Alejandro González
Acordei no hospital com dores por todo o corpo e uma leve confusão mental. Olhei ao meu redor, tentando organizar as memórias do que havia acontecido. Assim que meus olhos se ajustaram à luz do quarto, vi que uma mulher estava sentada ao meu lado, dormindo em uma cadeira. Por um instante, pensei que fosse a "mulher maravilha" que me ajudara, mas ao focar melhor, percebi que era Ingrid. Um suspiro de descontentamento escapou antes mesmo que eu pudesse contê-lo.
— Porra, era tudo que eu não queria agora — murmurei para mim mesmo. Quem teve a brilhante ideia de avisar Ingrid que eu estava no hospital certamente seria demitido.
Tentei me levantar devagar, mas a camisola de hospital e os movimentos limitados fizeram barulho o suficiente para acordá-la. Assim que abriu os olhos, sua voz melosa me atingiu imediatamente.
— Oi, belo adormecido! Passei a noite toda velando seu sono. Como você está? — disse, sorrindo.
— Eu vi você roncando — retruquei, sem pensar muito. Ela ficou visivelmente sem graça, e me arrependi na mesma hora. Apesar de tudo, ela passou a noite ali.
— Estou brincando, Ingrid. Desculpe.
— Você é muito sem graça, Alejandro. Sério, como você está? Posso fazer alguma coisa por você?
— Acho que estou melhor. Pode chamar o médico, por favor? Quero saber se posso ir embora. Ah, e veja se conseguem minhas roupas também.
O médico veio logo depois, fez os exames necessários e me liberou. Algumas horas depois, já estava de volta ao quarto do hotel. Ao me encarar no espelho, vi meu rosto ainda inchado e senti o corpo inteiro reclamar de dor. Ingrid, como era de se esperar, insistiu em ficar comigo, mas consegui convencê-la a ir embora sob a desculpa de que precisava descansar e tomar os remédios.
— Antes de sair, Ingrid, você sabe algo sobre a moça que me ajudou? — perguntei casualmente, mas atento à sua reação.
Ela fez uma careta antes de responder:
— Ah, ela ficou até eu chegar. Depois saiu reclamando. Disse que já tinha feito a parte dela.
Aquilo não parecia bater com a impressão que tive da mulher. Ela não parecia ser egoísta! Tentei ignorar o incômodo e passei o resto do dia descansando. Dormi tanto que quando chamei Raul, meu motorista, já eram mais de seis da tarde.
— Raul, você tem algum contato daquela moça que me salvou? Quero mandar flores ou algo para agradecê-la.
— Não, senhor Alejandro. Ela pegou um táxi em frente ao hospital. Não deixou que eu a levasse ao hotel.
Raul hesitou antes de continuar:
— Senhor, acho que a dona Ingrid não foi muito gentil com ela. Disse que não tinha mais utilidade ali e que era sua namorada, então ficaria com o senhor.
— O quê? Que porcaria é essa? — gritei, completamente perplexo. — Namorar a Ingrid? Deus me livre!
Raul tentou segurar o riso, mas falhou miseravelmente.
— Ingrid é… interessante para uma noite ou outra. Mas namorar? Nunca. Quem avisou essa mulher que eu estava no hospital?
— Fui eu, senhor Alejandro. Ela ligou dizendo que tinha um encontro com o senhor naquela noite e…
Lembrei-me imediatamente do compromisso na casa de um amigo. Claro que Ingrid conseguiu o telefone de Raul. Suspirei fundo, tentando conter a irritação.
— Raul, você acha que consegue encontrar a mulher que me ajudou? Descubra o ponto de táxi em que ela entrou e veja se conseguimos alguma informação.
— Vou tentar, senhor Alejandro.
Enquanto ele saía do quarto, falei mais para mim mesmo:
— Eu preciso agradecê-la. Se não fosse por ela, eu provavelmente estaria morto.
Raul parou na porta e comentou, com um sorriso gentil:
— Milagres acontecem, senhor Alejandro. Mas ela também parecia bem determinada. Ou bem maluca.
Rimos juntos, e pela primeira vez no dia, eu me senti entusiasmado.
— Ela ficou no hospital, Raul? — Perguntei antes que ele se retirasse.
— Sim, senhor. E ela foi bem atenciosa. Acho que ela até ficaria com o senhor, se não fosse por dona Ingrid. É uma opinião minha, senhor.
— O senhor teve muita sorte dessa moça ter aparecido e salvo sua vida.
— Se não fosse ela eu estaria morto, Raul! — Falei sentindo o peso daquelas palavras.
— Como lhe disse senhor… Milagres acontecem.
— Parece que sim, Raul. — Falei sorrindo e continuei: Encontre ela Raul, faça o que for preciso e encontre ela… Eu preciso agradecer a ela pela minha vida!
***
Isabelle Matos
Cheguei no hotel às cinco horas da tarde, depois de mais uma reunião com o cliente insatisfeito. Dessa vez, fiquei mais esperançosa com a possibilidade de virar o jogo.
O dia foi bastante exaustivo e eu não tive tempo nem de olhar o celular. Quando liguei o aparelho, vi que tinha muitas ligações e mensagens. Tomei um banho rápido, coloquei um vestido leve, uma sandália baixa, uma maquiagem sutil com batom cor de boca e deixei os cabelos soltos. Fui até a área da piscina tomar um drink para relaxar enquanto respondia mensagens e fazia algumas ligações.
— Oi, Gustavo, quem está morrendo? Você me ligou dez vezes de ontem para hoje? — Perguntei assim que ele atendeu.
— Sério, Isabelle, você viaja e não atende nenhuma ligação minha? — respondeu ele, com um tom de leve irritação.
— Gustavo, eu estou trabalhando e tive alguns problemas. Mas você tem razão, desculpa. Ontem foi uma noite complicada e eu tinha muito trabalho para fazer.
— Só avisa, por favor, porque eu me preocupo com você! Preciso desligar, tenho que atender um cliente. Te amo e se cuida. Depois a gente conversa.
Se Gustavo souber que, por pouco, eu não levei um tiro na cara ao me meter em um assalto e que acabei salvando um homem lindo de morrer... Ele mesmo me dá o tiro.
E que homem... Me peguei várias vezes pensando nele e me perguntando se estava bem. Saí tão rápido do hospital, depois que a enjoada da "namorada" dele apareceu me tratando mal, que achei melhor me retirar antes de perder a paciência. Tenho o sangue quente e não costumo levar desaforo para casa.
Será que eu deveria ligar para o hospital e perguntar por ele? Mas nem o nome dele eu sei. Lembro que o motorista repetiu algumas vezes um sobrenome espanhol, mas não consegui gravar.
O garçom chegou com o drink que pedi, e depois de ponderar bastante, se deveria ligar ou esquecer o tal moreno lindo, decidi ligar para o hospital. A ansiedade tomou conta enquanto a atendente procurava por um paciente com as características que descrevi.
— Senhora, desculpe a demora, mas achei um paciente que deu entrada ontem com traumas pelo corpo, resultado de um assalto.
— Que bom — respondi, tentando conter a ansiedade.
— O nome dele é Alejandro González, e ele teve alta hoje pela manhã.
— Ótimo, fico muito feliz.
Depois de agradecer e desligar o telefone, voltei minha atenção para responder as mensagens e degustar meu drink. Tentei afastar pensamentos sobre o gato espanhol, mas fiquei decepcionada ao constatar que provavelmente não o veria mais.
Tomei mais dois drinks, e fui me arrumar para sair com uns amigos e curtir um pouco a noite carioca.
Às oito horas da noite, já estava pronta no saguão do hotel. Com um vestido curto vermelho, mas elegante, com sandálias de salto fino. Finalizei com uma maquiagem básica, batom vermelho-sangue e brincos grandes que contrastavam com meus cabelos castanhos claros e médios, soltos.
Olhei-me no espelho do hall do hotel, passei a mão na cintura e pensei: "Eu te pegava, gata. Tu é gostosa, garota." Ri das minhas próprias bobagens e fui curtir minha noite…
Chega de ficar pensando no espanhol bonitão!
***
Gustavo MorettiIsabelle viajou a trabalho para o Rio de Janeiro e ainda não nos falamos. Não sei porque mas estou angustiado. Às vezes eu odeio essa preocupação que tenho com ela. Mandei um milhão de mensagens e depois de muito insistir eu consigo falar com ela e fui convencido de que estava tudo bem, senti-me aliviado. Combinamos que eu a pegaria no aeroporto em São Paulo no outro dia e seguiríamos juntos para Campo Verde.O avião pousou em São Paulo e, como combinado, já a aguardava. Fizemos um lanche rápido e pegamos a estrada rumo a Campo Verde. O silêncio nos acompanhou por alguns minutos. Esperei que ela começasse a falar sobre a viagem, mas nada. Ela estava calada, com um ar desconfiado, e eu precisava pressioná-la.— Não enrola, Isabelle. Fala logo o que houve.— Se eu disser que não aconteceu nada demais, você não vai acreditar, vai? — respondeu, desconfiada.— Claro que não. Fala logo.— Acho que desta vez eu vou para o céu. — Ela sorriu, mas algo no tom dela não me parecia
Alejandro González Depois de cinco dias da viagem louca que fiz ao Rio de Janeiro e que quase me custou a vida, finalmente estou de volta a São Paulo. Mal tenho tempo de respirar antes de organizar minha próxima viagem – uma ida rápida a Nova York. Há compromissos que não posso adiar e preciso retornar ao Brasil em poucos dias. Entre esses compromissos, está a conversa séria que preciso ter com Miguel.Miguel está se perdendo naquele emprego medíocre como diretor de agência bancária. Pelo amor de Deus, ele estudou em Harvard, é extremamente competente e talentoso. Não consigo aceitar que ele se contente com tão pouco numa cidade pequena e com um trabalho que limita seu potencial.Preciso convencê-lo a ser meu diretor, meu braço direito. Oferecerei até uma participação societária, se for necessário. Quero meu “irmão” comigo, e isso é uma questão de honra. Quando fizemos pós-graduação juntos em Londres, tínhamos um plano. De repente, tudo mudou. Ele conheceu a Carla, ele engravidou e e
Alejandro GonzálezCheguei ao meu apartamento em Nova York por volta das 19 horas, exausto. Depois de um banho longo e relaxante, preparei uma dose de uísque e me sentei no sofá para ouvir as mensagens na caixa postal.De repente, uma voz familiar interrompeu minha concentração:— Boa noite, Alejandro...Quase derrubei o copo e engasguei. Ponderei, surpreso:— Porra, é a maluca, com voz de anjo!Continuei ouvindo a mensagem:— Boa noite, Alejandro, aqui é Isabelle, a maluca que salva vidas. Fiquei lisonjeada com sua delicadeza. Gostaria de agradecer os lindos presentes — realmente, não precisava. Você é muito gentil. Muito obrigada pelo carinho e atenção. Tenha uma boa noite.Ouvi a mensagem umas duas vezes, incapaz de controlar meu fascínio. Sua voz tinha algo hipnotizante. Em um instante de devaneio, imaginei-a sussurrando safadezas ao pé do meu ouvido. Sacudi a cabeça, tentando afastar os pensamentos, e quando me estabilizei, peguei o telefone. No Brasil, já deveria ser umas dez da
Isabelle MattosGaby é a menina mais iluminada e especial do planeta. Inteligente, amável e feliz, possui uma percepção emocional fora do normal. Miguel e Carla sempre foram muito unidos. O que parecia um amor de verão revelou-se um encontro de almas, porque desde o princípio Miguel escolheu amá-la de maneira simples e intensa.A chegada de Gaby foi um acalento ao coração deles, especialmente após a perda devastadora do primeiro filho ainda bebê. Há momentos em que pensei que o relacionamento deles não sobreviveria, mas o amor deles mostrou-se verdadeiro e resiliente. Gaby veio como um raio de luz, trazendo alegria para todos nós.Eu e Gustavo somos padrinhos dela, e o aniversário de Gaby é coisa seríssima. Ai de nó
Alejandro GonzálezMiguel e Carla sempre gostaram de reunir os amigos em casa. Em uma cidade do interior, as amizades costumam ser de longa data, e com eles não era diferente. Toda vez que estou na companhia deles, sou tomado por lembranças da infância e da adolescência. Minha mãe estava viva naquela época, e vínhamos muito ao Brasil. Ela e o pai de Miguel eram melhores amigos, desde a infância. Minha mãe, aliás, era madrinha dele e sempre fez questão de participar da educação de Miguel, garantindo que ele tivesse oportunidades semelhantes às que eu tinha.Eles também nos incentivavam a sermos como irmãos. O pai de Miguel era uma das melhores pessoas que já conheci. Sempre admirei a maneira como ele cuidava da família, e, de certa forma, invejei isso. Quando olho para Miguel, vejo o reflexo do homem que o criou.Naquela noite, Gustavo também estava presente. Ele é amigo de infância de Miguel e alguém com quem sempre me dei bem. Um verdadeiro camarada para viagens, festas e, claro, um
Isabelle MatosMesmo sem gostar de ser obrigada a viajar, ir ao Rio de Janeiro não parecia tão ruim assim. Após sair de uma reunião com um cliente — já passava das 18 horas, mas o céu ainda estava claro — decidi pegar um táxi. No entanto, pedi para descer algumas quadras antes do hotel. Queria caminhar um pouco. O fim de tarde estava agradável, e eu precisava organizar meus pensamentos.Enquanto caminhava, perdida em meus devaneios, ouvi um grito abafado vindo de uma ruazinha lateral. Não pensei, apenas agi. Virei na direção do som, movida por um impulso que logo se mostrou um grande erro.Assim que entrei na rua, vi a cena e me arrependi instantaneamente. Um homem alto, visivelmente machucado, estava sendo segurado por dois rapazes. Um terceiro, mais agressivo, segurava uma pistola apontada para ele. Meu coração gelou.Tentei sair dali discretamente, mas meu salto entrou em um buraco no asfalto, quebrando e fazendo um barulho alto. O homem armado virou-se abruptamente, com os olhos f
Dias antesIsabelle Mattos— Marcos, você só pode estar brincando comigo! Viajar agora? Eu não posso assumir mais um projeto no seu lugar. Estou lotada de trabalho! Tenho três projetos em finalização e quatro em andamento que precisam de acompanhamento. E, me desculpe, mas você deveria estar à frente de todos eles, pois essa é a sua função.Marcos me olha contrariado, mas não me intimido. Sustento o olhar, firme, enquanto sinto a frustração crescente de ter que assumir responsabilidades alheias. Trabalhar com dois chefes idiotas, numa empresa tão machista, está me levando ao limite.Pela terceira vez, fui vetada de uma promoção, sempre com desculpas esfarrapadas. No fundo, sei o verdadeiro motivo: sou mulher. O mais revoltante é que eles são promovidos às custas do meu trabalho e do das outras mulheres aqui. Estou saturada.— Não adianta reclamar, Isa. Eu estou muito ocupado, e não tem ninguém melhor do que você para encantar um cliente em potencial e acalmar outro que esteja desconte
Alejandro GonzálezSempre falam para não reagir em assalto, mas como sempre fiz luta e sempre me senti um cara fisicamente preparado, não pensei duas vezes. Mas quando vi aquela arma sendo engatilhada para mim, por segundos eu tive a certeza que seria meu fim. Eles me bateram sem dó e quando achei que iria morrer, mas uma maluca apareceu do nada no local, e quando eu consegui levantar o rosto e olhar para ela vi que ela estava petrificada e por frações de segundos tive dó dela, que foi parar no lugar errado e estava com cara de que não sabia o que fazer e que iria morrer junto comigo.Para minha surpresa, ela olha para mim e seu olhar queimou o meu, parecia de um “anjo” que tinha vindo pra não me deixar morrer sozinho. De repente ela deu uma levantada de perna por cima do cara, num golpe, acho que de capoeira, ou outra luta qualquer e vi que a arma dele foi parar longe. Sem perder tempo ela deu um chute no meio das pernas do cara e eu juntei a pouca força que ainda tinha e lutei com o