Alejandro González
Depois de cinco dias da viagem louca que fiz ao Rio de Janeiro e que quase me custou a vida, finalmente estou de volta a São Paulo. Mal tenho tempo de respirar antes de organizar minha próxima viagem – uma ida rápida a Nova York. Há compromissos que não posso adiar e preciso retornar ao Brasil em poucos dias. Entre esses compromissos, está a conversa séria que preciso ter com Miguel.
Miguel está se perdendo naquele emprego medíocre como diretor de agência bancária. Pelo amor de Deus, ele estudou em Harvard, é extremamente competente e talentoso. Não consigo aceitar que ele se contente com tão pouco numa cidade pequena e com um trabalho que limita seu potencial.
Preciso convencê-lo a ser meu diretor, meu braço direito. Oferecerei até uma participação societária, se for necessário. Quero meu “irmão” comigo, e isso é uma questão de honra. Quando fizemos pós-graduação juntos em Londres, tínhamos um plano. De repente, tudo mudou. Ele conheceu a Carla, ele engravidou e ele voltou para a cidade natal e se distanciou dos nossos sonhos.
Me senti traído, por ele ter se separado de mim, dos nossos sonhos, mas com o tempo me acostumei e o apoiei. Só não consigo aceitar essa distância profissional e quero trazê-lo de volta ao nosso eixo.
Já no aeroporto. Meu voo para Nova York está atrasado, o que só reforça meu desgosto por voos comerciais. Avião particular é muito mais eficiente e menos estressante. Enquanto espero na sala VIP, minha mente divaga.
A maluca do assalto vem à tona. Faz dois dias que mandei o presente para ela, e ainda não recebi nenhuma ligação. Terá recebido? Ignorado? Essas perguntas não param de rondar meus pensamentos.
— Senhor González? — A voz da atendente da companhia aérea me tira do transe.
Levanto-me, pego minha bagagem de mão e caminho em direção ao portão de embarque. Nova York me aguarda.
***
Isabelle Mattos
A semana está passando muito rápido, e o acúmulo de trabalho pesava sobre meus ombros. Acabei de voltar do Rio, ainda não pisei na empresa, e já sinto o cansaço do estresse e da correria. Sempre amei o que faço, mas agora, desmotivada, a vontade de jogar tudo para o ar era quase irresistível.
Cheguei ao escritório às 9h e, no corredor, me deparei com Marcos, café na mão, jogando conversa fora e flertando descaradamente com a nova estagiária. O típico comportamento canalha dele.
— A vida está boa demais para você, Marcos. Que tal pegar uns dois projetos para visitar hoje e sair um pouco do escritório? — comentei, cruzando os braços.
Ele deu aquele sorriso irritante de sempre.
— Estou muito ocupado, Isabelle, mas, se precisar de ajuda, peça para a estagiária. Ela é muito competente e vai adorar colaborar. — Ele piscou para a jovem, provocando-me.
Antes que eu pudesse rebater, ele continuou, com tom debochado:
— Você não pode reclamar da vida, hein? Está até recebendo flores no escritório.
Minha expressão ficou séria.
— Está namorando e nem conta para os amigos? — Ele insistiu, com ironia.
Dei um sorriso forçado e me virei para ele.
— Pena que não vejo nenhum amigo meu por aqui. — Retruquei com sarcasmo, antes de me retirar para minha sala.
Ao entrar, um lindo buquê de rosas amarelas chamou minha atenção. Além das flores, havia duas caixas cuidadosamente embrulhadas e um cartão. Era uma cena inesperada, e confesso que fiquei paralisada por um momento.
Sabrina, apareceu quase saltitando de empolgação.
— Chefa, olha que coisa mais linda! Chegou ontem para você. Não mandei para sua casa porque queria ver sua reação!
Admirei as flores, o perfume suave e delicioso delas invadindo o ambiente. Meus olhos foram para as caixas. A maior continha chocolates finíssimos, de aroma irresistível. A menor, delicada e luxuosa, guardava um colar de ouro branco com um pingente estilo relicário. Ao abri-lo, li a gravação interna: "Gratidão, anjo."
Fiquei sem palavras. A elegância do presente era encantadora, e o gesto, profundamente tocante. Peguei o belíssimo cartão que acompanhava e li com atenção:
"Olá, Maluca que salva vidas...
Infelizmente, não pude te agradecer da forma correta pelo que fez por mim, mas quero que saiba que serei eternamente grato pela sua aparição de anjo salvador.Aceite este singelo presente de agradecimento.Espero, em breve, poder ter o prazer de te conhecer pessoalmente e dizer 'obrigado'. Hoje estou vivo e posso dizer que tive o privilégio de ser salvo pela Mulher-Maravilha!Com afeto sincero,Alejandro GonzálezP.S.: Deixei meu telefone com sua secretária. Me liga!"
Senti as pernas bambas. Sabrina, parada à minha frente com o número anotado, parecia quase tão emocionada quanto eu, mas visivelmente curiosa, para saber quem tinha mandado. Mostrei os presentes, e ela suspirou, visivelmente encantada.
O restante do dia passou como um borrão, enquanto Alejandro e seus olhos penetrantes não saíam da minha cabeça. Por que aquele homem, que eu mal conhecia, mexia tanto comigo?
À noite, ao chegar em casa, sentei na cozinha com uma taça de vinho e encarei o telefone por longos minutos. Decidi ligar. Afinal, seria educado agradecer pelo gesto.
Após cinco toques, caiu na caixa postal. Um misto de alívio e decepção tomou conta de mim. Talvez fosse um sinal para não criar expectativas. Respirei fundo e resolvi tentar novamente, dessa vez para deixar um recado.
— Olá, Alejandro. Aqui é Isabelle…
Depois que terminei a mensagem, ainda estava com o coração acelerado, desliguei a ligação e senti uma estranha mistura de dever cumprido e nervosismo. Não sabia o que esperar, mas, ao menos, meu agradecimento estava feito.
***
Alejandro GonzálezCheguei ao meu apartamento em Nova York por volta das 19 horas, exausto. Depois de um banho longo e relaxante, preparei uma dose de uísque e me sentei no sofá para ouvir as mensagens na caixa postal.De repente, uma voz familiar interrompeu minha concentração:— Boa noite, Alejandro...Quase derrubei o copo e engasguei. Ponderei, surpreso:— Porra, é a maluca, com voz de anjo!Continuei ouvindo a mensagem:— Boa noite, Alejandro, aqui é Isabelle, a maluca que salva vidas. Fiquei lisonjeada com sua delicadeza. Gostaria de agradecer os lindos presentes — realmente, não precisava. Você é muito gentil. Muito obrigada pelo carinho e atenção. Tenha uma boa noite.Ouvi a mensagem umas duas vezes, incapaz de controlar meu fascínio. Sua voz tinha algo hipnotizante. Em um instante de devaneio, imaginei-a sussurrando safadezas ao pé do meu ouvido. Sacudi a cabeça, tentando afastar os pensamentos, e quando me estabilizei, peguei o telefone. No Brasil, já deveria ser umas dez da
Isabelle MattosGaby é a menina mais iluminada e especial do planeta. Inteligente, amável e feliz, possui uma percepção emocional fora do normal. Miguel e Carla sempre foram muito unidos. O que parecia um amor de verão revelou-se um encontro de almas, porque desde o princípio Miguel escolheu amá-la de maneira simples e intensa.A chegada de Gaby foi um acalento ao coração deles, especialmente após a perda devastadora do primeiro filho ainda bebê. Há momentos em que pensei que o relacionamento deles não sobreviveria, mas o amor deles mostrou-se verdadeiro e resiliente. Gaby veio como um raio de luz, trazendo alegria para todos nós.Eu e Gustavo somos padrinhos dela, e o aniversário de Gaby é coisa seríssima. Ai de nó
Alejandro GonzálezMiguel e Carla sempre gostaram de reunir os amigos em casa. Em uma cidade do interior, as amizades costumam ser de longa data, e com eles não era diferente. Toda vez que estou na companhia deles, sou tomado por lembranças da infância e da adolescência. Minha mãe estava viva naquela época, e vínhamos muito ao Brasil. Ela e o pai de Miguel eram melhores amigos, desde a infância. Minha mãe, aliás, era madrinha dele e sempre fez questão de participar da educação de Miguel, garantindo que ele tivesse oportunidades semelhantes às que eu tinha.Eles também nos incentivavam a sermos como irmãos. O pai de Miguel era uma das melhores pessoas que já conheci. Sempre admirei a maneira como ele cuidava da família, e, de certa forma, invejei isso. Quando olho para Miguel, vejo o reflexo do homem que o criou.Naquela noite, Gustavo também estava presente. Ele é amigo de infância de Miguel e alguém com quem sempre me dei bem. Um verdadeiro camarada para viagens, festas e, claro, um
Alejandro GonzálezAcordei bem cedo com as crianças batendo na porta do meu quarto, cheias de uma alegria esfuziante. Elas sempre conseguem me convencer a abrir a porta, e a animação é tão intensa que só consigo tomar banho e fazer minhas higienes pessoais quando Miguel as leva para longe.Quando saí do quarto, ouvi ao longe a voz de Gustavo conversando com Miguel. Parecia algo sério, e resolvi não me aproximar. Não queria lidar com Gustavo naquele momento.Enquanto eles conversavam, fui para a cozinha. Carla estava lá, preparando o café da manhã, e aproveitei para me juntar a ela. Sentar-me à mesa e conversar com Carla sempre foi um alívio. Ela tem uma maneira única de fazer você se sentir em paz, com sua sabedoria interior e seu jeitinho amável.Carla é uma moça simples do interior, que nasceu para ter família. Deus foi generoso com ela ao preparar Miguel, o melhor cara do mundo, para ser seu companheiro. Confesso que, no início, fiquei irritado com ela. A vi como uma pessoa que tinh
Alejandro GonzálezCarla tomava seu café sem tirar os olhos de mim e tentando me fazer falar sobre Isabelle, mas eu tentei desconversar e ela mudou a maneira de conseguir as respostas que ela quer. — Como foi o assalto? É verdade que ela salvou sua vida? — Ela pergunta animada, e eu sinto que não vou conseguir me livrar da curiosidade dela.Eu conto tudo que aconteceu, e ela gargalha compulsivamente, principalmente quando falo que Isabelle deu um golpe de capoeira e um chute no meio das pernas do bandido. As risadas de Carla são contagiantes.— Ai, Alejandro, eu vou morrer de rir, isso é a cara dela... Belle é maluca mesmo, mas uma maluca do bem, que não pensa duas vezes em defender alguém, com aquela impulsividade dela. — Ela fala gargalhando. — Prazer, meu caro, essa é minha amiga... — Ela completa, e eu fico observando o encantamento dela por Isabelle.— E aí, bonitão? Eu soube que Gustavo deu uma de pai dela e você não gostou, não é? Por isso que você vai fugir? Vai obedecer ao p
Isabelle MatosGustavo me levou para casa depois da festa de Gaby, e no caminho tentou conversar sobre Alejandro. Cortei o assunto rapidamente. A superproteção de Gustavo, especialmente com relação a Alejandro, tem me deixado sem paciência.Ainda assim, algo dentro de mim está inquieto. Venho fugindo de qualquer envolvimento afetivo que possa tirar minha paz, minha estabilidade, meu equilíbrio. — algo que demorei tanto para conquistar. Por isso decidi que era melhor cortar tudo de vez. Alejandro já me agradeceu pessoalmente, não há razão para continuarmos nos vendo.Pensei em tudo isso enquanto tomava um banho demorado e me preparava para dormir. Amanhã, meu plano é não sair da cama. Estou cansada, mal-humorada e completamente sem disposição.Acordei já passando das onze horas. Tomei banho, vesti um short de moletom e uma camiseta confortável. Preparei um achocolatado e fui para o sofá. Hoje ninguém me tira de casa.A campainha tocou. Pensei em ignorar, mas a insistência me venceu na
Isabelle MatosDormi muito mal, pensando no dia anterior e todas as sensações que estavam me envolvendo. Precisava falar com alguém para me colocar nos eixos de novo, e não daria certo ser com Gustavo e muito menos com Miguel, porque eles estão envolvidos demais em relação a Alejandro e vão me confundir mais ainda.Então pensei logo no Mário, meu ex terapeuta. Na verdade, ele ainda é, porque eu me dei alta sozinha. Ele tem o dom de me colocar no eixo, pelo menos ele deveria.Precisava do Mário me dizendo: — Isabelle, não perca seu equilíbrio, mantenha sua vida numa linha de autocontrole...Implorei para ele me encaixar na sua agenda, e quando faltava uma hora para minha consulta, saí do trabalho. Passei na lanchonete de Romero, peguei um lanche e dois cafés daqueles enormes, cheios de coisas deliciosas que o Mário adora. Quando cheguei, ele já me esperava.Mário, abriu a porta do consultório com um sorriso.— Bem sumida! Quase seis meses que você não aparece, hein? Sabe que eu não te
Isabelle MatosApesar da dor de cabeça em que eu me deitei ontem, tive uma boa noite de sono. Levantei, tomei banho, me arrumei e fui direto para a delicatessen tomar café da manhã. Enquanto esperava meu pedido, fui ver com calma as mensagens que Alejandro me enviou ontem.Mensagens de Alejandro – Ontem: — Boa noite, anjo. Estava pensando se o nosso jantar poderia ser quarta-feira? Eu iria te pegar às 18 horas, o que você acha?Cinquenta minutos depois, ele enviou outra mensagem: — Está tudo bem com você? Ainda não visualizou, e eu estou ansioso pela confirmação do jantar.E, por fim, uma terceira mensagem: — Miguel me disse que você está bem. Boa noite, durma bem!Mensagem de Alejandro – Hoje: — Bom dia, espero que esteja melhor. Tenha um excelente dia!Respirei fundo antes de responder. Meus dedos pairaram sobre o teclado antes de finalmente digitar:— Bom dia, espanhol. — Obrigada por se preocupar comigo. Eu estou bem, sim. — E sobre nosso jantar, te aguardo às 18h. Beijos e tenha