Ando pelo caminho conferindo se a área dos cachorros - onde cada um tem uma casinha coberta e um espaço para brincar - está em ordem, e eles latem freneticamente para mim.
Me demoro apenas um instante, depois vou até o gatil: um imenso cercado de tela onde os gatos estão preguiçosamente observando o fim do dia - alguns se esfregando pelo chão repleto de brinquedos, outros comendo ou dormindo. O gatil e dividido em três, para que não fiquem superlotados: todos com camas no fundo – suspensas nas paredes -, e a área para o sol na frente. O terreno todo fechado por um muro de quatro metros para que não consigam escalar. Dois cavalos que recolhemos est&aA porta se abre devagar, silenciosa, e a cabeça dela surge primeiro como se quisesse ter certeza de que sou eu que estou aqui. Os cabelos caem sobre os ombros e ela os joga para trás enquanto coloca o resto do corpo para fora também, que parece estranhamente rígido dentro do jovial vestido com estampa de florezinhas vermelhas. Troco o peso do corpo para um lado só, as mãos dentro dos bolsos do jeans. Ela está perfeitamente linda, como sempre, o rosto com um leve toque de sardas que poderia aumentar se tomasse sol – mas ela ainda não gosta de sol, posso perceber pela pele completamente branca – e eu estou simples como sempre. - Oi. – o som da minha voz sai c
Ele ri, mas o tom é quase sarcástico, como se eu estivesse dizendo uma coisa absurda. Minha pergunta não me soa absurda porque ele está sendo seco e frio desde que chegou, e estamos agindo como dois estranhos. É quase como se Diogo não soubesse quem eu sou. Na verdade basicamente estou reagindo a ele, e ele está me tratando como uma estranha. Se ele pudesse ver como me sinto... - É óbvio que lembro daqui. – ele cruza os braços. – Não sofro de amnésia e nem tenho Alzheimer. – vejo seus bíceps tensos por baixo da camiseta cinza – Só se passaram treze anos. – acrescenta e, pela primeira vez, sinto um tom se
Quando vi Sofia pela primeira vez ela tinha dezoito anos, mas não era tão diferente de agora. Os cabelos eram bem maiores, quase na cintura, mas o resto é igual: as mesmas sardas suaves na pele branca, mais ou menos o mesmo peso e grandes e brilhantes olhos castanhos. Ela usava um short jeans vermelho e uma regata branca com pequenas pedras nas alças largas quando entrou no mercado, onde eu trabalhava reabastecendo prateleiras e empacotando coisas no caixa, acompanhada de um rapaz. Os dois andaram até os fundos e ficaram sussurrando enquanto escolhiam entre as garrafas de bebidas, pegando e devolvendo garrafas na prateleira. Observei brevemente o rapaz que usava uma calça jeans de marca e
- Sabe, está ficando meio tarde. – Diogo diz se levantando – E eu vim de longe. Preciso descansar. - Tudo bem. – concordo me levantando também. Eu sei que o que o tocou embora foi a menção ao meu filho. Embora ele não tenha feito nenhuma pergunta, nem mencionado nada, sei o quanto essa relação significa para ele. Sinto vontade de contar uma porção de coisas, mas nada sai. Tudo parece entalado na minha garganta. Fico pateticamente parada enquanto ele vai até o carro e pega uma pequena mala, parcialmente emocionada porque ele sempre teve a intenção de ficar e imaginando como va
Nem me dou ao trabalho de tentar dormir. Apenas estico o corpo na cama, torcendo para que seja suficiente para ele descansar ou que em algum momento o cansaço vença a mente e eu acabe dormindo de qualquer forma. De preferência um sono pesado e sem sonhos. “Meu filho”, penso. Não consigo deixar de pensar se ele parece com ela ou com o... pai. Imagino o garoto grudado nela, feliz e sorridente. Me pergunto se ele tem sardas iguais as dela, se os olhos são do mesmo tom ou o cabelo. Espero que haja mais heranças da parte de Sofia ali. Me questiono como foi para ela gerar uma vida, mas sei que não vou perg
Na manhã seguinte, quando levanto, percebo um cheiro de café pela cabana e encontro Diogo encostado na pia com uma xícara nas mãos. Está vestindo um moletom azul e uma camiseta branca meio amarrotados, e os seus olhos circundados por círculos arroxeados me mostram que também é difícil dormir ali para ele. Pego café também, sem trocarmos palavras, e me sento no sofá observando a mudança do clima lá fora. O céu está repleto de nuvens cinzas, sem sol, e as árvores balançam suavemente – quase monotonamente. - Então. – Diogo senta na outra ponta do sofá – Você vai parar de
Foi difícil tirar a Sofia da cabeça nos dias seguintes, ela costumava pontuar meus pensamentos enquanto eu trabalhava e quando eu me fechava sozinho no quarto em casa. Confesso que muitas vezes me lembrava dela nua na beira da lagoa com uma onda de culpa, outras vezes me sentia febril no meio da noite recordando a sensação que tivera no carro, e todo meu corpo se arrepiava, como se eu ainda estivesse lá dentro, sentindo-a tão perto de mim. Quinze dias depois, eu a vi entrar no mercado quando estava colocando os amaciantes nas prateleiras. Fiquei parado por alguns instantes, observando entre os produtos com o coração acelerado, enquanto os olhos dela varriam o lugar como se procurasse algo específico.&n
Quando Diogo sai do banheiro, ainda estou sentada no mesmo lugar. Posso sentir o cheiro de xampu e sabonete que irradiam do seu corpo com uma onda de nostalgia. Agora ele parece um pouco mais desperto, mas ainda assim impaciente. Não consigo conter um sorriso com nostalgia. - Olha, preciso comer alguma coisa. – diz colocando a carteira no bolso – Não quero nenhum de nós cozinhando, então eu vou buscar alguma coisa. Apenas balanço a cabeça concordando e ele sai sem nem mesmo trocarmos um olhar. Escuto o som do carro se afastando e depois o silêncio absoluto. Logo em seguida uma chuva fina começ