2- Surpresa!

Adrian

Meus cotovelos estão sobre a mesa, a cabeça pende sendo firmada por minhas mãos. Esfrego meus cabelos crespos e curtos com os dedos em sinal de nervosismo.

— O que diabos está acontecendo nessa empresa?

Resmungo comigo mesmo.

Recosto-me na cadeira, encarando os papéis a minha frente. A pilha que se forma ao lado de contas que não batem, faturas com supervalores.

— Quem fez isso? - questiono para mim mesmo, mas o ar frio do ar condicionado altíssimo da minha sala não irá me responder. Pego o telefone para falar com a secretária.

— Antonela, marque uma reunião com toda a liderança, por favor. Pra hoje em uma hora.

Dou a ordem e me recosto novamente, ainda encarando os papéis. Fiz e refiz as contas várias vezes e nada de chegar a uma conclusão diferente de que há um rombo na empresa. Um rombo de milhões em poucos meses. Se continuar assim, a empresa vai precisar pedir falência porque não teremos condições nem de abrir as portas.

Retiro meus óculos de grau e coloco sobre a mesa, pendo a cabeça para trás com as mãos no rosto e então ouço alguém bater na porta.

— Entra - ordeno ao me recompor, mas é minha mãe. A mulher que ergueu esta empresa ao lado do meu pai.

— Fui avisada da reunião, ainda aquele problema do rombo?

Ela se senta na cadeira acolchoada na minha frente e cruza as pernas, seu olhar preocupado me alerta que as coisas estão piores do que ela deixa transparecer.

— Pior - revelo.

— Pior? Como pode ser pior?

— Outro rombo, dessa vez ainda maior. Já contabiliza um milhão e meio em quatro meses, e não tem indícios de quem fez isso.

— Já tentou ver quem está emitindo as notas? - ela me questiona, mas foi a primeira coisa que fiz, é claro. Peguei as copias e joguei para que ela as visse.

— Ao que parece a senhora ou eu fizemos todas as aquisições superfaturadas, e não há nem indícios do produto e nem da empresa que vendeu os produtos. - Peguei outro bolo de notas - Estas são as notas das bebibas compradas para os cruzeiros, as bebidas existem, cada garrafa está confirmada, porém o valor...

Minha mãe arregala os olhos escuros por trás de seus óculos de grau, todos na minha família usam óculos, deve ser genético.

— Meu Deus, uma garrafa de vinho, que nem é dos considerados caros, 200 mil reias?

— Um vinho que custa em torno de 32 mil, o que já é considerado caro pra muitos. E se a senhora olhar um por um, vai ver que existem superfaturamentos em coisas menores... discorri para minha mãe todos os rombos que encontrei e isso tomou nossa hora restante.

Levantamos e fomos até a sala de reuniões, ali eu sabia que teria que repetir e demonstrar aos presentes tudo o que já havia demonstrado a minha mãe.

Minha mãe se senta na cadeira a minha direita e quando meu irmão, Jairo, chega, ele se senta a minha esquerda. Meu pai faleceu há alguns anos e a empresa ficou sob a minha responsabilidade desde então.

Chegam os demais diretores e suas assistentes e então temos início a nossa chata e longa reunião.

Demonstrar a todos eles aquele rombo não foi nada confortável, até porque existia um ponto desconfortável nisso tudo. Todas as notas estavam emitidas em meu nome, como se eu tivesse feito as compras. Meu irmão e minha mãe sabiam que isso era um golpe, o verdadeiro culpado estava escondido sob alguma gravata por aí e eu estava sendo colocado como escudo, escondendo-o, mas foi possível ver o olhar de desconfiança em alguns diretores.

A facada que senti entrar em meu peito doeu na minha alma, ao ver a desconfiança no olhar deles. Mas então eu tive uma ideia. Ao terminar a reunião, dispensei a todos, menos minha mãe e meu irmão.

— Vocês viram o que eu vi, não é? - questionei só pra ter certeza de que eu não tinha alucinado.

— Aqueles imbecis só estão preocupados com o próprio bolso, meu irmão. Culpar você é mais fácil do que encontrar o verdadeiro culpado - Jairo me apoia, eu sei que se trata exatamente disso.

— Você teve alguma ideia, não é? Não nos pediria pra ficar se não tivesse tido alguma. - Dona Solange me conhece muito bem.

— É, eu tive. Nosso maior rombo até agora foi em um dos nossos cruzeiros, temos um para acontecer agora em menos de uma semana. Vou embarcar nele sem aviso prévio. Vou em todos os estabelecimentos, funcionário por funcionário, batendo todas as informações, algo me diz que vou encontrar alguma coisa lá.

Minha mãe balança a cabeça concordando.

— Tem certeza que pode encontrar alguma coisa lá? - meu irmão pergunta, parece meio incomodado só não sei o motivo.

— Eu já procurei aqui e não achei nada.

— Já cercou os caras do setor financeiro da empresa?

— Pra todos os efeitos eu fiz a compra, ou minha mãe. Eles nunca questionariam algo assinado por um de nós dois, seja lá quem for que fez isso, pensou em tudo.

— Então os caras do setor financeiro não sabem de nada?

— Se sabem, ninguém disse.

Jairo bufou desanimado.

— Sabe o que estou vendo, irmão? O esforço de anos do papai e da mamãe indo pro ralo. - comenta ele desanimado.

— Por que acha que eu vou embarcar naquele cruzeiro sem avisar a ninguém? Se isso continuar assim, em pouco tempo teremos que fechar as portas, uma das maiores empresas do país fechando as portas por causa de desvio de verba bem de baixo do nariz, e ainda vão me culpar por isso.

Tanto minha mãe quanto meu irmão exalam um ar pesado dos pulmões, carregado de puro desânimo. Sou o primeiro a deixar a sala de reuniões, em silêncio, e sou seguido pelos outros. Sem uma despedida, cada um segue para sua devida sala, cumprir seus afazeres e eu vou tentar me distrair com os meus, tentar desviar a atenção disso.

Cumprimento Antonela ao passar por ela e vou na direção de minha sala, mas antes que eu abra a porta ela vem correndo na minha direção, seus saltos rangendo sobre o piso liso, os cabelos curtos e cacheados balançando com urgência de chegar até mim antes que eu abra a porta, isso não é um bom sinal.

— Senhor, Brandão. A senhora Mirela disse que tinha que falar com o senhor e entrou na sua sala sem autorização, eu disse que ela não podia entrar, senhor, mas ela não me ouviu e saiu entrando. Não pude fazer nada.

Respiro fundo, como se toda desgraça fosse pouca, ainda tem isso.

— Não se preocupe, Antonela, eu atendo a senhora Mirela. Da próxima vez eu tranco a porta.

Ela sorri aliviada e se afasta. Já houve o tempo que eu precisava fazer isso, trancar a porta para que Mirela não invadisse minha sala. Abro a porta e dou de cara com ela sentada na minha cadeira, pernas cruzadas, usando um terninho rosa claro e uma nova cachorrinha em seu colo. Essa eu ainda não tinha visto.

— Quais ventos tenebrosos de inverno a trazem aqui, Mirela? - questiono-a tentando afastar a irritação e colocando um ar divertido na face, algo que eu sei que a irrita.

— Por que fala assim comigo, meu bombom? - Ela se levanta, coloca a cachorrinha no chão e vem na minha direção.

— Não sou seu bombom já tem tempo.

— Três meses - estalou a língua - Provou da carne branca e não gostou?

— Já tá falando besteira. - Me direciono para a minha cadeira e ainda bem que me sento antes de ouvir o que a motivou a vir ao meu escritório.

— Vim para marcarmos nosso casamento, baby, estou grávida.

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