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7- Laços Partidos

Leonardo 

Confesso que é estranho estar aqui, depois de anos, sentado à mesa de jantar com meus pais. Desde que voltei, tenho evitado situações como essa, mas hoje não houve como escapar. Minha mãe insistiu demais, e cedi.

Ela olha para mim com aquele olhar que só mães têm, misto de curiosidade e preocupação.

— Sobre o que é o caso que você está cuidando aqui na cidade, filho? — pergunta, tentando quebrar o silêncio.

— Estou defendendo um homem acusado de assassinato. Ele alega ser inocente e, até agora, os fatos apontam que ele realmente pode ser. — Respondo, tentando parecer neutro, mas sei que meu tom carrega o cansaço de dias complicados.

— Esses casos são complicados, mas desafiadores. Bons para testar suas habilidades. — Meu pai comenta, com um tom firme, mas sem grande entusiasmo.

Mudando o foco, minha mãe olha para minha irmã:

— E você, filha, como estão as aulas na faculdade?

Minha irmã sorri, os olhos brilhando de empolgação:

— Estão incríveis, mãe! Eu amo o curso, é tudo o que eu esperava.

— E como foi hoje com a Luna? — minha mãe volta a perguntar, agora para mim, como quem anda sobre gelo fino.

Solto um suspiro antes de responder:

— Apesar do clima péssimo com a Manuela, foi divertido. Senti que a Luna está começando a se sentir à vontade comigo.

Minha irmã, que até então permanecia calada, comenta:

— O clima devia estar horrível mesmo. Quando a Manu ligou, estava com a voz estranha, parecia que tinha chorado.

Sinto a raiva crescendo e respondo, talvez com mais dureza do que deveria:

— Isso é porque a Manuela é imatura, não sabe ouvir verdades.

Minha mãe, sempre tentando apaziguar, retruca:

— Filho, não é bem assim. Até pouco tempo era só ela e a Luna. Ninguém imaginava que você um dia voltaria.

As palavras dela são como gasolina no meu fogo interno. A irritação transborda.

— Vocês são muito hipócritas! Ainda bem que voltei, ou talvez nunca soubesse da existência da minha filha. Afinal, ninguém parecia pretender me contar nada! — esbravejo.

Minha irmã aproveita a deixa para alfinetar:

— Talvez porque estávamos esperando você virar homem.

A última gota. Levanto-me da mesa abruptamente, cheio de raiva, a cadeira arrastando no chão com um rangido agudo. Sinto que todos sempre defendem a Manuela, ignorando completamente os erros dela. Acendo um cigarro para tentar acalmar os ânimos, mas a fumaça parece não levar minha frustração embora.

...

Mais tarde, apago o cigarro e volto para casa. Encaro meu pai sentado no sofá, com uma expressão de profunda decepção. Ele não espera eu dizer nada, e já começa:

— Você só me decepciona, Leonardo. Eu e sua mãe te criamos com todo o carinho. Me recuso a acreditar que você se tornou isso. Nem como homem posso te chamar, porque você não age como um.

As palavras dele são um soco no estômago, mas ainda tento argumentar:

— Vocês esconderam minha filha de mim! Queriam que eu simplesmente aceitasse tudo que a Manuela decide, sem questionar?

Ele suspira, o tom de voz carregado de frustração:

— A Manuela é a mãe, Leonardo. Ela cuidou, deu amor e criou a Luna. Sim, erramos em não te contar, mas ela estava grávida e assustada, tentando não atrapalhar seus sonhos. Ela tinha medo que você a odiasse. E você? Nunca nem ligou para dizer que estava tudo bem. Batia o pé dizendo que a amava, mas foi embora e agiu como se ela nunca tivesse existido na sua vida. Que amor é esse?

Sinto o peso da verdade nas palavras dele, mas ainda me defendo:

— Era complicado! Com a distância, nosso namoro não ia durar. Era mais fácil assim.

Meu pai perde a paciência de vez, a voz saindo num tom quase de grito:

— Ah, claro! E por isso o amor simplesmente evaporou? Por isso achou que nem sua família merecia uma ligação ou que você atendesse a droga de um celular? Você foi um moleque! E deixa eu te avisar: se você fizer algum mal à Manuela ou à minha neta, eu acabo com você.

Respiro fundo, tentando controlar o impacto das palavras dele, e respondo:

— Eu só quero conhecer minha filha, conviver com ela, dar meu sobrenome. Quero meus direitos. Se sua preocupação é pensão, pode ficar tranquilo. Vou pagar.

Meu pai balança a cabeça em negação, cheio de desprezo.

— A questão não é pensão, Leonardo. Ser pai é muito mais do que isso. É dar amor, carinho, ter paciência. Não é cativar uma criança e depois sumir, deixando uma marca que ela vai carregar para sempre.

— Quando eu for embora, vou ligar todos os dias, fazer chamadas de vídeo, vir nas férias. Não vou abandoná-la.

Ele se levanta, me encarando com raiva, cada palavra como uma faca:

— Então trate de virar homem. Minha neta não merece alguém tão egoísta e imaturo como você. Está se tornando uma decepção para mim e para sua mãe.

Ele sai da sala, deixando um silêncio pesado no ar. Sento no sofá, sozinho com meus pensamentos e a sensação de ser um completo fracasso. Mas sei que, de alguma forma, preciso melhorar. Vou me esforçar para ser o pai que minha filha merece.

Manuela 

Chego ao trabalho exausta, com olheiras que nem a maquiagem consegue disfarçar. A noite passada foi um pesadelo: as palavras do Leonardo não saíam da minha cabeça, martelando sem trégua. Nunca quis que minhas decisões ou atitudes afetassem minha filha, mas agora, cada vez mais, temo que isso seja inevitável.

Suspiro, tentando afastar os pensamentos enquanto pego uma pilha de contratos sobre a mesa. Preciso entregá-los ao Pedro para revisão. Caminho até a sala dele, tentando compor uma expressão neutra, mas basta vê-lo perdido em seus pensamentos para minha preocupação diminuir um pouco.

— Pensando na morte da bezerra, Pedro? — brinco, vendo meu amigo completamente no mundo da lua.

Ele dá um sobressalto leve antes de responder, com um sorriso meio torto:

— Na verdade, estava pensando naquela maluquinha...

Não consigo segurar o riso. Pedro sempre fala dessa forma sobre alguém que lhe interessa.

— Vocês estão conversando? — pergunto, curiosa.

— Estamos trocando mensagens há um tempo. Mas... — Ele faz uma pausa, suspirando profundamente.

— Mas...? — Insisto, levantando as sobrancelhas.

— Sei que, se ela me conquistar, não vou negar nada pra ela. E como isso seria um problema, estou tentando evitar...

Reviro os olhos, mas não consigo evitar um sorriso.

— Pedro, você já está pensando nela o tempo todo. Parece tarde demais para tentar evitar, não acha?

Ele me olha por alguns segundos, pensativo, antes de murmurar:

— Talvez você tenha razão...

Percebendo que ele está prestes a se perder em devaneios novamente, decido mudar de assunto:

— Mas e você? Como foi ontem?

Pedro se ajeita na cadeira, agora me encarando com interesse. Dou de ombros antes de responder:

— Leonardo sendo o de sempre. Jogando coisas na minha cara, sendo grosso. Mas o que realmente importa é que ele tratou a Luna super bem. Ela gostou do passeio, e isso é o suficiente pra mim.

Pedro balança a cabeça, claramente indignado:

— Esse cara precisa ouvir umas boas. Quem sabe assim ele percebe que não precisa agir como um idiota o tempo todo.

Dou uma risada curta, sem humor.

— Sinceramente, enquanto ele tratar minha filha bem, posso tolerar esse ogro. Faço tudo por ela.

Pedro dá de ombros, tentando me consolar:

— Olha, pensa assim: daqui a uns meses ele vai embora. Aí, o máximo que você vai ter que aturar são ligações e chamadas de vídeo.

Essa ideia, que deveria me tranquilizar, só traz mais dúvidas à tona.

— Isso se ele não for embora e esquecer a Luna... — minha voz falha um pouco, mas continuo: — Ela vai desenvolver carinho por ele, vai criar apego. E se ele simplesmente sumir?

Pedro percebe meu desânimo e, em um gesto de conforto, me dá um leve abraço.

— Vai dar tudo certo, Manu. Você é uma das pessoas mais fortes que eu conheço.

Agradeço com um sorriso tímido, embora ainda sinta um nó na garganta. Depois de alguns segundos, ambos decidimos deixar os assuntos pessoais de lado. Ele pega os contratos para revisar antes que eu possa assiná-los, e volto para minha sala.

Sentada à minha mesa, tento focar nos outros assuntos pendentes. Mas, por mais que me esforce, minha mente continua voltando à mesma pergunta: será que algum dia Leonardo entenderá o peso das responsabilidades que está assumindo? Ou tudo isso será mais uma decepção?

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