Narrado por Amália
Minha vida parece uma piada de mau gosto. Às vezes, penso que nasci com a má sorte que todos dizem que me persegue, como se o azar estivesse presente desde o primeiro suspiro. Eu não sei quem são meus pais, nunca os conheci. Fui deixada, ainda bebê, em frente a um orfanato em Londres, no meio de um inverno impiedoso. Meu nome, Amália, foi escolhido por causa de um medalhão que pendia no meu pescoço quando me encontraram, como se esse pequeno objeto fosse a única pista do que eu poderia ter sido. Cresci naquele orfanato, cercada sempre pelas mesmas pessoas. Elas são as únicas que conheço, a única “família” que já tive. Mas, como eu disse, minha vida sempre foi marcada pelo o azar. Eu não sei o que o destino planeja para mim, mas até agora ele parece não saber equilibrar as coisas. Toda vez que algo parecia caminhar bem, alguma tragédia ou decepção estava logo ali, à espreita, como uma sombra que nunca me abandona. Não estou sendo dramática; é a verdade nua e crua. A vida no orfanato sempre foi uma merda, para falar a verdade. O governo colocava muitas crianças aqui, mas o dinheiro? Pouco, muito pouco. A consequência disso? Passávamos mais necessidades do que qualquer outra coisa. Usávamos roupas remendadas para que durassem mais e comíamos tão pouco que as madrugadas eram dolorosas, o estômago roncando de fome. Ainda assim, mesmo com tão pouco, éramos obrigados a ir à escola. Obrigada pelo governo de Londres. Só que isso trouxe mais uma coisa para a lista: anos de bullying. Cheguei aqui como um bebê, completamente indefesa, mas parecia que o azar já estava ao meu lado. Nunca uma família sequer se interessou por mim. Nenhuma visita, nenhum olhar que durasse mais do que alguns segundos. Como se o destino tivesse me marcado para viver sozinha e solitária pelo resto da vida. E como eu sei disso? Hoje faço 18 anos. E, em vez de parabéns e bolo, estou sendo mandada embora do orfanato com uma mão na frente e outra atrás. Nem roupas eu tenho para colocar numa mala. Tudo que levo comigo é a decepção e o azar que, como sempre, caminham ao meu lado. Eu deveria estar feliz, certo? Afinal, não é todo mundo que ganha a tão sonhada liberdade aos 18 anos. Mas que liberdade é essa, sem direção, sem apoio, sem um lugar para ir? Não há nada para comemorar quando se é empurrada para o mundo sem nenhuma rede de segurança. O orfanato, por mais miserável que fosse, ainda era um teto. Uma cama dura, mas pelo menos um lugar para deitar. Agora, sou só eu e as ruas de Londres, essas mesmas ruas que sempre observei pela janela, mas nunca me atrevi a explorar. Parece que o mundo está ali fora, pronto para me engolir, e eu não tenho outra escolha a não ser mergulhar nele de cabeça. As pessoas dizem que quando uma porta se fecha, outra se abre. Mas, para mim, parece que todas as portas se trancaram e jogaram fora a chave. O medalhão que eu carrego no pescoço é a única coisa que me conecta a algo maior, algo que poderia ter sido minha vida, se o destino não tivesse decidido de outra forma. Mas o que esse pedaço de metal significa de verdade? Quem me deixou lá? E por quê? Essas perguntas ecoam na minha mente, mas acho que nunca terei respostas. Eu olho ao redor do orfanato pela última vez. Tudo aqui me parece estranho agora, vazio. Os corredores frios, as paredes cinzentas, os rostos das outras crianças que ficam para trás. Eu sempre soube que este dia chegaria, mas não imaginei que seria assim… tão solitário. Enquanto caminho pela rua com o vento cortante me lembrando da realidade, percebo que não é o fim da minha história. Se eu tiver que lutar para sobreviver, que seja. Eu não vou mais ser a menina azarada, a menina esquecida. O mundo pode ter me jogado ao leão, mas talvez… talvez eu consiga domá-lo. Agora, tudo que resta é descobrir como. Como posso querer ser otimista em uma hora dessas? Talvez seja só um pensamento tolo, uma tentativa desesperada de não me afundar ainda mais no meu próprio azar. Porque, na verdade, eu não sei de nada. Nunca soube. E agora tenho um mundo inteiro diante de mim, um mundo que eu não faço ideia de como encarar. Não sei nem qual passo dar primeiro. Talvez eu devesse procurar um lugar para morar. Mas com que dinheiro? Ou, quem sabe, tentar arranjar um emprego. Só que que adianta um emprego se ninguém vai me pagar adiantado? Isso se eu conseguir convencer alguém a me contratar sem experiência, sem referências, sem nada. Enquanto esses pensamentos rodopiam na minha cabeça, vejo um ponto de ônibus mais à frente e me sento no banco. Não é como se eu tivesse para onde ir, mas já estou cansada de andar, como se o peso de tudo o que estou carregando fosse me esmagar a qualquer momento. Pequenas lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto, silenciosas, discretas, mas carregadas de desespero. Eu queria acreditar que algo vai melhorar, que, de alguma forma, eu vou encontrar uma saída. Mas a verdade é que o desespero está começando a bater na minha porta, uma porta que parece feita de papel, pronta para desmoronar com o mínimo sopro do vento. Eu olho para o horizonte, para os carros que passam e as pessoas que seguem suas vidas como se tudo estivesse no lugar. Mas, para mim, tudo está fora de controle.Narrado por Amália Horas e horas se passaram enquanto eu ficava ali, naquele ponto de ônibus. Perdi a noção do tempo, nem me dei conta de que o céu já estava escurecendo. Só percebi quando o medo começou a apertar o meu peito. O medo do que a noite podia trazer, do que estava por vir agora que eu não tinha mais lugar no mundo.Mesmo com as roupas velhas, rasgadas e caindo aos pedaços, eu ainda sabia que havia algo em mim que chamava atenção. Era uma beleza peculiar, uma beleza que eu nunca desejei, mas que o destino, com sua ironia cruel, decidiu me dar. Outra jogada de azar — ah, sempre o azar.Os olhares me seguiam por onde eu passava, mas não era pelas roupas. Era por mim. Algumas pessoas me olhavam com curiosidade, outras com nojo, e eu sentia o medo em seus olhos. Minha pele, branca como papel, ou melhor, albina. Minha aparência parecia afastá-los, como se eu fosse uma aberração.Isso sempre foi assim. As crianças no orfanato, os professores na escola, até estranhos nas ruas. Nã
Narrado por Amália Antes mesmo que eu pudesse lhe responder, ela acrescentou:— Sei que não é a melhor proposta de todas, mas é bem melhor do que não ter um teto sob a sua cabeça durante as noites de Londres.E por mais que eu não quisesse admitir, ela estava certa. O frio que começava a se instalar na cidade me lembrava de como era perigoso estar sozinha nas ruas à noite.Parei para pensar. O orfanato já não era mais uma opção. O vazio em meu estômago, a insegurança no meu coração, tudo isso pesava sobre mim como uma âncora. Por mais indecente que sua proposta fosse, eu não tinha escolha. Não havia um lugar seguro para ir, ninguém que pudesse me ajudar. Aceitar essa oferta poderia ser uma forma de escapar desse desespero.— Está bem — finalmente disse, a voz baixa, mas decidida. — Eu aceito.Um misto de alívio e ansiedade tomou conta de mim. Ao mesmo tempo em que me sentia como se estivesse me entregando a um destino incerto, também sentia a esperança de que, talvez, essa fosse a mi
Narrado por Havenna Todas que chegaram até aqui tiveram uma razão. A vida nos jogou para cá, mas nem é tão ruim assim, pelo menos na maior parte do tempo. Enquanto seguimos as regras, por mais severas que sejam, estamos bem. Essa é a única forma de sobrevivermos nesse lugar.Talvez eu tenha cometido um erro ao colocar The Velvet Den no caminho de Amália. Mas, querendo ou não, quanto mais meninas chamamos, maior é o nosso salário. E a beleza dela, querendo ou não, certamente chamará a atenção. Eu sabia que sua aparência distinta, aquela alvura quase etérea, a tornaria um alvo para os homens que frequentavam aquele lugar.É claro que eu não disse a verdade por trás de toda a história. The Velvet Den é uma casa de strippers onde homens de terno mandam e desmandam. É um ambiente onde as ilusões podem se desvanecer rapidamente. Aqui, as regras não são apenas severas, mas também são jogadas ao vento quando o dinheiro está em jogo. Se um homem te quer, você pode rapidamente passar de escrav
Narrado por Elion Venho de uma linhagem de homens fortes, uma linhagem de Dons que governou Londres com passos firmes e punhos de ferro. Meu pai, meu avô, e antes deles, todos os homens da nossa família mantiveram o poder em mãos, não apenas pela força, mas pela astúcia. Para nós, governar Londres não era apenas uma questão de vontade, era um dever herdado.A passagem para me tornar o Don não foi fácil. Desde jovem, fui submetido a treinamentos intensos, tanto físicos quanto mentais. Meu pai sempre dizia: “Elion, o poder não está apenas nas suas mãos, mas na sua mente. Quem controla o medo controla o mundo.” E eu aprendi, talvez mais rápido do que ele esperava. Cada golpe que recebia nos treinamentos, cada lição dura que me ensinavam, moldava quem eu me tornaria. Não apenas um líder, mas o Don de Londres.As regras do submundo eram claras: força sem controle é ruína. O verdadeiro poder não está no uso da violência, mas na habilidade de dominar cada situação, de estar três passos à fr
Narrado por Amália Eu estava apavorada, perdida em meio a uma realidade que eu nunca poderia ter imaginado. Quando aceitei a proposta de Havenna, pensei que seria algo simples, talvez até uma oportunidade de começar de novo. Fui ingênua, cega pela minha falta de experiência no mundo real. Nunca soube o que acontecia nas sombras. E agora, aqui estava eu, presa a um destino que mal compreendia, em um lugar que, claramente, era muito mais do que apenas um clube. Uma casa de prostituição. A pergunta que ecoava na minha mente, insistentemente, era: até onde eu teria que me vender para ter um teto sobre a cabeça? O medo apertava meu peito, e as lágrimas desciam livremente pelo meu rosto, misturando-se com a água quente que escorria sobre mim no chuveiro. Cada gota que caía parecia pesada, como o peso da decisão que havia tomado. Eu mal conseguia pensar direito, o pavor me dominava. Fechei o registro com um movimento rápido, sequei meu corpo com a toalha que encontrei e me enrolei nela
Narrado por Amália — Como vou me arrumar? Eu não sei nem por onde começar, eu nunca me arrumei na vida, Havenna — falei, com a voz embargada, sentindo o desespero crescer dentro de mim.Havenna me olhou com uma expressão que misturava compaixão e determinação. Ela foi até o armário e tirou um vestido mostarda que parecia brilhar sob a luz fraca do quarto. O decote ia até a barriga, e a peça era elegantemente reveladora.— Você vai se arrumar assim, Amália. É assim que as coisas funcionam aqui — disse ela, com uma firmeza que não deixou espaço para contestação.Senti meu coração disparar ao olhar para o vestido. Era bonito, mas também parecia uma armadilha. O que estava prestes a fazer? Eu queria me esconder, não me expor.— Não consigo — murmurei, afastando o olhar.— Olha, eu sei que você está assustada. E eu não vou mentir, não vai ser fácil. Mas você precisa fazer isso. O Velvet Den não é um lugar para inseguranças. Você precisa mostrar que é forte e que pertence a este lugar. Ago
Narrado por Elion Enquanto aguardava Asael organizar as coisas no palco, fui para a sala privada onde a reunião com os sócios seria realizada. O ambiente era cuidadosamente projetado: luz baixa, sofás de couro e uma mesa central de vidro refletindo o brilho das luzes indiretas. Assim que entrei, todos os homens se levantaram em respeito. Eram figuras importantes, controlavam partes cruciais do tráfico em Londres. Com um aceno de mão, fiz sinal para que se sentassem novamente.— Senhores, estamos todos aqui por um motivo simples — comecei, pegando o copo de whisky que Asael havia preparado para mim. — A cidade está mais vulnerável do que nunca, e precisamos garantir que nossas operações permaneçam intocáveis. O próximo carregamento de armas chega amanhã à noite, e quero que tudo saia perfeito.Ivan, um dos chefes do tráfico de drogas no leste de Londres, foi o primeiro a se pronunciar. Ele tinha a mania irritante de sempre tentar parecer mais astuto do que realmente era.— Não vejo pr
Narrado por Amália Capítulo: O Palco e a DesilusãoNarrado por AmáliaMeu coração pulsava com força, como se quisesse escapar do meu peito. Eu estava em um mundo que não era meu, cercada por sombras e luzes dançantes que pareciam rir da minha inocência. O palco diante de mim era imenso e intimidador, e o som da música envolvia o ambiente como um manto sedutor. Mas, para mim, era apenas um lembrete de tudo o que eu não era.Quando subi, o calor da luz dos refletores me atingiu, fazendo minha pele arrepiar. O olhar de Havenna estava fixo em mim, e suas palavras ecoavam na minha mente. “O palco é seu. Crie uma nova personalidade e assuma o controle.” Como eu poderia ser alguém que não sou? A insegurança me consumia, mas eu precisava agir. Não tinha outra escolha.A música começou, suave e envolvente, e meu corpo hesitou. Eu não sabia como me mover, como encantar como as outras mulheres que haviam subido antes de mim. A presença de Havenna foi substituída por um vazio, e eu me vi sozinha