tio Viktor é só zelador — Olga falou enquanto penteava o cabelo de uma boneca.Eu ouvia o que eles diziam, mais ao mesmo tempo minha atenção estava concentrada em outras coisas. Eu queria saber de algum pronunciamento do governo, algo mais seguro. Mas nenhum noticiário da Ucrânia falava sobre Chernobyl. Era como se nossa cidade e o que aconteceu estivesse isolada do resto do mundo, e isso me preo
Haviam se passado 36 horas desde a explosão, a fumaça negra ainda continuava saindo da usina. E apesar de sabermos que de nada adiantava ficar em casa, Boris e eu ficamos em uma espécie de quarentena, revesando o sono um do outro.Yuri se queixou durante e noite com dores de cabeça e vomitou tudo que comia, mas durante a manhã parecia melhor. Eu não sabia que a dose de radiação que ele havia recebido implicaria em consequências piores depois.Acredito que os comprimidos de Iodo de Lesya nos ajudaram muito.— Tamara, já se passou muito tempo. Está óbvio que a situação foi controlada. Caso contrário saberíamos. Preciso ir trabalhar, e você deve sair com as crianças e procurar um médico disponível para Yuri.— Tem razão.
— Você ouviu? — entrei já perguntando a Boris.— Sim.Coloquei Olga no chão e sem dizer mais nada o abracei. Ele apenas me abraçou com mais força contra o seu peito e passou os dedos por meu cabelo.— Sinto muito.— Você disse que ficaria tudo bem!Boris segurou meu rosto com as duas mãos e me encarou nos olhos. Tentei me desvencilhar e sair de perto dele, as lágrimas marcavam minhas bochechas e os soluços saiam sem controle da minha garganta.— Tamara, me escute! Por favor me escute!Continuei tentando me soltar, mas ele me segurou com mais força.
Já era noite quando nosso ônibus chegou ao ponto de evacuação. Muitas pessoa já se organizavam por lá como podiam. Descemos exaustos da viagem, mas isso nem se comparava com nossa dor psicológica.— Não vejo a hora de ir pra casa — Yuri disse.— Nem sabemos mais se teremos casa.— Aqui está uma bagunça. Aleksey e eu vamos nos encontrar no hotel em que ele está hospedado. Venham comigo.— Tem certeza, Yulia? Não queremos incomodar.— Vocês me ajudaram esse tempo todo, eu nem sei o que teria feito sem sua ajuda.Todos assentimos. Seria melhor para as crianças e para nossa família. Mesmo que toda essa confusão durasse mais de trê
O tio de Yulia ficou muito confuso ao ver toda aquela gente entrando na sua casa, mas era um senhor amável e não fazia muitas perguntas. Tinha perdido a esposa há apenas dois anos e seu único filho pagava a uma vizinha que fosse lá todos os dias entregar o almoço, a janta e dar uma olhada nele.Nos primeiros dias tudo que conseguimos fazer foi tomar longos banhos e dormir. Nos apertamos em um único quarto, mas ficamos felizes por estarmos juntos e longe da radiação de Chernobyl. Algumas vezes até sorrimos ao vermos as travessuras das crianças com o velho senhor Igor, ou quando Yulia e Aleksey ficavam sonhadores pensando no bebê.Apesar de tudo, eu só queria voltar para Chernobyl. Não via a hora de receber a notícia de que tudo estava resolvido e que nossa casa nos esperava. O problema é que as informações que tínhamos sobre lá eram