Capitulo 6

Luna Medeiros

Depois daquele episódio onde eu tive uma crise de pânico, tentei ao máximo me acalmar porque ainda tinha que ir para a faculdade. Não vejo a hora de me formar logo. Eu estou cada vez mais perto de ter o meu diploma, por isso me sinto cada vez mais ansiosa. Então, fui à faculdade, mas nem assim aqueles malditos olhos azuis saíam da minha cabeça. 

O que está acontecendo com você, Luna? O que tem de diferente naquele homem que te fez se sentir assim?

Mesmo me perguntando isso milhares de vezes, eu ainda não sei como responder. 

Voltando para casa, eu tentei tirar ele da minha cabeça,  esquecê-lo, – mas logo me lembro de tudo que minha mãe e eu temos passado por causa do seu problema de saúde, e isso tem me tirado o sono há muito tempo. 

Talvez fosse até melhor continuar pensando em Henry Mendonça. Ou era o que eu estava pensando antes de escutar de longe a voz da minha mãe me chamando.

— Oi, mãe. Como se sentiu hoje? Os remédios ainda estão te deixando sonolenta?

— Oi, filha, estou bem, não se preocupe, agora me conta como foram esses primeiros dias no trabalho? Desculpe por ter te deixado de lado esses dias.

— Mãe, a senhora não me deixou de lado, são os remédios, eu entendo. Ocorreu tudo bem, eles me receberam muito bem.

— Que bom, meu amor. Então, eles são tudo aquilo que falam deles? —  Minha mãe pergunta o que todo mundo quer saber. E eu acabo sorrindo pela sua empolgação.

— Bom, uma boa parte sim, são muito rigorosos com a segurança, são educados, simpáticos e bem unidos. 

— Nossa, que bom, eles parecem ser bem humildes, né?

— É, mãe, eles são, não tem essas frescuras que todo rico tem. E a senhora, como foi seu dia, passou bem? Dona Sônia sempre pergunta pela senhora e manda um beijo. — Decido parar de falar dos Mendonça e mudo de assunto.

— Hoje acordei bem melhor, filha, os remédios e o repouso estão fazendo efeito. Sônia é um anjo, nunca poderei agradecê-la totalmente por tudo.

— Graças a Deus, mãe. Você vai ver que logo vai ficar melhor.

— Deus te ouça, minha filha. — Ela diz com um sorriso fraco, — Vamos jantar?

— Vamos. Vou apenas tomar um banho. — Eu digo e dou um beijo em sua testa antes de sair para o banheiro.

Logo após o jantar com a minha mãe, nós conversamos mais um pouco sobre a faculdade, mas ela sempre voltava no assunto Mendonça por algum motivo, e eu sempre mudava de assunto em seguida, até que decidi ir para o meu quarto estudar um pouco. Eu tentei me concentrar, mas o moreno não saía da minha cabeça e isso se tornou uma coisa impossível.

— Droga, Luna, por que você está pensando nele? — Reclamo comigo mesma, estou ficando louca.

A noite passa devagar e eu foco em terminar alguns trabalhos da faculdade mesmo que os meus pensamentos sempre voltem para ele. 

Eu precisava focar, mas como isso não parecia ser possível, eu decidi ir até o quarto da minha mãe e checá-la.

 Quando eu entro em seu quarto, a vejo dormir, e isso me deixa um pouco aliviada. Eu ando sem fazer barulho, dou um beijo suave em sua testa e saio.

Volto para o meu quarto lembrando de tudo o que aconteceu esses dias e especialmente essa tarde. 

Meu Deus, e se alguém tivesse entrado e nos visse juntos?

Não. Isso não pode acontecer. 

Ele não pertence ao meu mundo, nem eu ao dele.  

Eu seria apenas a sua próxima aventura; eu sei disso e é exatamente por isso que preciso manter esse homem longe de mim, custe o que custar.  

Eu não posso me envolver com ele, tenho que pensar na minha mãe e no meu emprego. 

Mas depois de passar horas batendo cabeça com trabalhos e uma mente totalmente dominada por pensamentos sobre Henry, eu ainda não havia chegado a uma solução e simplesmente… adormeço.

Acordo no dia seguinte com o som do despertador, e olhando ao redor vejo meu reflexo no espelho da mesinha ao lado da minha cama. Eu estou uma completa bagunça e isso está refletindo no meu corpo, eu levanto, tomo um banho e coloco a primeira roupa que encontro no guarda-roupa. 

Saio do quarto direto para a cozinha e encontro minha mãe pondo a mesa.

— Bom dia, mãe. — Falo, dando um beijo nela.

— Bom dia, filha.

— Nossa, mãe, vou tomar café rápido, tenho que chegar cedo no trabalho.

— Você vai, mas só depois de se alimentar direito, ainda está cedo, não se preocupe e priorize sua saúde, por favor.

Ela pede e eu sorrio.

— Está bem, mãe. 

De repente, o telefone começa a tocar e minha mãe sai para atender. Minutos depois, ela volta pálida, mas não fala nada, embora seja bem óbvio que algo aconteceu.

Levanto-me imediatamente preocupada com o seu estado.

— Mãe, você está bem?

— Estou, filha, é só o calor… — Ela diz e eu olho para ela e noto suas mãos trêmulas.

Está claro que é uma mentira.

— Mãe, não é o calor. Foi essa ligação que a senhora recebeu. Me diz, quem era?

— Não era ninguém, filha, era engano. — Ela insiste e eu vejo em seu rosto que ela está escondendo algo; eu não vou pressioná-la com isso, não, no seu estado, ela não pode ficar nervosa.

— Tá bom, mãe. Ainda está se sentindo mal? — Pergunto porque estou preocupada com ela e ela me dá um sorriso fraco, tentando me convencer de que está bem.

— Não, filha, já passou, estou bem agora, pode ir para o trabalho, vai ficar tudo bem.

— Tem certeza? Está bem mesmo?

— Sim, meu amor, eu estou bem, agora é melhor você ir, senão vai chegar atrasada.

Suspiro.

— Ok, eu já vou, mas se a senhora se sentir mal, me liga que eu venho correndo, ok? Você sabe que é a coisa mais importante pra mim.

Ela coloca uma mão sobre a minha, enquanto sorri. 

— Está bem, filha, eu te amo, vai com Deus.

— Eu também te amo, mãe. — Respondo enquanto abraço ela e a beijo.

Eu infelizmente não podia continuar em casa, então saio decidida a descobrir quem que ligou e o que foi dito para deixá-la assim. Eu não iria insistir e perguntar a ela — mas ainda iria descobrir. 

Meia hora depois e aqui estou, dentro do ônibus que pego todos os dias, fora a longa caminhada que ainda tenho pela frente até chegar na casa dos Mendonça. Mas não reclamo, eu sei que logo essa realidade vai mudar e no momento é toda essa jornada que garante o tratamento e os remédios da minha mãe.

Ao chegar na casa dos Mendonça, assim que entro vejo dona Sônia e a cumprimento.

— Bom dia, dona Sônia.

— Bom dia, menina.

— Você parece feliz, dona Sônia, aconteceu algo de especial?

— Que nada, menina, eu sou assim mesmo e você, como está a sua mãe?

— Graças a Deus, ela está bem melhor.

— Que bom, meu anjo.

— Essa casa está num silêncio… é sempre assim? Ninguém diz que naquele dia estava uma agitação.

— É, Luna, quando meus meninos não estão aqui, fica assim, um silêncio danado, mas não se acostuma não, daqui a pouco eles chegam. —Ela fala sorrindo e eu acabo rindo também. Essa dona Sônia ama os meninos dela.

— Dona Sônia, você nunca me falou da sua família. Mamãe também não é muito de falar sobre o relacionamento de vocês duas. — Comento e ela sorri. 

— Ahhhh, menina, eu tenho família, os Mendonça são a minha família, já que eu não tive filhos, mas a Rebecca, mulher do Gabriel, é minha sobrinha. Suas mãe tem os motivos dela, meu bem, Sophia sempre foi assim.

— Sério? Não sabia que Rebecca era sua sobrinha. Mas é… minha mãe é assim mesmo.

— Pois é, meu irmão é casado com a mãe dela, eles tiveram dois filhos, o Renan e a Rebecca.

— Então está tudo em família.

— Pois é, menina, mas vamos começar a arrumar essas coisas, depois que os meninos chegam, minha cozinha vira uma zona de guerra. — Ela diz mudando de assunto e eu sinto algo estranho me incomodar, mesmo assim, acabo rindo junto com ela. 

A tarde passa tão depressa que nem vejo o tempo passar. Diferente das outras casas nas quais já trabalhei, essa é a mais calma, fora os patrões que são maravilhosos e entendem que faço faculdade. Eles sabem que tenho que sair mais cedo algumas vezes durante a semana e isso ajuda muito. 

Nossa, tenho que ir logo embora, senão acabo chegando atrasada na faculdade.

Eu penso, mas logo quando estou saindo, esbarro em alguém.

— Me desculpa, eu não... — Paro de falar quando olho para cima e percebo quem está na minha frente.

— Não tem problema, Luna, ainda não.

— Como é?

— Vou ser direto. Eu quero você. — Ele diz com aquele tom autoritário — Mas acredite, Luna, eu não quero machucá-la. Você não sabe o quanto é difícil querer alguém assim… Por mais que a deseje como um louco — murmura — Não posso fazer isso com você. É por isso que quero que você vá embora daqui e não volte mais para trabalhar. 

Oi? não acredito no que acabei de escutar. Ele é louco ou o quê?

— Dr. Henry, não estou entendendo o que o senhor está querendo dizer. — Digo ainda pasma com a falta de noção desse homem. O que ele tem de gostoso, tem de doido.

— Você entendeu muito bem, quero que não volte mais aqui. Fui claro? 

Esse homem definitivamente é louco. É a única explicação. 

— Dr. Henry, vou ser sincera com o senhor, preciso do trabalho, minha mãe está doente e não vou sair só porque o senhor quer. — Eu digo de forma direta, já me estressando.

Alguém tem que impor limites nesse homem! Ele não pode fazer tudo o que pensa só porque é bonito e tem esses olhos… quê? Foco, Luna!

— Luna... porra, eu só quero o seu bem. — Ele grunhe — É melhor você fazer o que estou te pedindo, vai ser melhor assim, senão você vai se machucar… nós dois vamos. — Ele fala como se estivesse com dor. E eu sinto meu coração apertar.

— Você está se escutando? — Pergunto incrédula — Está me ameaçando? Porque se estiver, eu não tenho medo do senhor e mais uma vez vou dizer: NÃO VOU SAIR DO EMPREGO! ISSO É LOUCURA! — Acabo gritando com esse idiota, mas porra, quem ele pensa que é? Para me pedir para ir embora assim? Ele acha que dinheiro cai do céu? Que você encontra um emprego a cada esquina no Brasil? Em que mundo esse homem vive? Porque certamente não é o mesmo que eu. 

Mas antes que eu tenha tempo de terminar a minha linha de pensamento, percebo que já estou presa contra a parede.

— Luna… não complique ainda mais as coisas… — ele rosna — Se soubesse tudo que eu quero fazer com você agora… SÓ VÁ EMBORA E NÃO VOLTE MAIS! — Ele grita suplicante.

— VOCÊ QUE É LOUCO! SE ACHA QUE PODE MANDAR EM MIM, ESTÁ MUITO ENGANADO, E ME SOLTA! — Rujo — VOCÊ ME DIZ ISSO TUDO E AGORA GRITA COMIGO PARA QUE EU VÁ EMBORA DO EMPREGO? EU NÃO ENTENDO VOCÊ, HENRY!

Minhas palavras saem cheias de raiva e o bastardo fica só me olhando com esse olhar sombrio. Eu sinto como se ele estivesse se segurando para não me devorar ali mesmo.

— Vou te avisar mais uma vez, Luna, quero que vá embora, é para o seu bem. Se é pelo dinheiro, não fique preocupada, eu pago até o dobro do que a minha avó te paga, só para você ir embora. Só faça o que eu te peço, por favor.

Ele ainda assim insiste e eu solto um riso sem vida e bufado.

Isso tem que ser uma piada. 

— Como é? EU NÃO QUERO O SEU DINHEIRO. VOCÊ PENSA QUE EU SOU O QUÊ, UMA PUTA? — Falo furiosa e enojada, Henry Mendonça é realmente um idiota prepotente! 

— VOCÊ NÃO ENTENDE QUE EU ESTOU FAZENDO ISSO PARA O SEU BEM? CARALHO! VOCÊ VAI EMBORA SIM! E NÃO VAI VOLTAR MAIS, ME ENTENDEU? SE VOCÊ VOLTAR, IRÁ SE ARREPENDER DISSO, PORQUE EU JURO, LUNA, VOU FAZÊ-LA SOFRER! — O bastardo me ameaça e sai, me deixando assim, sem entender nada do que acabou de acontecer.

Droga, as lágrimas apenas surgem e eu começo a chorar.

— IDIOTA, IMBECIL QUEM VOCÊ PENSA QUE É PARA ME HUMILHAR ASSIM?

Eu grito, mas já não importa mais, ele não está ali, não tem ninguém ali. Eu estou sozinha, humilhada e largada outra vez. 

As lágrimas vem antes que eu consiga controlar e eu choro em silêncio por horas até chegar em casa. 

Eu me deito porque no fim, eu só quero esquecer tudo o que passei, mas nem mesmo isso parece me ajudar. 

Eu não sei bem como cheguei em casa, tudo está uma completa confusão dentro de mim, minha mente parece prestes a desligar. A raiva, a tristeza e aquela dor agonizante que eu sentia no peito, pareciam se abraçar para me enlouquecer e o meu corpo já não me atendia direito.

Nada parecia funcionar e a cada segundo que passava, minha cabeça parecia focada em me torturar, em me lembrar. 

Eu deveria ter ido para a faculdade, mas não consegui, eu falhei de novo, como falhei daquela vez. Eu fiz tudo errado. 

E enquanto esses malditos pensamentos invadiam minha cabeça, eu me dei conta. Henry, mesmo sem ter noção, me trouxe aquelas lembranças do passado; e de repente, eu estava lá de novo. Eu sentia aquela dor de novo. 

Eu começo a chorar e a gritar pela minha mãe, a droga de outra crise de pânico está para começar, e com falta de ar eu me desespero e começo a arranhar meus braços numa tentativa falha de que a dor me traga de volta para a realidade e me leve para longe dos sentimentos que começam a me sufocar. 

Eu só quero que pare.

Tem que parar.

Eu não aguento mais.

— MÃE… MÃE...!

— Filha, o que você... — Ela para de falar quando percebe o meu estado e vem para o meu lado.

— MÃE… E… EU T... TÔ COM… COM FALTA DE A... AR.

Começo a soluçar e a gaguejar, tudo ao mesmo tempo. E quando me dou conta, eu não sei mais onde focar, não sei como pensar. Eu só quero que tudo pare, só quero ficar longe dessa m*****a sensação de que eu estou sempre errada.

Eu não quero ouvir.

Não quero falar.

Eu não quero mais continuar, não quero viver.

Seria mais fácil se eu não estivesse ali.

Seria mais fácil se eu nunca tivesse nascido. 

— Filha, olha para a mamãe, respira fundo, eu estou aqui com você. — Ela diz e eu me lembro.

Eu tenho minha mãe.

Eu não posso.

Não posso parar.

Não posso desistir.

Eu me forço a continuar e começo a respirar fundo, no início com muita dificuldade, mas aos poucos, o ar parece entrar novamente em meus pulmões e eu vou lentamente me acalmando. E aquela sensação de que o mundo inteiro iria me destruir vai passando, a vontade de simplesmente desistir vai sumindo, mas eu continuo chorando por tudo o que passei naquela noite e por hoje.

— Mãe, fica comigo, não me deixa só, por favor… — eu peço com a voz embargada e ela sorri pra mim, um sorriso doce pelo qual eu faria qualquer coisa.

— Vou ficar aqui com você, meu anjo, agora durma, mamãe está aqui. — Ela diz e eu acabo dormindo nos braços dela, com a esperança de que um dia vou esquecer tudo aquilo que aquele monstro fez comigo anos atrás. Eu só queria poder esquecer tudo, ou pelo menos não sentir mais.

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