III

— Achas mesmo que ficar a olhar para o teto vai resolver alguma coisa? Levanta daí, sua mandada, vamos fazer algo feliz, sei lá, tomar um sorvete, pegar alguém antes da porcaria toda acontecer. 

Que seria de mim sem essa menina? O entusiasmo da Lisha me deixa sempre com uma mão atrás, como é que irei tomar sorvete sendo que preciso organizar as minhas coisas hoje para sair desse apartamento amanhã e ir para casa dos meus pais esperar pelo bendito casamento? 

— Preciso arrumar as minhas coisas — levanto da cama e abro as portas do armário antes de a expulsar da minha cama. — Tu podes ir, manda fotografias. 

O casamento está marcado para o fim de semana, logo no sábado em que teria a saída com as meninas e tive que cancelar por “motivos de saúde” deixando somente a menina do cabelo vermelho a par de tudo, senão teria a minha vida acabada. 

— Não deixa a falta de juízo te dominar, anda, vamos, depois venho e te ajudo a arrumar essas malas, uma vez que nem no teu casamento estarei — os olhos, antes brilhantes, agora estão cheios de lágrimas como se ela fosse chorar a qualquer momento. — Será que posso aproveitar os últimos momentos com a minha amiga sendo solteira? Posso? 

Dizer não para crianças é ainda mais fácil que dizer não para essa cara de cachorro sem dono que Lisha consegue encenar perfeitamente. Parece até uma hipnose. 

— Ok, podemos sair, entretanto, temos voltar antes das cinco da manhã. 

— Sim, chefe. 

Ela diz antes de me puxar para a cama e me abraçar como um urso gigante faria quando estivesse prestes a devorar alguém. O cabelo liso extremamente preto e longo tapa a minha visão enquanto passa repetidas vezes pelos meus braços. 

Lisha revira os olhos antes de me jogar na cama perto dela. Muito perto, como sempre. — Por que não posso te ver vestida de noiva? Caminhando devagar até chegar no azarado que vai estar do outro em quem estarei disposta a partir o nariz se tocar em um fio de cabelo teu. 

Caio na gargalhada no mesmo momento, mas ela parece muito séria então reprimo o riso. 

— Ouve, estar casada não significa que deixarei de te ver ou de ajudar em alguns trabalhinhos ou até, sei lá, viajar contigo para outra cidade — agarro os dois lados da cara dela e digo bem próximo para ela perceber claramente. — Apenas estarei com um compromissinho a mais na minha vida. 

— Chama isso de compromissinho — ela levanta e coloca as mãos na cintura. — Casamento é sempre algo sério, nunca apenas um compromissinho. 

— Tens razão nisso, tens toda a razão, mas talvez naõ seja capaz de me apaixonar por ele. 

— E se ele for um grande gostoso, muito bem educado e que te dá a liberdade de seres tu, o teu príncipe? 

— Provavelmente me apaixonaria muito rápido, mas creio que pessoas assim  existem somente nos meus sonhos mais fantasiosos — volto a olhar para o teto, a principal companhia desses dias. 

— Mas, não significa que não seja possível — anda devagar até ao monte de roupas colocado desorganizadamente no chão e pega um calção preto e um cropped da mesma cor. — Veste isso com as botas pretas, vais arrsar, vamos aqui fingir que é a tua despedida de solteira exclusiva. 

Corro para o banheiro e lavo as partes mais importantes, banho agora não é permitido, senão a menina ainda salta no meu pescoço e acaba com a minha amada vida. 

Horas depois me vejo frente ao clube cujo o nome conheço bem por ser o único lugar que essa menina comenta com muito entusiasmo, como se fosse o único lugar com festas boas. Na verdade, sei pouco sobre os lugares com festas boas ou até mesmo festas. 

— Certeza que vamos ficar por aqui? 

— Alana, eu vou encontrar alguém para ficar contigo esta noite, não quero saber se casas no fim-de-semana, tudo o que quero saber é de achar um ficante para hoje, nada mais que um lugar caro e, provavelmente, cheio de gostosos, para arriscar.

Mais uma vez, ela coloca as mãos na cintura antes de lançar o cabelo para trás ao ponto de tocar na minha cara. Jura que senti como se fosse um cubo de gelo a passar muito rápido pela minha bochecha. 

— Bora, despedida de solteira — ela soltou um berro e quase saltitou. 

No exterior, nenhum barulho podia ser ouvido, apenas breves luzes negras que servem somente para cegar as pessoas, entretanto, no interior, a conversa é completamente diferente. O barulho extremamente alto me dá a vontade de tapar os ouvidos e sõ soltar quando voltasse a sair mas ter a minha mão direita presa a menina baixinha, dificulta as coisas. 

Subimos as escadas devagar para evitar qualquer queda uma vez que elas estão cobertas de bebida. Nessa área a música é alta, mas não estridente como na parte de baixo, há mesma aglomeração de pessoas, só que algumas simplesmente não dançam enquanto que o resto se esfrega nas outras pessoas. 

— Bora dançar, a inspiração está prestes a tomar conta do meu corpo — apenas rio e a acompanho sem nem comentar.  Ela me puxa para o meio da multidão e começamos a seguir o ritmo de Cake by the Ocean. 

Depois de muitas músicas e muita dança, sinto os meus pés a implorarem por um lugar para sentar ou se calhar dormir. Festas desse tipo, definitivamente não são para mim. Prefiro passar o dia  frente a uma tela branca ou até mesmo com o meu tablet simplesmente a pintar alguma coisa aleatória ou transformar famosos em ilustrações. 

— É legal mulheres tão bonitas virem para uma festa para somente observar as outras pessoas a dançarem? 

A gravata azul foi definitivamente a primeira coisa que reparei no homem loiro. Completava um look formal de mais para um bar como aquele, em que as pessoas transpiram como loucas e entornam bebidas umas nas outras sem mesmo perceber. Os sapatos brancos, no momento sujos não combinam em nada com o terno azul escuro, mas não é uma combinação péssima. 

— Deveria ser igualmente ilegal ter alguém a reparar em cada peça que trago no meu corpo ao invés de simplesmente olhar para a minha cara. 

Naquele momento percebi o tanto de tempo que passei a observar todo  o look atípico ao local. Até mesmo a gravata com o nome gravado em letras douradas é demais.

— Ah, desculpa — levanto o rosto para finalmente ter os meus olhos cruzados com os olhos âmbar fixados em mim minuciosamente. — Por que olhas para mim assim? Deveria ser ilegal olhar para uma pessoa desse jeito, ainda mais uma pessoa que não conheces. 

— Mas posso conhecer agora — ele tira o blazer azul e senta ao meu lado no maior conforto. — E de que jeito eu deveria olhar para uma mulher tão bela? Não deveria ser com admiração? 

Ele vira o corpo para olhar para mim e cruza os braços, pressionando o blazer contra o seu peito, porém, sem desfazer a postura de poder que passava por ele a cada segundo. Como é possível uma pessoa passar essa sensação? 

— Acredito que quando conhecemos ao alguém devemos no mínimo limitar o jeito que olhamos. 

Ajeito a postura e cruzo as pernas mantendo a cabeça erguida. Um sorriso ligeiro e nada amigável surgiu em seus lábios antes de desaparecer completamente. 

— Dylan Victory — ele estende a mão para mim e penso duas vezes antes de apertar. — Prazer em te conhecer. 

— Alana Onwell — sorriu em meio o aperto de mãos tentando o máximo para manter a postura. — Prazer. 

— Vou aqui ser direto — ele pisca algumas vezes antes de puxar o telefone do seu bolso. — Não acho que esse clima de festa seja o melhor para conversar ou mesmo para conhecer alguém que de primeira vi ser uma pessoa incrível, portanto, sugiro que troquemos os números e marquemos alguma coisa para nos conhecermos ainda melhor, o que é que tu achas? 

Seria tão mal assim ser infiel horas antes de um casamento que eu nem quero? Seria tão mal assim dar o meu númerouma vez que serei uma mulher casada em pouquissimo tempo? Levanto e procuro Lisha com os olhos e quando a encontro, viro para ele deixando claro  a minha resposta. 

— Não acho que seja uma boa ideia, foi ótimo te conhecer, entretanto será melhor se ficar tudo no hoje sem uma possibilidade de possíveis encontros para nos conhecermos melhor. Agora, adeus. 

Dou as costas no momento que termino a frase e tento chegar até ao lugar em que Lisha dança igual uma desgovernada, mas uma mão forte se prende no meu braço e me vira bruscamente. 

— Podes fugir de mim com os motivos que achares bons suficientes para fazer isso, mas acredita — ele sorri de maneira presunçosa e afrouxa o aperto no meu braço. —, estarás comigo um dia, nem mesmo que eu tenha que procurar debaixo de pedras. 

Solto o meu braço bruscamente e vou rápido até Lisha para irmos embora. Agarro o braço dela com força e a puxo para fora daquele lugar antes de dar tempo para ela pensar. Em um segundo estavámos no meio da multidão, totalmente sufocadas e agora estamos fora, respirando ar puro na expectativa de que nenhum ser saia da festa para me seguir e encontrar a minha casa. 

Só me faltava essa, encontrar um maluco que cisma que vai encontrar-me, não importa o lugar em que eu esteja. 

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