Capítulo 1 - Viajar agora?

Dias antes

Isabelle Mattos

— Marcos, você só pode estar brincando comigo! Viajar agora? Eu não posso assumir mais um projeto no seu lugar. Estou lotada de trabalho! Tenho três projetos em finalização e quatro em andamento que precisam de acompanhamento. E, me desculpe, mas você deveria estar à frente de todos eles, pois essa é a sua função.

Marcos me olha contrariado, mas não me intimido. Sustento o olhar, firme, enquanto sinto a frustração crescente de ter que assumir responsabilidades alheias. Trabalhar com dois chefes idiotas, numa empresa tão machista, está me levando ao limite.

Pela terceira vez, fui vetada de uma promoção, sempre com desculpas esfarrapadas. No fundo, sei o verdadeiro motivo: sou mulher. O mais revoltante é que eles são promovidos às custas do meu trabalho e do das outras mulheres aqui. Estou saturada.

— Não adianta reclamar, Isa. Eu estou muito ocupado, e não tem ninguém melhor do que você para encantar um cliente em potencial e acalmar outro que esteja descontente — disse Marcos com um olhar cínico e desrespeitoso, deixando claro o desprezo mascarado naquelas palavras.

Ele deu um sorriso torto e completou:

— Principalmente se você usar uma daquelas suas saias lápis. Isso deixa você ainda mais… competente.

Minha raiva quase transbordou. Eu o assassinei mil vezes com o olhar, enquanto me esforçava para não agredi-lo ali mesmo. Respirei fundo, aproximei-me dele e deixei claro, com a voz firme e baixa, que eu não toleraria mais aquele tipo de abuso:

— Eu vou, Marcos. Vou a essa viagem ao Rio de Janeiro porque sou mais competente do que qualquer pessoa nesta empresa. Inclusive, mais que você. Agora, preste atenção: é Isabelle. E, da próxima vez que você fizer qualquer comentário sobre a minha roupa, tenha certeza de que irá receber um processo. E será milionário. Não se esqueça da minha experiência fora daqui — finalizei, encarando-o com desdém.

Levantei com firmeza, peguei minha bolsa e saí bufando de ódio. Passei pela secretária e dei as ordens para a viagem:

— Sabrina, organize minha viagem de amanhã. O hotel deve ser cinco estrelas, e a ajuda de custo será cobrada da diretoria, já que estou fazendo o trabalho deles. Estou indo me arrumar, não volto mais hoje. E não me liguem, não vou atender.

Sabrina não decepcionou. Reservou um ótimo hotel no Rio de Janeiro, muito bem localizado, com uma vista deslumbrante do mar. A reunião seria com um cliente insatisfeito devido a problemas na execução de um projeto de implementação. Minha missão: ajustar o projeto, convencê-los a permanecer conosco e, ainda, negociar a extensão do cronograma.

Era uma tarefa complicada, mas não impossível. Eu sabia que a solução exigiria toda a minha habilidade e determinação.

***

Alejandro González

Eu sempre vou ao Rio de Janeiro a trabalho, na verdade viajo muito, e tenho negócios em boa parte do mundo, mas ultimamente estou investindo muito no Brasil. Quero muito ampliar e estruturar meus negócios, trazer definitivamente o Miguel para trabalhar comigo e ficar mais no Brasil. 

Sempre foi um grande sonho para mim, voltarmos a trabalhar juntos e colocar nossos planos da juventude em prática.

Sinto muita falta de família, de estar junto com ele. Miguel é o irmão que conheci na vida e quero que ele tenha a oportunidade de ter uma vida mais próspera e ser o profissional que ele tanto se preparou, mas ele é teimoso demais, quer ficar naquela cidade de interior, Campo Verde, que ele mora e que não tem futuro nenhum para  um profissional do nível dele.

Não consigo entender aquele cabeça dura, estudou tanto, teve quase as mesmas oportunidades que eu e insiste em viver num lugar limitado para ele. 

Eu até entendo que a família dele vem em primeiro lugar, mas poderia conciliar, abrir mão de uma vida de luxo, status profissional, para mim é muita renúncia.

***

No dia de viajar para o Rio de Janeiro, acordo cedo, verifico o email e fico aliviado quando vejo que minha secretária tomou todas as providências que solicitei, provavelmente será uma viagem rápida e não terei problema em fechar os contratos que tanto almejo.

Sorrio quando leio, vejo que ela providenciou entradas em duas boates baladas e lembro que dará tempo de aproveitar a noite carioca, em companhia de lindas mulheres.

Chego no Rio, por volta das 9 horas da manhã, minha reunião vai ser às 10 horas e  prefiro resolver as coisas do trabalho primeiro, para minha cabeça ficar mais livre.

As responsabilidades vêm em primeiro lugar, e depois o lazer… Quero dizer, depois vem as mulheres.

Já era por volta das 15 horas e eu ainda não tinha sequer almoçado e a reunião estava sendo muito mais complicada do que eu tinha imaginado e parecia interminável.

No meu pensamento eu só conseguia fazer uma única pergunta: “Porque as pessoas gostam tanto de complicar as coisas?”

Almoçamos em um restaurante perto da praia e já passava das 17 horas quando finalmente terminamos a reunião e eu não conseguia disfarçar o meu mau humor.

Pedi para meu motorista me deixar algumas quadras antes do hotel, porque eu precisava caminhar um pouco e esfriar a cabeça.

O segurança ficou atrás de mim, pedi pra ele ficar mais longe um pouco.

Deixei meu paletó e a gravata no carro, e sai andando pela bela orla da praia e meus pensamentos se confundiram com meus sentimentos que há algum tempo estavam bastantes confusos…

Eu olhava pra vida de alguns amigos meus e não entendia a escolha deles de desacelerar do trabalho, da farra, era só completar 30 anos e pronto, tudo mudava! Isso não iria acontecer comigo, era fora de cogitação.

Mas porque esse sentimento de vazio estava sempre aparecendo em mim ultimamente?

Tudo na minha vida era do jeito que eu planejei, não tinha problema que eu não resolvesse, sei fazer dinheiro e também sei gastá-lo com muita competência. Aproveito a vida bem, adoro as oportunidades que o dinheiro me traz.

As mulheres são maravilhosas, são meu ponto fraco, adoro a companhia delas, de ser feito feliz por elas e fazê-las feliz também... e porque não?

Mas, amor, paixão, compromisso, não é pra mim... As minhas “amigas” sabem como eu sou e que não sou homem de querer compromisso, ficar mais de dois meses com alguém é compromisso e não dá, não quero a sensação de enganar, de fazer uma mulher se apaixonar e depois largar, não sou um canalha, pelo menos faço tudo para não ser ou ser o mínimo possível.

Minha relação com meu pai atualmente está até razoavelmente boa, levando em consideração toda a nossa relação conturbada e lembrando dele, me vem à cabeça uma frase que ele sempre falou pra mim:

“Dios mío, dile al mundo al tuyo, que no aparezca ningún cometa ni error, guarda todos los toros que piden tu voz, pero ninguno es nada”. (“Filho meu, você tem o mundo aos seus pés, só não cometa o erro de se apaixonar, tenha todas as mulheres que você quiser para você, mas não seja de nenhuma”.)

Sempre tive um ódio dessa frase, mas hoje fico pensando: “Será que não é isso que eu estou fazendo?”

Não acredito nessa história de amor, fidelidade, amor para a vida toda… não posso dizer que nunca vi acontecer, porque tem algumas poucas exceções. Na verdade, poucos amigos meus têm relações que eu admiro e só Miguel é um grande exemplo para mim. É um preço e tanto que ele paga, mas se tratando de Miguel que é um ser diferente, tão especial que dá até raiva, é até fácil de entender. 

Nesse momento fico pensando se eu teria coragem de pagar esse preço por alguém... por esse tal de amor, que eu definitivamente não acredito.

Enquanto vou divagando nos meus pensamentos passo muito do hotel que estou hospedado e peço ao meu segurança que vá chamar o motorista, porque meu celular descarregou. Resolvo ir voltando pela calçada e de repente sou surpreendido por dois homens me puxando com violência e me jogando numa rua estreita. 

Por impulso eu reagi, ainda conseguindo dar socos nos dois delinquentes, mas quando me dei conta tem um outro bandido com uma arma apontada para minha cabeça.

— Acabou pra tu plaboy, fica de boa se não eu faço dessa tua fuça uma peneira.

Levanto as mãos e os dois começaram a dar socos em mim, me jogaram no chão e deram pontapés por todo o meu corpo e eu apenas pensei que esse seria meu fim.

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