Nas garras do Don
Nas garras do Don
Por: Lorany T Valenciano
Porta de papel

Narrado por Amália

Minha vida parece uma piada de mau gosto. Às vezes, penso que nasci com a má sorte que todos dizem que me persegue, como se o azar estivesse presente desde o primeiro suspiro.

Eu não sei quem são meus pais, nunca os conheci. Fui deixada, ainda bebê, em frente a um orfanato em Londres, no meio de um inverno impiedoso. Meu nome, Amália, foi escolhido por causa de um medalhão que pendia no meu pescoço quando me encontraram, como se esse pequeno objeto fosse a única pista do que eu poderia ter sido.

Cresci naquele orfanato, cercada sempre pelas mesmas pessoas. Elas são as únicas que conheço, a única “família” que já tive. Mas, como eu disse, minha vida sempre foi marcada pelo o azar. Eu não sei o que o destino planeja para mim, mas até agora ele parece não saber equilibrar as coisas.

Toda vez que algo parecia caminhar bem, alguma tragédia ou decepção estava logo ali, à espreita, como uma sombra que nunca me abandona.

Não estou sendo dramática; é a verdade nua e crua. A vida no orfanato sempre foi uma merda, para falar a verdade. O governo colocava muitas crianças aqui, mas o dinheiro? Pouco, muito pouco. A consequência disso? Passávamos mais necessidades do que qualquer outra coisa. Usávamos roupas remendadas para que durassem mais e comíamos tão pouco que as madrugadas eram dolorosas, o estômago roncando de fome. Ainda assim, mesmo com tão pouco, éramos obrigados a ir à escola. Obrigada pelo governo de Londres. Só que isso trouxe mais uma coisa para a lista: anos de bullying.

Cheguei aqui como um bebê, completamente indefesa, mas parecia que o azar já estava ao meu lado. Nunca uma família sequer se interessou por mim. Nenhuma visita, nenhum olhar que durasse mais do que alguns segundos. Como se o destino tivesse me marcado para viver sozinha e solitária pelo resto da vida.

E como eu sei disso? Hoje faço 18 anos. E, em vez de parabéns e bolo, estou sendo mandada embora do orfanato com uma mão na frente e outra atrás. Nem roupas eu tenho para colocar numa mala. Tudo que levo comigo é a decepção e o azar que, como sempre, caminham ao meu lado.

Eu deveria estar feliz, certo? Afinal, não é todo mundo que ganha a tão sonhada liberdade aos 18 anos. Mas que liberdade é essa, sem direção, sem apoio, sem um lugar para ir? Não há nada para comemorar quando se é empurrada para o mundo sem nenhuma rede de segurança.

O orfanato, por mais miserável que fosse, ainda era um teto. Uma cama dura, mas pelo menos um lugar para deitar. Agora, sou só eu e as ruas de Londres, essas mesmas ruas que sempre observei pela janela, mas nunca me atrevi a explorar. Parece que o mundo está ali fora, pronto para me engolir, e eu não tenho outra escolha a não ser mergulhar nele de cabeça.

As pessoas dizem que quando uma porta se fecha, outra se abre. Mas, para mim, parece que todas as portas se trancaram e jogaram fora a chave. O medalhão que eu carrego no pescoço é a única coisa que me conecta a algo maior, algo que poderia ter sido minha vida, se o destino não tivesse decidido de outra forma. Mas o que esse pedaço de metal significa de verdade? Quem me deixou lá? E por quê? Essas perguntas ecoam na minha mente, mas acho que nunca terei respostas.

Eu olho ao redor do orfanato pela última vez. Tudo aqui me parece estranho agora, vazio. Os corredores frios, as paredes cinzentas, os rostos das outras crianças que ficam para trás. Eu sempre soube que este dia chegaria, mas não imaginei que seria assim… tão solitário.

Enquanto caminho pela rua com o vento cortante me lembrando da realidade, percebo que não é o fim da minha história. Se eu tiver que lutar para sobreviver, que seja. Eu não vou mais ser a menina azarada, a menina esquecida. O mundo pode ter me jogado ao leão, mas talvez… talvez eu consiga domá-lo.

Agora, tudo que resta é descobrir como.

Como posso querer ser otimista em uma hora dessas? Talvez seja só um pensamento tolo, uma tentativa desesperada de não me afundar ainda mais no meu próprio azar. Porque, na verdade, eu não sei de nada. Nunca soube. E agora tenho um mundo inteiro diante de mim, um mundo que eu não faço ideia de como encarar. Não sei nem qual passo dar primeiro.

Talvez eu devesse procurar um lugar para morar. Mas com que dinheiro? Ou, quem sabe, tentar arranjar um emprego. Só que que adianta um emprego se ninguém vai me pagar adiantado? Isso se eu conseguir convencer alguém a me contratar sem experiência, sem referências, sem nada.

Enquanto esses pensamentos rodopiam na minha cabeça, vejo um ponto de ônibus mais à frente e me sento no banco. Não é como se eu tivesse para onde ir, mas já estou cansada de andar, como se o peso de tudo o que estou carregando fosse me esmagar a qualquer momento. Pequenas lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto, silenciosas, discretas, mas carregadas de desespero.

Eu queria acreditar que algo vai melhorar, que, de alguma forma, eu vou encontrar uma saída. Mas a verdade é que o desespero está começando a bater na minha porta, uma porta que parece feita de papel, pronta para desmoronar com o mínimo sopro do vento.

Eu olho para o horizonte, para os carros que passam e as pessoas que seguem suas vidas como se tudo estivesse no lugar. Mas, para mim, tudo está fora de controle.

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