Desci do ônibus completamente exausto depois de passar o dia numa frustrante entrevista numa loja de materiais de construção em outra cidade.
Avistei Sofia sentada num dos bancos e senti uma suave pontada de ânimo. Era só do que eu precisava para meu dia melhorar consideravelmente. - Ei. – sorri, me aproximando, mas ela não sorriu de volta. Nos abraçamos um pouco além do costume e um pouco mais apertado do que o habitual. Algo dentro de mim se agitou, como um alarme soando. – O que foi? - Diogo, eu estou me mudando essa noit- Foi horrível o que ela fez com você. – Diogo me diz enquanto dirige. Resolvemos comer em algum restaurante na cidade. Fazer algo leve depois de tanta pressão juntos dentro da cabana. – E comigo também. – acrescenta com rancor, sem tirar os olhos da estrada chuvosa. - Queria proteger você. – tento amenizar, porque realmente sei que Daniela é tudo o que restou da família dele. Não que eu não tenha certa mágoa dela, mas ainda não quero dizer nada que possa fazer Diogo odiá-la mais do que nesse momento.&
- Ele está ansioso por isso. – Sofia responde com um sorriso que me recorda os velhos tempos. Uma onda de nervosismo passa por mim. E se ele não gostar de mim? O que se pode sentir por um pai que nunca esteve perto? Ele consegue entender porque eu nunca fiz nada por ele? - Quando? – pergunto depois que pagamos a conta e saímos para o ar mais gelado da noite, devido à chuva de antes. - Se quiser, podemos ir agora. Ele está esperando desde ontem por isso. – nos encaramos por um instante, em completo silêncio – Se você quiser. – ela repete. - Eu quero. – tento falar firme, mas min
- Nós vamos morar com ele? – Tomas pergunta enquanto arruma suas coisas para sairmos do hotel. Diogo está nos esperando no carro, ciente de que precisávamos de um momento a sós após o turbilhão de emoções que todos sentimos. – Vocês voltaram? – seus olhos brilham de expectativa. - Fique calmo. – rio para ele, não quero que Tomas atropele etapas ou fique criando muitas expectativas – Sim, nós estamos juntos de novo. – respondo com menos euforia do que realmente sinto. Ele sorri, extremamente feliz por finalmente ter o pai que sempre desejou por perto
Feliz demais para conseguir dormir – ainda mais pensando que nos dois outros quartos estão Sofia e Tomas -, me levanto e ando o mais silenciosamente que posso até a geladeira. Após beber um grande copo de água gelada percebo que, na verdade, não estou sozinho ali. - Problemas para dormir? – pergunto a Tomas, que me observa das sombras do sofá, usando moletom e uma camiseta velha. - Um pouco. – reponde, batucando na almofada. – Muitas emoções. – acrescenta de um jeito familiar. - Nem me fale – me aproximo dele, pensando que a cor dos olhos pode ser minha, mas a forma de
Deixamos a cabana logo pela manhã, e Tomas adormeceu minutos depois no banco do passageiro. Até me sinto grata pelo silêncio e o vento suave que entra pela fresta da janela. Sorrio lembrando do período que Diogo nos seguiu com o carro, buzinando como despedida quando tomou um rumo diferente. Meus olhos marejam quando visualizo o momento que ele se esgueirou até o meu quarto, pouco antes do amanhecer. Nos abraçamos e depois de um longo beijo, Diogo murmurou: - Você iria morar comigo? – a voz cheia de expectativa. Meu coração acelerou, cheio de emoção. Claro que eu iria, não
Ando pelo caminho conferindo se a área dos cachorros - onde cada um tem uma casinha coberta e um espaço para brincar - está em ordem, e eles latem freneticamente para mim. Me demoro apenas um instante, depois vou até o gatil: um imenso cercado de tela onde os gatos estão preguiçosamente observando o fim do dia - alguns se esfregando pelo chão repleto de brinquedos, outros comendo ou dormindo. O gatil e dividido em três, para que não fiquem superlotados: todos com camas no fundo – suspensas nas paredes -, e a área para o sol na frente. O terreno todo fechado por um muro de quatro metros para que não consigam escalar. Dois cavalos que recolhemos est&a
A porta se abre devagar, silenciosa, e a cabeça dela surge primeiro como se quisesse ter certeza de que sou eu que estou aqui. Os cabelos caem sobre os ombros e ela os joga para trás enquanto coloca o resto do corpo para fora também, que parece estranhamente rígido dentro do jovial vestido com estampa de florezinhas vermelhas. Troco o peso do corpo para um lado só, as mãos dentro dos bolsos do jeans. Ela está perfeitamente linda, como sempre, o rosto com um leve toque de sardas que poderia aumentar se tomasse sol – mas ela ainda não gosta de sol, posso perceber pela pele completamente branca – e eu estou simples como sempre. - Oi. – o som da minha voz sai c
Ele ri, mas o tom é quase sarcástico, como se eu estivesse dizendo uma coisa absurda. Minha pergunta não me soa absurda porque ele está sendo seco e frio desde que chegou, e estamos agindo como dois estranhos. É quase como se Diogo não soubesse quem eu sou. Na verdade basicamente estou reagindo a ele, e ele está me tratando como uma estranha. Se ele pudesse ver como me sinto... - É óbvio que lembro daqui. – ele cruza os braços. – Não sofro de amnésia e nem tenho Alzheimer. – vejo seus bíceps tensos por baixo da camiseta cinza – Só se passaram treze anos. – acrescenta e, pela primeira vez, sinto um tom se