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Caminho sem escolha

Narrado por Amália

Horas e horas se passaram enquanto eu ficava ali, naquele ponto de ônibus. Perdi a noção do tempo, nem me dei conta de que o céu já estava escurecendo. Só percebi quando o medo começou a apertar o meu peito. O medo do que a noite podia trazer, do que estava por vir agora que eu não tinha mais lugar no mundo.

Mesmo com as roupas velhas, rasgadas e caindo aos pedaços, eu ainda sabia que havia algo em mim que chamava atenção. Era uma beleza peculiar, uma beleza que eu nunca desejei, mas que o destino, com sua ironia cruel, decidiu me dar. Outra jogada de azar — ah, sempre o azar.

Os olhares me seguiam por onde eu passava, mas não era pelas roupas. Era por mim. Algumas pessoas me olhavam com curiosidade, outras com nojo, e eu sentia o medo em seus olhos. Minha pele, branca como papel, ou melhor, albina. Minha aparência parecia afastá-los, como se eu fosse uma aberração.

Isso sempre foi assim. As crianças no orfanato, os professores na escola, até estranhos nas ruas. Não importava o quanto eu tentasse ser invisível, minha pele me denunciava, me destacava.

Um destaque que nunca desejei, mas que sempre esteve presente, como uma marca que não posso apagar. Talvez, pensei comigo, esse tenha sido o motivo de terem me deixado naquele orfanato. Talvez minha aparência, tão diferente, tenha assustado meus pais. Talvez eles tenham me olhado e decidido que eu não fazia parte do mundo deles.

Esse pensamento sempre volta, nos momentos em que estou sozinha, como agora, sentada nesse banco de ponto de ônibus, sem destino. É como se o mundo estivesse me dizendo, o tempo todo, que eu não pertenço a lugar nenhum.

A noite caía, e com ela o silêncio ao meu redor se tornava ensurdecedor. As ruas, antes movimentadas, agora estavam desertas, exceto pelos faróis distantes de carros que passavam sem diminuir a velocidade. Ninguém parecia me notar, ninguém parava.

Eu me abraçava tentando afastar o frio que começava a se intensificar, mas era inútil. Não era só o frio do clima, era o frio de dentro, o vazio que parecia aumentar conforme as horas passavam. Uma parte de mim queria levantar e andar, procurar algum lugar para ficar, qualquer canto onde pudesse me esconder. Mas a outra parte, mais forte, estava paralisada. Para onde eu iria? Eu não tinha ninguém.

Olhei para o medalhão pendurado no meu pescoço, a única coisa que carrego desde sempre, a única ligação com um passado que desconheço. Quem me deixou? Por quê? Perguntas que nunca tiveram respostas e que talvez nunca terão.

“Eu não vou chorar”, disse para mim mesma, mas senti as lágrimas brotarem novamente. Uma raiva silenciosa crescia dentro de mim, não contra o mundo, mas contra essa sensação de impotência. Eu queria lutar, queria ter forças para encarar o que viesse pela frente. Mas naquele momento, sentada sozinha, não sabia por onde começar.

Foi quando a voz de uma mulher me paralisou.

— Está tudo bem? — ela perguntou, com um olhar que misturava preocupação e curiosidade.

Olhei para ela, sem saber ao menos como responder. Ela era linda, alta, vestida com boas roupas, com uma maquiagem impecável e um sorriso que irradiava confiança. A imagem dela contrastava tanto com a minha realidade que me fez sentir ainda mais vulnerável.

— Nunca estive bem, mas hoje estou um pouco pior — respondi, a sinceridade escapando involuntariamente.

Ela arqueou uma sobrancelha, interessada, e fez uma pergunta que, no fundo, eu já sabia a resposta.

— Por que está nesse banco? Tem algum lugar para ir?

— Eu cresci em um orfanato e fui mandada embora de lá hoje. Não tenho para onde ir e nem sei o que fazer da minha vida. — A tristeza na minha voz era inegável.

A mulher me observou por um momento, como se estivesse avaliando a situação. Depois, um brilho de determinação surgiu em seus olhos.

— Olha, eu tenho uma proposta para você. Não me leve a mal, mas talvez seja melhor do que está no momento.

— Diga, sou todo ouvidos.

— Sua beleza é difícil de encontrar. Eu trabalho em um lugar onde belezas como a sua são admiradas. Eles te oferecem um lugar para morar com outras meninas, te pagam um salário e um serviço. O que me diz?

Eu fiquei em silêncio, processando suas palavras. A proposta era tentadora, mas havia uma parte de mim que hesitava. O que isso significaria? Que tipo de “serviço” ela estava mencionando? Eu estava tão desesperada por um lugar para ficar, mas também tinha medo do que poderia envolver essa nova vida.

Não que eu tivesse muitas escolhas.

— Que tipo de serviço seria? — perguntei, a voz trêmula de medo e insegurança.

Ela respirou fundo, como se estivesse preparando uma resposta que sabia que eu não gostaria de ouvir.

— Provavelmente, no começo, você apenas limpará mesas. Mas, mais para frente, subirá nos palcos, para ser vista e desejada.

As palavras dela soaram como um eco na minha mente. “Subirá nos palcos”? Uma parte de mim queria acreditar que se tratava de algum tipo de espetáculo, uma chance de brilhar e mostrar quem eu realmente sou. Mas outra parte, mais realista e alarmada, me dizia que isso poderia significar algo muito diferente.

Pensei em todas as vezes que havia sido julgada, em como as pessoas se afastavam de mim por causa da minha aparência. A ideia de ser “desejada” por outros soava tanto uma bênção quanto uma maldição. Parecia muita esmola, até mesmo para mim.

— E quanto ao preço disso? O que eu teria que abrir mão para conseguir esse “trabalho”? — questionei, tentando esconder o medo que começava a tomar conta do meu corpo.

Ela sorriu de forma persuasiva, mas havia um brilho estranho em seus olhos.

— Ah, não se preocupe. Aqui você terá um lar, e será cuidada. É apenas um começo. Você pode pensar que está vendendo algo, mas, na verdade, está apenas se permitindo ser vista.

Ouvindo suas palavras, senti uma onda de desconfiança. O que isso realmente significava?

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