O silêncio da mata pesava entre os três, denso como a neblina que se arrastava pelo chão. Clarck fitou Loren, seu olhar transbordando surpresa e cautela. O tempo havia sido generoso com ela, mas algo na sua postura, na maneira como seu corpo se movia e seus olhos percorriam o ambiente, mostrava que Loren não era mais a mesma.— O que você está fazendo aqui, Loren? — A voz de Clarck veio carregada de recordações, e uma ponta de acusação. Ela tinha sumido. Deixado tudo para trás. Para ele, para a alcateia, para uma vida inteira.Loren ergueu os olhos para ele, a expressão tranquila, mas não inexpressiva. Havia algo no seu semblante, algo que Clarice não sabia decifrar.— Eu... sou uma renegada, Clarck. — Ela passou a mão pelo braço, como se quisesse afastar um frio imaginário. — Vivo nestas terras há tempo demais. Esse lugar me acolheu quando tudo o que eu conhecia mudou.Clarck cerrou o maxilar, um músculo pulsante na lateral do rosto. Ele deu um passo à frente, o peso das palavras del
A cabana de Loren era pequena, mas extremamente acolhedora. O exterior de madeira escura se misturava harmoniosamente com a floresta ao redor, e um aroma de ervas frescas pairava no ar. Dentro, a decoração era simples, porém cuidadosamente planejada, com móveis rústicos, mantas felpudas e uma lareira acesa, lançando sombras dançantes nas paredes. Clarice se sentiu imediatamente à vontade, e o calor do fogo a envolveu, afastando a tensão do dia.— Eu realmente não esperava te encontrar assim, Clarck — disse Loren, oferecendo uma xícara de chá para ele. — Ainda mais com sua companheira.Clarck aceitou a xícara, mantendo o olhar firme sobre a mulher que um dia dormiu em sua cama e que há tempo atrás, tentou afastá-lo de Clarice. Mas Loren realmente parecia diferente, ele sentia isso ao olhar para ela. Se lembrava dela como uma garota fútil e gananciosa, mas agora tudo ao redor dela era simples, muito bem cuidado e muitas coisas feitas à mão.— As coisas mudaram, e você parece ter mudado
A escuridão tomou conta de sua visão antes que Clarice se encontrasse em um lugar completamente diferente. Era um campo vasto, sob um céu cinzento e carregado. O vento gelado fazia seu vestido esvoaçar enquanto ela avançava, sentindo o cheiro de terra molhada. Não havia lua ou estrelas no céu, apenas a escuridão e o cinza das nuvens que traziam uma tempestade. Ao longe, uma mulher de vestido negro estava ajoelhada, chorando copiosamente. Era um choro de pura agonia, pura dor, seu corpo tremia e seus soluços eram tão altos que pareciam ser levados pelo vento, ecoando em todas as direções. Clarice sentiu um arrepio na espinha ao se aproximar, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, a cena mudou abruptamente.Agora, Celeste estava diante da mulher, seu rosto contorcido em fúria, não se parecia em nada com a deusa sempre branda e misericordiosa que ela conheceu.— Você não pode fazer isso! — Celeste gritou, sua voz carregada de emoção.A outra mulher ergueu o rosto, só então Claric
Depois do café, Loren organizou sua bolsa com um foco metódico, verificando cada item que carregava. Ela ajustou a alça, garantindo que tudo estivesse bem preso, enquanto Clarice, ao seu lado, examinava sua própria mochila. Clarck, mais adiante, estava distraído, observando a floresta ao seu redor, os olhos arregalados em busca de qualquer sinal de perigo ou de maravilhas.— Prontos para a aventura? — perguntou Loren, um sorriso ansioso se formando em seu rosto.— Se estamos indo em direção a um assentamento de lobos, espero que seja mais do que só um monte de árvores e pedras — respondeu Clarck, com um toque de sarcasmo, mas a emoção em sua voz era inconfundível.— É um assentamento antigo — afirmou Loren, enquanto começavam a caminhar pela trilha estreita que se perdia na floresta. — Dizem que não há alfas aqui, apenas lobos que conseguiram sobreviver ao longo dos anos.Clarice franziu a testa, intrigada.— Isso significa que eles podem ser os últimos remanescentes de uma alcateia o
A floresta ao redor do assentamento era densa, carregada pelo peso de segredos antigos, de acontecimentos ocultos. O cheiro úmido de terra e madeira pairava no ar, e o vento sussurrava entre as folhas, como se contasse histórias há muito esquecidas. Era a parte mais calma do território dos rogues que Loren já viu, e a mais organizada também.Clarice sentiu o coração acelerar conforme davam os primeiros passos dentro do território desconhecido. As construções simples, feitas de madeira robusta e pedra, lembravam uma alcateia tradicional, mas havia algo de diferente ali, não havia um alfa.O lobo mais velho que os guiava caminhava à frente com passos firmes, sua postura ereta e impassível como a de um guerreiro que já viu batalhas demais. Seus olhos eram frios e avaliadores, varrendo o ambiente com o olhar afiado de alguém que não confiava facilmente. Cada movimento dele exalava autoridade silenciosa, ele certamente era alguém respeitado ali, e não só por sua idade, Clarck tinha certeza
“Mãe… Mãe, por favor! Acorda, mãe!”Clarice abriu os olhos, apoiando a mão no peito, ofegante. O quarto ainda estava escuro, uma leve luz entrava pelas cortinas, a luz prateada da lua cheia. A madrugada ia alta e ela deveria estar descansando para pegar seu voo para Pinewood cedo no dia seguinte, mas fazia muito tempo que não conseguia dormir bem.Ela se levantou, os pés descalços tocando o chão frio. Suas cisas já estavam encaixotadas, não pretendia levar muito para sua nova “antiga” casa, apenas o essencial. A única coisa que ainda estava fora das poucas caixas era o porta-retrato que estava repousando ao lado do seu travesseiro. Uma foto da sua mãe, Elaina.As memórias do acidente que havia acontecido há somente um mês a assombravam todos os dias, e a culpa também. As últimas palavras de sua mãe para ela ainda estavam martelando em sua cabeça, ela jamais esqueceria e jamais deixaria de se culpar, afinal, Clarice quem estava na direção, ela quem perdeu o controle do carro. Em teor
A viagem de carro foi, de fasto, muito mais rápida. No caminho, Clarice descobriu que o nome do senhor era Jorge, e soube ainda que ele conhecia sua mãe desde que ela era uma pré-adolescente. Jorge ficou sentido pela notícia do falecimento de Elaina e afirmou que ele e sua esposa estariam disponíveis para ajudá-la na adaptação, já que a casa onde Clarice ficaria era bem afastada da zona principal da cidade. Levaram cerca de duas horas para chegar até Pinewood, e, assim que cruzaram a única avenida do lugar, Clarice notou como a cidade ainda era exatamente a mesma. Algumas lojas com fachada reformada, uma e outra lojinha mais recende, mas quase nada havia mudado, ainda era o mesmo lugarzinho frio e meio vazio de sempre, mas com pessoas acolhedoras. Seguiram pela avenida até cruzar a cidade, saindo da zona mais populada até a estrada que lavava a grande indústria de tecnologia e sustentabilidade que empregava boa parte das pessoas da região. Mas não chegaram tão perto dela, pararam v
O som dos móveis sendo arrastados ecoava pela casa, misturado ao ritmo suave da música que tocava do celular de Clarice. Ela havia aberto todas as janelas, permitindo que o ar fresco e o cheiro úmido da floresta entrassem, e a luz do fim da tarde iluminasse o ambiente.— Pronto — suspirou, limpando uma gota de suor da testa. — Último móvel.O cansaço começava a pesar em seus ombros, mas Clarice sabia que a sensação de estar naquela casa era tudo o que precisava para continuar. Já fazia horas que estava de pé, limpando cada canto, cada móvel coberto de poeira. Colocar tudo em ordem era a forma dela de lidar com as memórias e a saudade. O sofá da sala, onde ela e sua mãe costumavam passar as noites juntas assistindo séries de TV, estava agora limpo e convidativo. As cortinas brancas balançavam suavemente ao vento, trazendo uma sensação de paz que ela não sentia há muito tempo.“Parece que estou mais perto de você agora, mãe”, pensou, sentindo uma pontada de tristeza no peito. A música