Confesso que é estranho estar aqui, depois de anos, sentado à mesa de jantar com meus pais. Desde que voltei, tenho evitado situações como essa, mas hoje não houve como escapar. Minha mãe insistiu demais, e cedi.
Ela olha para mim com aquele olhar que só mães têm, misto de curiosidade e preocupação.
— Sobre o que é o caso que você está cuidando aqui na cidade, filho? — pergunta, tentando quebrar o silêncio.— Estou defendendo um homem acusado de assassinato. Ele alega ser inocente e, até agora, os fatos apontam que ele realmente pode ser. — Respondo, tentando parecer neutro, mas sei que meu tom carrega o cansaço de dias complicados.
— Esses casos são complicados, mas desafiadores. Bons para testar suas habilidades. — Meu pai comenta, com um tom firme, mas sem grande entusiasmo.
Mudando o foco, minha mãe olha para minha irmã:
— E você, filha, como estão as aulas na faculdade?Minha irmã sorri, os olhos brilhando de empolgação:
— Estão incríveis, mãe! Eu amo o curso, é tudo o que eu esperava.— E como foi hoje com a Luna? — minha mãe volta a perguntar, agora para mim, como quem anda sobre gelo fino.
Solto um suspiro antes de responder:
— Apesar do clima péssimo com a Manuela, foi divertido. Senti que a Luna está começando a se sentir à vontade comigo.Minha irmã, que até então permanecia calada, comenta:
— O clima devia estar horrível mesmo. Quando a Manu ligou, estava com a voz estranha, parecia que tinha chorado.Sinto a raiva crescendo e respondo, talvez com mais dureza do que deveria:
— Isso é porque a Manuela é imatura, não sabe ouvir verdades.Minha mãe, sempre tentando apaziguar, retruca:
— Filho, não é bem assim. Até pouco tempo era só ela e a Luna. Ninguém imaginava que você um dia voltaria.As palavras dela são como gasolina no meu fogo interno. A irritação transborda.
— Vocês são muito hipócritas! Ainda bem que voltei, ou talvez nunca soubesse da existência da minha filha. Afinal, ninguém parecia pretender me contar nada! — esbravejo.Minha irmã aproveita a deixa para alfinetar:
— Talvez porque estávamos esperando você virar homem.A última gota. Levanto-me da mesa abruptamente, cheio de raiva, a cadeira arrastando no chão com um rangido agudo. Sinto que todos sempre defendem a Manuela, ignorando completamente os erros dela. Acendo um cigarro para tentar acalmar os ânimos, mas a fumaça parece não levar minha frustração embora.
...
Mais tarde, apago o cigarro e volto para casa. Encaro meu pai sentado no sofá, com uma expressão de profunda decepção. Ele não espera eu dizer nada, e já começa:
— Você só me decepciona, Leonardo. Eu e sua mãe te criamos com todo o carinho. Me recuso a acreditar que você se tornou isso. Nem como homem posso te chamar, porque você não age como um.As palavras dele são um soco no estômago, mas ainda tento argumentar:
— Vocês esconderam minha filha de mim! Queriam que eu simplesmente aceitasse tudo que a Manuela decide, sem questionar?Ele suspira, o tom de voz carregado de frustração:
— A Manuela é a mãe, Leonardo. Ela cuidou, deu amor e criou a Luna. Sim, erramos em não te contar, mas ela estava grávida e assustada, tentando não atrapalhar seus sonhos. Ela tinha medo que você a odiasse. E você? Nunca nem ligou para dizer que estava tudo bem. Batia o pé dizendo que a amava, mas foi embora e agiu como se ela nunca tivesse existido na sua vida. Que amor é esse?Sinto o peso da verdade nas palavras dele, mas ainda me defendo:
— Era complicado! Com a distância, nosso namoro não ia durar. Era mais fácil assim.Meu pai perde a paciência de vez, a voz saindo num tom quase de grito:
— Ah, claro! E por isso o amor simplesmente evaporou? Por isso achou que nem sua família merecia uma ligação ou que você atendesse a droga de um celular? Você foi um moleque! E deixa eu te avisar: se você fizer algum mal à Manuela ou à minha neta, eu acabo com você.Respiro fundo, tentando controlar o impacto das palavras dele, e respondo:
— Eu só quero conhecer minha filha, conviver com ela, dar meu sobrenome. Quero meus direitos. Se sua preocupação é pensão, pode ficar tranquilo. Vou pagar.Meu pai balança a cabeça em negação, cheio de desprezo.
— A questão não é pensão, Leonardo. Ser pai é muito mais do que isso. É dar amor, carinho, ter paciência. Não é cativar uma criança e depois sumir, deixando uma marca que ela vai carregar para sempre.— Quando eu for embora, vou ligar todos os dias, fazer chamadas de vídeo, vir nas férias. Não vou abandoná-la.
Ele se levanta, me encarando com raiva, cada palavra como uma faca:
— Então trate de virar homem. Minha neta não merece alguém tão egoísta e imaturo como você. Está se tornando uma decepção para mim e para sua mãe.Ele sai da sala, deixando um silêncio pesado no ar. Sento no sofá, sozinho com meus pensamentos e a sensação de ser um completo fracasso. Mas sei que, de alguma forma, preciso melhorar. Vou me esforçar para ser o pai que minha filha merece.
Manuela
Leonardo Passei a semana inteira perdido em pensamentos. A conversa que tive com meu pai me atingiu como um soco, e as palavras dele não paravam de ecoar na minha mente. Preciso ser melhor. Hoje é domingo, e decidi aproveitar o dia para ver a Luna. Quero levar minha filha à praia, talvez criar uma memória boa entre nós.Chego na casa da Manuela e bato na porta. Ela atende com uma expressão surpresa, vestida em um vestido simples, mas bonito, que combina perfeitamente com o modelo infantil que a Luna também usa. É quase impossível não reparar como ela se esforça para fazer a filha feliz, mesmo que isso a deixe de lado.— Bom dia, Leonardo. — Ela diz, um pouco hesitante, mas cordial.— Bom dia. Eu ia perguntar se podia levar a loirinha na praia, mas parece que vocês já têm planos. — Respondo, percebendo a cesta de piquenique em suas mãos.— Aos domingos, sempre fazemos piquenique. — Ela explica, com um leve sorriso, mas há algo contido no olhar dela, talvez mágoa.Antes que eu pudesse
ManuelaA manhã começou cedo. Depois de arrumar minha menina e eu mesma, tomamos um café rápido antes de sair. Coloquei Luna na cadeirinha, ajustando o cinto com cuidado, e entrei no carro.— Mamãe, o Léo não vai com a gente? — ela pergunta com os olhos brilhando de expectativa.— Vai sim, filha. Estamos indo buscá-lo agora. — respondo, tentando sorrir para acalmar a animação dela.— Achei que ele tinha esquecido nosso combinado! — diz, cheia de entusiasmo.Chegamos à casa dos padrinhos, e lá estava Leonardo, já arrumado, esperando do lado de fora. Ele parecia quase ansioso.— Bom dia, loirinha. Bom dia, Manuela. — cumprimenta, entrando no carro.— Bom dia, Léo! — Luna responde sorridente, a alegria transbordando.No caminho, ela começa a falar sobre como iria “esfregar na cara” da coleguinha que o pai dela estava presente. Leonardo e eu rimos da inocência dela, mas um aperto no peito me lembrou que essa felicidade dela era algo recente.Ao chegarmos à escola, descemos juntos para lev
ManuelaUma Noite no ParqueEra sexta-feira, e tudo o que eu queria era passar o fim do dia deitada na cama com a Luna, comendo porcarias e vendo desenhos. Mas a campainha insistente me obrigou a levantar.Abri a porta e dei de cara com Leonardo. Ele estava bem vestido e parecia animado.— Leonardo, o que você está fazendo aqui? — perguntei, surpresa.— Tem um parque de diversões na cidade. Achei que seria divertido irmos lá. — Ele fez uma pausa, talvez percebendo minha expressão confusa. — Quero levar a Luna.— Ah, claro. Você espera a gente se arrumar? — perguntei, ainda tentando processar o convite. Ele assentiu com um sorriso.— Leeeeeo! — Luna gritou, aparecendo atrás de mim e pulando nos braços dele.— Que tal eu, você e sua mãe irmos ao parque hoje? — perguntou para ela, que respondeu com um grito animado de "Vamos!"Subi para ajudar Luna a se arrumar, e aproveitei para trocar de roupa também. Não pude evitar a surpresa pelo convite. Achei que ele quisesse ir apenas com ela, ma
BiancaHoje é sábado, meu aniversário. No entanto, minha ansiedade não é por causa da data, mas sim pela noite que planejei passar ao lado de Pedro, apenas nós dois. Mal posso esperar.Ao ouvir a campainha, corro até a porta. Sei que é ele, já que todos os outros convidados estão no fundo do quintal.— Pepe! — exclamo animada, envolvendo seu pescoço em um abraço caloroso assim que abro a porta.— Parabéns, princesa. — Ele sorri e beija minha testa. Em seguida, me estende um buquê de flores. — Isso é pra você.— Obrigada! — sorrio encantada. — Vem, não precisa ficar nervoso.Entrelaço nossos dedos e o conduzo até a cozinha, onde coloco o buquê em um jarro com água. Antes que possamos voltar para a sala, minha irmãzinha surge correndo.— Dindoooo! — Ela pula nos braços de Pedro, que a pega no colo com carinho.— Oi, pequena do dindo. — Ele beija sua bochecha e, em seguida, olha ao redor. — Oi, pessoal. — diz timidamente para os demais.Minha mãe vem até nós com um sorriso caloroso.— Qu
LeonardoEra domingo, e, como de costume, estava à porta da casa da Manuela para nosso piquenique semanal. Bati algumas vezes e logo ouvi os passos leves da Luna. Quando a porta se abriu, fui recebido pelo sorriso mais radiante do mundo.— Bom dia, Léo! — exclamou ela, pulando de alegria.— Bom dia, princesa. Trouxe algo pra você. — disse, tirando de trás das costas um pequeno buquê de flores coloridas.Ela arregalou os olhos, pegando as flores com cuidado. — São lindas! Cheirosas! Eu adoro florzinhas!Meu peito aqueceu com o entusiasmo dela. — Que tal uma foto? Quero guardar esse momento.Luna segurou as flores com um sorriso enorme, e eu capturei a cena com o celular. Enquanto eu admirava a foto, Manuela apareceu na porta, carregando a cesta do piquenique e uma mochila. Seus olhos encontraram os meus, e percebi imediatamente que ela ainda estava magoada. Talvez por aquele dia no café. Suspirei. Eu precisava resolver isso.— Vamos? — perguntei, tentando quebrar o gelo.— Vamos. — r
LeonardoEra segunda-feira, início de mais uma semana, e eu estava na cozinha com a Luna, aproveitando o momento tranquilo antes da correria do dia. Quando me virei, a cena era adorável: minha loirinha estava segurando um pedaço enorme de melancia, quase maior que o rostinho dela.— Minha filha do céu, esse pedaço de melancia está maior que você! — comentei, rindo da visão.Ela me olhou com seus olhos brilhantes e respondeu inocentemente: — Tava com fominha! Quer um pedacinho, papai?A cada vez que ela me chamava de "papai", meu coração dava um salto. Ainda não me acostumei totalmente, mas é a melhor sensação do mundo.— Quero sim. — disse, aproximando-me dela, beijando seus cabelos antes de morder a melancia. — Tá muito boa!Ela riu, satisfeita com o elogio. Depois de alguns minutos, perguntei, em tom de quem estava inspecionando o dia dela: — A senhorita já fez os deveres?— Já sim, titia Bia me ajudou. — respondeu, com uma risadinha travessa. — Vi ela dando beijinho no dindo!Fin
Manuela O domingo estava ensolarado, e minha casa transbordava com o som da minha família reunida. Era dia de churrasco e piscina, e o clima de descontração preenchia cada canto. Eu estava no quarto, terminando de me arrumar, quando ouvi a voz familiar do Leon vindo da porta.— Não vai descer? — perguntou, apoiado no batente, com aquele sorriso que sempre mexia comigo.— Estava terminando de me arrumar. — disse, caminhando até ele para envolvê-lo em um abraço. Ele aproveitou o momento para deixar um beijo no meu pescoço.— Abusado! — brinquei, rindo.— Você está muito cheirosa, minha loira. — murmurou antes de beijar meus lábios com a confiança de quem sabia que eu não resistiria.— Você precisa parar com isso, Leon. Não está certo. — resmunguei, tentando soar séria, mas minha voz traía a intensidade do momento.Ele sorriu, daquele jeito charmoso que sempre me desarmava.— Você gosta dos meus beijos, e eu gosto de te beijar. Não vejo problema nisso. — disse, roubando mais um selinho.
LeonardoOlho fixamente para o porta-retratro ao lado da minha cama. A foto que Luna me deu, com ela e Manu sorrindo para a câmera, me traz uma sensação de paz, mas também de responsabilidade. Ela me entregou essa foto com a promessa de que seria algo para quando eu fosse embora, como se ela acreditasse que algum dia eu a esqueceria. Como se eu pudesse esquecer esse sorriso radiante de Luna ou os olhos de Manu me olhando com tanto carinho e confiança.Mas a verdade é que esses meses com elas me fizeram perceber que nenhum lugar é melhor do que estar ao lado delas. Aqui, ao lado de minha filha, construindo momentos com ela, e ao lado de Manu, com quem eu realmente quero estar. Tenho mantido isso em segredo por enquanto, esperando o momento certo. Estou planejando conversar com meu pai sobre uma possível vaga na empresa dele, e também sobre arrumar um lugar para mim. Claro, se Manu quisesse morar comigo, ela seria mais que bem-vinda, mas isso ainda é algo que temos que conversar.Meu te