• Manuela •
Manhã de Domingo
A noite foi difícil. As palavras de Leonardo ecoaram em minha mente como um martelo, impedindo qualquer descanso. Luna, minha pequena, parece ter sentido minha tensão, já que quase não dormiu também. Agora, as duas estamos na cozinha cedo, tentando começar o dia com nosso café da manhã.
— Bom dia, princesinha do dindo! — a voz alegre de Pedro ecoa enquanto ele entra sem cerimônia, como sempre faz.
— Bom dia, P**e! Veio tomar café, né? — digo com um sorriso, abraçando meu amigo, cuja presença é sempre um alívio.
— Bom dia, dindo! — Luna responde distraída, concentrada no cereal à sua frente.
Pedro senta-se à mesa e me olha preocupado.
— Vim tomar café, mas também ver como você está — diz, aceitando a panqueca que coloco em seu prato. — Cadê seus pais?
— Estou bem, amigo. Obrigada por perguntar. — Tento sorrir, embora saiba que ele não se engana facilmente. — Meus pais viajaram cedo. Meu pai disse que quer aproveitar minha mãe. — Faço uma careta, arrancando uma risada dele.
— Ele tá certíssimo! — Pedro responde, mas logo sua atenção vai para o celular. — Só queria dizer que sua cunhada é maluquinha.
— Bia? — pergunto, já rindo. — Vocês estão trocando mensagens?
Ele confirma com um sorriso e muda de assunto.
— A propósito, ela disse que vem aqui para ver como você está.
Levanto uma sobrancelha, incrédula.
— Sabemos que ela não vem por minha causa, né? — provoco, rindo. — Mas é bom. Enquanto vocês ficam aqui com Luna, eu vou encarar o passado.
Pedro me lança um olhar firme.
— Estou com você, anjinho. Nada de mal vai acontecer com vocês.
Antes que eu possa responder, Bianca entra pela porta com uma energia radiante.
— Bonjour! — diz, estranhamente arrumada para um domingo de manhã.
— Bom dia, titia Bia! — Luna a recebe com um sorriso, recebendo um beijo carinhoso em sua cabeça.
Bianca se senta ao lado de Pedro, claramente tentando chamar sua atenção, e a cena me faz rir. No entanto, minha mente já está no encontro que preciso ter.
— Bianca, seu irmão está em casa? — pergunto, tentando parecer tranquila.
— Sim — ela suspira. — Mas ele tá puto porque todo mundo escondeu a pequena dele.
Respiro fundo, já esperando o confronto.
— Eu vou lá. Está na hora de colocar tudo em pratos limpos.
Ao chegar à casa dos meus padrinhos, vejo Leonardo encostado em uma mureta do jardim, fumando um cigarro. Não consigo evitar o olhar que desliza por ele. O tempo trouxe mudanças: seus braços estão cobertos de tatuagens, e o semblante é muito mais frio do que eu me lembrava.
— Não sabia que fumava — digo, tentando manter a calma. — Nem que tinha feito tantas tatuagens.
Ele me encara, soltando a fumaça lentamente.
— Só fumo quando estou nervoso. — Sua voz é cortante. — E esconder algumas tatuagens não é nada perto de esconder uma criança por seis malditos anos.
As palavras me atingem como um tapa. Respiro fundo, lutando para me defender.
— Eu tentei te contar, Leon. Quando liguei, uma mulher atendeu o seu telefone. Não quis parecer uma estraga-prazeres.
Ele ri, mas é um riso amargo, cheio de desprezo.
— Isso não era uma escolha sua, Manuela. Que inferno! O seu dever era me contar, não importa o que estivesse acontecendo.
— Eu tentei! — insisto, com a voz embargada. — Até o seu pai tentou, mas você o decepcionou tanto que ele desistiu de te contar. E sabe de uma coisa? Ele tinha razão. Você não é o mesmo.
Leonardo traga o cigarro com força, sua expressão carregada de raiva.
— Vocês todos foram uma cambada de egoístas comigo, isso sim. — Ele ri de forma sarcástica. — Mas agora, fique sabendo: eu quero conhecer minha filha. Quero me aproximar dela.
— Leonardo, por favor. Eu nunca te privaria de conhecê-la, só preciso de um tempo para conversar com ela.
— Tranquilo. — Ele solta mais fumaça, mas seu tom é frio. — Olha, Manuela, eu não quero que a criança sofra. Mas a errada aqui foi você, então é melhor dar um jeito.
As palavras cortam fundo, mas tento me manter firme.
— Só me dá um tempo para falar com ela. Eu vou marcar um encontro entre vocês dois, mas toma cuidado com o que diz perto da minha filha.
Ele me encara, seus olhos como gelo.
— Nossa filha. Coloque isso na sua cabeça, Manuela. Eu tenho tanto direito quanto você.
Sinto as lágrimas escorrerem, mas me recuso a prolongar a discussão. Apenas concordo com um aceno.
— Estou indo embora.
Antes de sair, ele solta a última ameaça, jogando o cigarro no chão e apagando-o com o pé.
— Você tem até terça. Se não resolver, vamos à justiça. E eu sou muito bom nisso.
Me viro e caminho de volta para casa, segurando o choro até não poder mais. Ele mudou. Não há mais nada do Leonardo que eu amei um dia. Isso dói mais do que qualquer coisa que ele tenha dito.
Chego em casa destruída, o peso das palavras de Leonardo ainda ecoando em minha mente. Encontro Pedro, Bianca e Luna brincando no tapete da sala, e a cena traz um breve alívio.
— O que meus amores estão fazendo? — pergunto, tentando sorrir.
— Brincando de casinha, mamãe! — Luna responde, radiante.
— Tá tudo bem, Manu? — Bianca pergunta, levantando-se para me encarar de perto.
— Tá, sim. Apesar de tudo, essa conversa abriu meus olhos — respondo com um suspiro.
— Quer que a gente passe o dia aqui com você? — Pedro sugere.
— Se quiser, ficamos e fazemos algo legal para você se distrair — Bianca complementa.
— Não, obrigada. Preciso conversar com Luna e passar o dia com ela. Quero aproveitar minha bebê.
Eles concordam, e Bianca sorri, lançando um olhar para Pedro.
— Já que não quer nossa companhia, vou levar esse gato aqui para almoçar. — Ela pega a mão de Pedro, que a encara assustado, e eu rio da cena.
— Vão mesmo. Vocês merecem! — Digo, abraçando os dois. — Obrigada por serem amigos incríveis.
— Sempre, Manu. — Pedro me olha sério. — Eu te prometi no dia que Luna nasceu que nunca soltaria sua mão. E não vou.
Bianca olha para ele com um misto de carinho e tristeza, mas logo puxa Pedro pela mão, deixando-me sozinha com minha filha.
Depois de brincar um pouco com Luna, respiro fundo e chamo-a para perto.
— Filha, lembra que a mamãe disse que seu papai mora longe e que um dia ele viria te conhecer? — pergunto, tentando soar calma.
— Lembro, mamãe.
— Você quer conhecê-lo? — pergunto, meu coração disparado.
— Sim, mamãe! — Ela sorri, e sua animação me quebra por dentro. Não posso negar isso a ela.
— Vou conversar com ele e combinar para ele te buscar na escolinha amanhã, tá bom?
— Tá bom! — diz, me abraçando com força. — Te amo, mamãe.
— Eu também te amo, princesa. Você é tudo para mim.
Enquanto a abraço, tento não chorar, mas o medo não me deixa. Não por Luna. Por mim. Por nós.
ManuelaO número de telefone que Bianca me passou pisca na tela do celular. Respiro fundo, reunindo coragem para ligar para Leonardo. Meu coração bate rápido, e uma sensação de apreensão toma conta de mim. Finalmente, pressiono o botão para iniciar a chamada.Início da Chamada— Alô? — a voz de Leonardo soa firme, mas carregada de tensão.— Leonardo, sou eu, Manuela. — Minha voz sai mais suave do que imaginei. — Só liguei para dizer que, se quiser, pode buscar Luna amanhã na escola para passar a tarde com ela.Há um momento de silêncio, seguido de um suspiro.— Certo. Me manda o horário que ela sai e o endereço da escola por mensagem.— Só queria te pedir para passar o tempo com ela na casa dos seus pais. Isso me deixa mais tranquila — acrescento, hesitante.Leon ri pelo nariz, um som meio debochado.— Você não confia em mim, não é?— Não é isso. — Tento me justificar. — Você nunca cuidou de uma criança. Na casa dos seus pais, eles podem te ajudar com o que precisar.Ele traga a paciê
LeonardoConfesso que a presença de Manuela comigo e Luna não me deixou à vontade. Minha mãe tinha me explicado que Luna poderia estranhar passar o dia comigo sozinha, já que somos praticamente desconhecidos. Ainda assim, a sensação de desconforto era inevitável.Enquanto esperávamos nossos pedidos no restaurante, tento criar um momento mais descontraído.— O que vai querer comer, loirinha? — pergunto, tentando soar animado.— Uma esfirra de carne, outra de frango, e suquinho de laranja. — Ela sorri, e não consigo evitar um sorriso de volta. Esses sabores e o suco de laranja também são os meus favoritos.— Vou querer o mesmo: esfirras de carne e frango e suco de laranja — digo ao garçom antes de olhar para Manuela. — E você?— Quero aquele combo de sanduíche de frango, batatas fritas e suco de laranja — ela responde, e um pensamento rápido me invade: sempre comilona.A conversa inicial é dominada por Manuela, o que me alivia, pois ainda estou tentando me acostumar com a situação.— Co
Leonardo Confesso que é estranho estar aqui, depois de anos, sentado à mesa de jantar com meus pais. Desde que voltei, tenho evitado situações como essa, mas hoje não houve como escapar. Minha mãe insistiu demais, e cedi.Ela olha para mim com aquele olhar que só mães têm, misto de curiosidade e preocupação.— Sobre o que é o caso que você está cuidando aqui na cidade, filho? — pergunta, tentando quebrar o silêncio.— Estou defendendo um homem acusado de assassinato. Ele alega ser inocente e, até agora, os fatos apontam que ele realmente pode ser. — Respondo, tentando parecer neutro, mas sei que meu tom carrega o cansaço de dias complicados.— Esses casos são complicados, mas desafiadores. Bons para testar suas habilidades. — Meu pai comenta, com um tom firme, mas sem grande entusiasmo.Mudando o foco, minha mãe olha para minha irmã:— E você, filha, como estão as aulas na faculdade?Minha irmã sorri, os olhos brilhando de empolgação:— Estão incríveis, mãe! Eu amo o curso, é tudo o
Leonardo Passei a semana inteira perdido em pensamentos. A conversa que tive com meu pai me atingiu como um soco, e as palavras dele não paravam de ecoar na minha mente. Preciso ser melhor. Hoje é domingo, e decidi aproveitar o dia para ver a Luna. Quero levar minha filha à praia, talvez criar uma memória boa entre nós.Chego na casa da Manuela e bato na porta. Ela atende com uma expressão surpresa, vestida em um vestido simples, mas bonito, que combina perfeitamente com o modelo infantil que a Luna também usa. É quase impossível não reparar como ela se esforça para fazer a filha feliz, mesmo que isso a deixe de lado.— Bom dia, Leonardo. — Ela diz, um pouco hesitante, mas cordial.— Bom dia. Eu ia perguntar se podia levar a loirinha na praia, mas parece que vocês já têm planos. — Respondo, percebendo a cesta de piquenique em suas mãos.— Aos domingos, sempre fazemos piquenique. — Ela explica, com um leve sorriso, mas há algo contido no olhar dela, talvez mágoa.Antes que eu pudesse
ManuelaA manhã começou cedo. Depois de arrumar minha menina e eu mesma, tomamos um café rápido antes de sair. Coloquei Luna na cadeirinha, ajustando o cinto com cuidado, e entrei no carro.— Mamãe, o Léo não vai com a gente? — ela pergunta com os olhos brilhando de expectativa.— Vai sim, filha. Estamos indo buscá-lo agora. — respondo, tentando sorrir para acalmar a animação dela.— Achei que ele tinha esquecido nosso combinado! — diz, cheia de entusiasmo.Chegamos à casa dos padrinhos, e lá estava Leonardo, já arrumado, esperando do lado de fora. Ele parecia quase ansioso.— Bom dia, loirinha. Bom dia, Manuela. — cumprimenta, entrando no carro.— Bom dia, Léo! — Luna responde sorridente, a alegria transbordando.No caminho, ela começa a falar sobre como iria “esfregar na cara” da coleguinha que o pai dela estava presente. Leonardo e eu rimos da inocência dela, mas um aperto no peito me lembrou que essa felicidade dela era algo recente.Ao chegarmos à escola, descemos juntos para lev
ManuelaUma Noite no ParqueEra sexta-feira, e tudo o que eu queria era passar o fim do dia deitada na cama com a Luna, comendo porcarias e vendo desenhos. Mas a campainha insistente me obrigou a levantar.Abri a porta e dei de cara com Leonardo. Ele estava bem vestido e parecia animado.— Leonardo, o que você está fazendo aqui? — perguntei, surpresa.— Tem um parque de diversões na cidade. Achei que seria divertido irmos lá. — Ele fez uma pausa, talvez percebendo minha expressão confusa. — Quero levar a Luna.— Ah, claro. Você espera a gente se arrumar? — perguntei, ainda tentando processar o convite. Ele assentiu com um sorriso.— Leeeeeo! — Luna gritou, aparecendo atrás de mim e pulando nos braços dele.— Que tal eu, você e sua mãe irmos ao parque hoje? — perguntou para ela, que respondeu com um grito animado de "Vamos!"Subi para ajudar Luna a se arrumar, e aproveitei para trocar de roupa também. Não pude evitar a surpresa pelo convite. Achei que ele quisesse ir apenas com ela, ma
BiancaHoje é sábado, meu aniversário. No entanto, minha ansiedade não é por causa da data, mas sim pela noite que planejei passar ao lado de Pedro, apenas nós dois. Mal posso esperar.Ao ouvir a campainha, corro até a porta. Sei que é ele, já que todos os outros convidados estão no fundo do quintal.— Pepe! — exclamo animada, envolvendo seu pescoço em um abraço caloroso assim que abro a porta.— Parabéns, princesa. — Ele sorri e beija minha testa. Em seguida, me estende um buquê de flores. — Isso é pra você.— Obrigada! — sorrio encantada. — Vem, não precisa ficar nervoso.Entrelaço nossos dedos e o conduzo até a cozinha, onde coloco o buquê em um jarro com água. Antes que possamos voltar para a sala, minha irmãzinha surge correndo.— Dindoooo! — Ela pula nos braços de Pedro, que a pega no colo com carinho.— Oi, pequena do dindo. — Ele beija sua bochecha e, em seguida, olha ao redor. — Oi, pessoal. — diz timidamente para os demais.Minha mãe vem até nós com um sorriso caloroso.— Qu
LeonardoEra domingo, e, como de costume, estava à porta da casa da Manuela para nosso piquenique semanal. Bati algumas vezes e logo ouvi os passos leves da Luna. Quando a porta se abriu, fui recebido pelo sorriso mais radiante do mundo.— Bom dia, Léo! — exclamou ela, pulando de alegria.— Bom dia, princesa. Trouxe algo pra você. — disse, tirando de trás das costas um pequeno buquê de flores coloridas.Ela arregalou os olhos, pegando as flores com cuidado. — São lindas! Cheirosas! Eu adoro florzinhas!Meu peito aqueceu com o entusiasmo dela. — Que tal uma foto? Quero guardar esse momento.Luna segurou as flores com um sorriso enorme, e eu capturei a cena com o celular. Enquanto eu admirava a foto, Manuela apareceu na porta, carregando a cesta do piquenique e uma mochila. Seus olhos encontraram os meus, e percebi imediatamente que ela ainda estava magoada. Talvez por aquele dia no café. Suspirei. Eu precisava resolver isso.— Vamos? — perguntei, tentando quebrar o gelo.— Vamos. — r