3- Um dia ruim I

Geovana

Abri os olhos e em seguida uma sensação estranha me abateu, não soube descrevê-la. A luz entrava forte pela janela e eu pisquei, estranhando a forte luz que adentrava meu quarto, já que normalmente desperto quando a luz ainda está fraca e suave. Uma urgência me toma ao lembrar o que isso pode significar.

Pulo da cama e vou até a mesinha pegar meu celular para verificar as horas, mas percebo que ele descarregou durante a noite.

— Merda!

Xingo ao constatar que estou atrasada e nem sei o quanto. Cheguei meio chapada em casa e fui deitar me esquecendo de colocar o celular para despertar. Hoje não é um bom dia para chegar atrasada, já que eu teria que informar ao meu chefe que vou tirar nove dias de férias, dez na verdade, pois tem a viagem para São Paulo um dia antes da saída do cruzeiro. Trabalhando há cinco anos na empresa sem nunca tirar férias, é mais que o meu direito tirar esses dez dias. Mas o atraso o deixará irritado, o que poderá dificultar as coisas para mim.

Ligo a TV e coloco no canal de notícias que tem a hora na tela o dia inteiro e então eu levo um susto. Nove horas da manhã. Eu levanto as seis, saio de casa seis e meia e chego no escritório sete e meia para abri-lo as oito com tudo bem organizado. A mesa do chefe e seus associados, a minha própria mesa e a agenda. Sempre cheguei nestes últimos cinco anos exatamente meia hora antes de meu expediente começar. E agora estou uma hora atrasada, sem contar o tempo de percurso até lá, nem se eu chamasse o carro de aplicativo teria como compensar meu atraso.

— Merda dupla.

Coloco meu telefone para carregar enquanto vou me arrumar, e faço isso em tempo record. Em dez minutos, saio de casa com meu telefone a dez por cento e empurrando meio dúzia de biscoitos goela abaixo. Vou andando rapidamente até o posto de saúde da minha rua, vou tentar pegar um atestado médico.

Ligo para o escritório e o Dr. Carlos, muito bravo, atende ao telefone que eu deveria atender.

— Ah, Dr Carlos, precisava mesmo falar com o senhor.

Falo torcendo o nariz e o dedo. Só falta ter tido muita sorte em um dia e o resto de meus dias de puro azar.

— Geovana? Por que não chegou ainda?

— Liguei por isso, Dr. Carlos, estou muito doente hoje, acordei com dor de cabeça e febre e estou na fila do posto. - Até fingi uma tosse meio desengonçada, só não sei se é o suficiente para enganar ao advogado.

— Não vem trabalhar, hoje? - Cachorro, nem pergunta se eu estou bem ou se preciso de alguma coisa, já pergunta se vou faltar.

— Eu vou, é claro, assim que for medicada seguirei para o trabalho, mas a fila está tão grande...

Olhei a fila de espera e vi que aquela fila já esteve muito maior em outros dias.

— Chegue após o horário de almoço e com um comprovante de comparecimento, junto com uma receita médica.

— Tudo bem, Dr. Carlos, pode deixar.

Ele desligou em seguida sem nem mesmo falar um mísero “tchau” ou um “Tenha um bom dia” ou somente um “melhoras”. Falta de educação vemos aqui. Suspiro com o pensamento e dou o primeiro passo na fila de atendimento.

Depois de fazer a minha ficha, ainda fiquei esperando para ser atendida. Ao chegar no médico falei de dor no corpo e dor de cabeça, fiz um pequeno teatro, não sei se convenceu, pois ao pedir a declaração ele só ajeitou os óculos me encarando e preencheu o papel, junto com o pedido para que eu tomasse um determinado medicamento na enfermaria. Não tinha receita, apenas um pedido de retorno caso os sintomas continuassem.

Caminhei vagarosamente, fingindo dor, para a enfermaria, a procura de uma abertura qualquer e finalmente eu vejo uma. Entro e vejo que estou em um lugar cheio de vassouras e pilhas de roupas de cama emboladas, devem estar sujas, caixas amassadas, rodos, esfregões... ando rapidamente até ver uma luz ao final do corredor e sinto um grande alívio ao chegar no final dele, encontrando a saída.

Pena que ela dava para a lavanderia.

— Leva isso lá pra cima - só ouvi as palavras da mulher ao depositar uma pilha de lençóis em meus braços. Imediatamente pensei: mas e a luz que vi? Ao girar o pescoço, vi uma grade janela por onde entrava uma abundante quantidade de luz do Sol. Explicado.

— Mas eu...

— Não te ensinaram o serviço, ainda? São uns incompetentes mesmo, avisaram que teria funcionário novo, mas não falaram  nada sobre ensinar o serviço - me interrompeu a mulher em seu monólogo e tudo o que eu queria era sair dali.

Olhei para mim mesma, e só então me dei conta que vestia um conjunto azul, o mesmo tom da roupa dos funcionários do posto. “Droga!” Por isso a pequena senhora me confundiu.

— Venha, eu vou te mostrar o serviço - falou ela já agarrando meu braço e me arrastando dali, um desespero me bateu. Olhei o relógio na parede, porque meu celular já morreu e eu não tenho um de pulso, aliás, preciso comprar. Observação anotada mentalmente com sucesso. Já são onze da manhã, ainda vou pegar um ônibus até o trabalho, almoçar e então chegar no escritório. Preciso sair daqui imediatamente.

— Não, não! Pode deixar que eu encontro o lugar.

— Tem certeza? - seus olhinhos miúdos brilham em esperança.

— Claro, eu posso encontrar o lugar, não se preocupe.

Ela sorriu voltando para seus afazeres.

Joguei os lençóis em cima das caixas no caminho e atravessei a saída por onde havia entrado, me lembrei de fingir dor novamente, vai que o médico está me observando.

Reduzi o passo, fiz careta e alisei a bunda. Deu tempo de tomar uma injeção, né, acho que que sim. Atravesso a porta e vou para o ponto de ônibus, logo vem o coletivo e finalmente me parece que tive um pouco de sorte. Pego o ônibus vazio devido ao horário, nuca que eu ia trabalhar sentada. Sempre fazia o percurso de pé, salvo quando dava sorte de parar perto de alguém que saltava em um ponto até no máximo a metade do caminho. Porque depois disso, nem faz muita diferença.

Assim que relaxo no banco, me dou conta de que o papel não está na minha mão. Um frio percorre meu corpo. Não posso ter perdido tanto tempo a toa. Abro a bolsa e verifico dentro dela, vendo que não há nada ali. Bato com a mão na testa, me lembrando que possivelmente deixei os papéis junto com as lençóis sobre a caixa.

— Puta merda, que azar do cão, definitivamente hoje não é meu dia.

Fico pensando no que falar para o Dr. Carlos, ele vai acreditar em mim. Ao chegar, almoço e subo para o escritório

Explico a ele que acabei perdendo os papéis no ônibus, mas que ele pode pedir as câmeras do postinho que verá a minha imagem lá. Mas é óbvio que não fará isso. E já que estava enfrentando a fera, aproveitei e soltei o que precisava de uma vez.

— Tem mais uma coisa, Dr. Carlos. - Ele apoia os cotovelos sobre a mesa e me encara com aquele bigode branco enorme que mais uma parece uma mariposa gigante. - Eu ganhei o sorteio do cruzeiro, vou precisar ficar dez dias fora.

Peguei a revista em minha bolsa e coloquei sobre a mesa. Ele piscou muitas vezes, muitas vezes mesmo.

— Pode conferir o número da revista no site, se quiser.

— Dez dias?

— Senhor, eu trabalho há cinco anos no seu escritório. Nunca tirei férias, nunca cheguei atrasada, somente hoje. Sempre fiz o meu melhor para a sua empresa, só estou pedindo dez dias que é o que preciso para usufruir do meu prêmio.

Ele pega a revista, abre na parte da promoção e faz as mesmas observações que meu namorado havia feito. Confirmo tudo, o local, os dias, o fato de ser tudo pago.

Ele j**a a revista na minha frente e fala:

— Vai ter que escolher: o prêmio ou o seu trabalho.

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