Genevieve
A luz do sol filtrava-se pelas cortinas do salão de estar, lançando um brilho suave nas paredes ornamentadas. Sentada em uma das poltronas de veludo, eu tentava não parecer entediada enquanto Lady Ambrose descrevia, com uma exasperante riqueza de detalhes, o baile da noite anterior. — E então, quando o Lorde Pembroke se inclinou para beijar a mão da Lady Clarisse, imaginem só! Ele tropeçou! — Ela riu, segurando um leque bordado com uma cena pastoral. — Foi um espetáculo! Eu sorri de maneira educada, embora internamente desejasse estar em qualquer outro lugar. Talvez dissecando um espécime raro no laboratório do meu pai ou mesmo andando pelo campo com minha luneta, estudando as aves. — Lady Genevieve, você foi ao baile? — perguntou Lady Harriet, inclinando-se para frente com curiosidade. — Infelizmente, não pude comparecer. Estava... ocupada. — Fiz uma pausa, esperando que nenhuma delas perguntasse em que exatamente. — Ah, ocupada. Imagino que seja algum projeto intelectual — murmurou Harriet com um sorriso enviesado. — Sabe, meu irmão acredita que as mulheres que leem demais tornam-se... menos atraentes. — É mesmo? — inclinei-me levemente, meu tom repleto de doçura falsa. — Bem, eu imagino que ele esteja errado. Afinal, eu nunca li tanto em toda minha vida, e aqui estou, tão formidável quanto sempre. O silêncio desconfortável que se seguiu foi quebrado pelo tilintar de uma bandeja de chá sendo servida. Minha mãe, Lady Ashford, olhou para mim de soslaio, sua expressão uma mistura de reprovação e cansaço. Ela sabia que eu nunca me encaixaria na moldura de perfeição que a sociedade esperava, mas isso não a impedia de tentar. — Genevieve, querida, talvez você devesse visitar Lady Carrington esta semana. Ela mencionou que há um jovem muito promissor em sua casa. — Promissor em quê? — perguntei com um arquear de sobrancelha. — Agricultura? Matemática? Biologia? — Promissor em... casar. — Ah, sim, claro. Minha especialidade. — Revirei os olhos e virei minha atenção para o chá, escondendo um sorriso enquanto minha mãe suspirava. A verdade era que eu não tinha o menor interesse em um casamento arranjado. O que eu poderia fazer como esposa de um lorde qualquer, além de servir como ornamento em festas e jantares? A liberdade que meu pai me concedera durante minha criação — talvez por falta de uma figura masculina para ser seu herdeiro — era algo que eu jamais abriria mão. Ainda assim, a insistência da sociedade em moldar-me a um ideal inatingível era incansável. E naquela tarde, minha paciência seria posta à prova. Poucas horas depois, minha mãe decretou que iríamos ao mercado. Não a parte interessante, onde os naturalistas vendiam espécimes raros, mas o mercado "adequado", onde senhoras de boa reputação compravam tecidos finos e chapéus adornados. — Genevieve, por favor, tente comportar-se desta vez — murmurou ela enquanto entrávamos em uma loja. — Sempre me comporto, mãe. Apenas de maneira criativa. Ela suspirou, mas não insistiu. Eu sabia que minha presença ali era sua tentativa desesperada de me apresentar ao que ela considerava as "pessoas certas". Porém, ao invés disso, encontrei algo muito mais interessante. Enquanto minha mãe discutia sobre rendas francesas, vi um homem do lado de fora da loja, próximo à praça central. Ele não parecia pertencer àquele ambiente. Alto, com cabelos escuros cuidadosamente penteados e um sorriso que parecia mais calculado do que genuíno, ele conversava com um grupo de homens, gesticulando de forma exagerada. Algo nele me chamou a atenção. — Quem é aquele? — perguntei à vendedora, apontando discretamente. — Oh, aquele é o duque de Somerset, Lady Genevieve. Lord Edward Blackwell. O nome trouxe uma onda de murmúrios entre as mulheres ao meu redor. Um duque. Libertino, se os rumores fossem verdadeiros. — Dizem que ele nunca será domado — sussurrou uma das jovens. — Um verdadeiro homem de escândalos. Aquilo despertou minha curiosidade. Não porque eu estivesse interessada em sua reputação ou no homem em si, mas porque queria entender o fascínio que ele exercia. Saí da loja antes que minha mãe notasse, aproximando-me da praça. Não era todo dia que se via um "escândalo ambulante". — Se você acha que um sorriso pode conquistar qualquer pessoa, está redondamente enganado. As palavras saíram antes que eu pudesse detê-las. Ele se virou, claramente surpreso. Por um breve momento, os olhos dele, de um azul intenso, encontraram os meus. — Perdão? — perguntou ele, arqueando uma sobrancelha. — Seu sorriso — apontei, cruzando os braços. — Parece uma ferramenta que você utiliza para manipular as pessoas. — E por que isso a incomoda, minha senhora? — perguntou ele, um brilho de diversão nos olhos. — Não incomoda. Apenas observo. Ele sorriu novamente, mais largo desta vez. — Então, minha presença é tão notável que você se sente obrigada a me observar? — Não exatamente. Apenas gosto de estudar comportamentos... intrigantes. — Ah, uma estudiosa? — Ele deu um passo à frente, examinando-me como se eu fosse uma peça de arte em um museu. — Que curioso. Não costuma-se ver jovens damas fazendo observações tão... ousadas. — Talvez porque os cavalheiros não costumam merecê-las. A risada dele foi inesperada, ecoando pela praça. — Você é uma verdadeira peça rara, senhorita. Posso saber seu nome? — Apenas se o senhor me der uma razão para fornecê-lo. — E o que seria uma razão convincente? — Algo que prove que o senhor é mais do que uma fachada. Houve uma pausa, e então ele inclinou a cabeça, o sorriso diminuindo. — Talvez, senhorita, você esteja buscando algo que eu já não tenha mais. Eu não sabia o que responder. Pela primeira vez, ele parecia menos cínico, quase... vulnerável. Mas o momento foi interrompido pela voz estridente de minha mãe. — Genevieve! Afastei-me, mas não sem antes dar uma última olhada em Lord Blackwell. Ele me observava com uma expressão indecifrável. E foi assim que tudo começou.Edward BlackwellA manhã em Londres parecia promissora, ao menos para aqueles que encontravam prazer nas trivialidades da sociedade. Para mim, o dia seria apenas mais um teatro. Como duque de Somerset, esperava-se que eu comparecesse a eventos, apertasse mãos de cavalheiros bajuladores e lançasse olhares sedutores para damas esperançosas. Eu jogava o jogo com perfeição — um mestre das convenções e, dizem, do escândalo.No entanto, nem mesmo a reputação mais infame pode livrar um homem do tédio.— Está com a cabeça em outro lugar, Blackwell? — perguntou Henry, meu amigo de longa data e, talvez, o único homem que realmente tolerava minha companhia.— Apenas observando o espetáculo — respondi, apontando discretamente para a praça onde senhoras se movimentavam como aves em exibição. — É fascinante como elas se esforçam para parecerem naturais quando, na verdade, estão desesperadas por atenção.— E você não está? — Henry riu. — É o que faz de você tão popular.Eu sorri, mas o comentário me
Genevieve AshfordEu deveria estar em casa, lendo algo que me fizesse esquecer o que acabara de acontecer. Mas, em vez disso, me vi novamente na rua, meu vestido lilás de seda batendo suavemente contra as pedras irregulares do calçamento enquanto eu caminhava com passos decididos. Não conseguia tirar de minha cabeça o que acontecera naquela festa. Na verdade, não era o evento que me incomodava, mas a pessoa que eu havia encontrado novamente: Lord Edward Blackwell.Eu nunca esperava que um duque, famoso por sua irreverência e por sua habilidade em tornar qualquer escândalo ainda mais escandaloso, fosse ser alguém que me faria questionar tudo o que eu pensava sobre os homens da sociedade. Porque, sejamos francos, eu nunca pensei muito nos homens, especialmente aqueles que se enquadravam na categoria de "mais do mesmo" — ricos, bonitos, vaidosos e completamente previsíveis. Mas Edward... Edward não era previsível. Ele era exatamente o tipo de homem que me fazia querer desafiá-lo a cada p
Genevieve Ashford Eu não acreditava no que estava prestes a fazer. Dizia a mim mesma que não estava interessada em nenhuma das coisas que ele fazia ou falava. Dizia a mim mesma que não queria ser mais uma mulher encantada pelo charme superficial de Lord Edward Blackwell. E ainda assim, lá estava eu, no jardim da casa de Lady Waverly, onde eu sabia que ele estaria. E o mais insano de tudo era que eu estava me aproximando de sua direção, sem saber exatamente o que fazer com o turbilhão que se formava dentro de mim. Ele estava ali, como sempre, cercado de uma pequena multidão que o idolatrava, todas as mulheres da temporada tentando chamar sua atenção de qualquer maneira, como mariposas ao redor de uma chama. Ele parecia gostar da atenção, e isso só aumentava minha irritação. Mas, ao mesmo tempo, não pude deixar de notar o modo como ele se destacava em meio a todos aqueles rostos conhecidos. A elegância com que se movia, o modo como seu olhar se fixava no horizonte, distante, quase co
Genevieve AshfordAs semanas haviam se arrastado como se fossem meses. Cada evento social, cada baile, cada encontro fortuito com Lord Edward Blackwell me deixava mais exausta do que o anterior. E eu, que acreditava ter me tornado uma mulher prática e imune aos encantos de um libertino, agora começava a questionar minha sanidade.Era uma manhã de outono quando me vi no jardim de Lady Fairmont, tentando escapar da conversa insuportável sobre os novos vestidos de gala que todas as senhoras pareciam ter em mente. Eu só queria ar fresco, um momento de paz antes do baile da noite. Claro, com minha sorte, esse momento de tranquilidade foi logo interrompido.— Lady Ashford, que surpresa encontrá-la aqui. — A voz de Edward Blackwell, de novo. Sua tonalidade suave, quase zombeteira, fez o ar ao meu redor esfriar imediatamente. Ele sabia como me afetar com apenas uma palavra.— Lord Blackwell. — Respondi sem virar imediatamente. Eu estava focada no jardim à minha frente, tentando manter minha c
Genevieve AshfordA noite havia chegado mais cedo naquela tarde de inverno. A neblina sobre Londres tornava as ruas ainda mais sombrias, e a mansão Ashford estava iluminada apenas por candelabros dourados e o brilho suave das lareiras. Estava em um daqueles raros momentos em que, por um segundo, a quietude da casa parecia reconfortante. Até que o som dos cavalos se aproximando de nossa entrada principal me fez olhar pela janela.Eu sabia exatamente quem estava chegando.Lord Edward Blackwell, o homem que parecia ser mais incômodo para minha paz do que qualquer outro. Ele estava lá novamente, convidado para o jantar que minha mãe havia organizado. Eu sabia que, embora sua presença fosse uma oportunidade para minha mãe garantir uma boa conexão social, ela também estava se divertindo às minhas custas. Como sempre, ela adorava o escândalo que envolvia a presença de Edward.— Genevieve, minha querida, você não está pronta para o jantar? — A voz de minha mãe ecoou pela casa, interrompendo m
Genevieve AshfordA manhã seguinte foi uma das mais exaustivas que já passei. Estava mal-humorada, cansada, e as visitas sociais que minha mãe organizava já estavam começando a se tornar uma tortura. A falta de privacidade me incomodava, as intermináveis conversas sobre trivialidades me cansavam, mas o que mais me perturbava era o que acontecera no teatro naquela noite. Edward. Seu sorriso. A forma como ele sempre parecia me desafiar, como se soubesse que minhas defesas estavam enfraquecendo a cada encontro.Tentei afastar os pensamentos dele enquanto caminhava pelo jardim, observando o suave balançar das árvores, tentando encontrar um pouco de paz em meio ao turbilhão de emoções que ele causava em mim. Mas, como sempre, o destino não me deixou em paz por muito tempo. Ao virar a esquina do jardim, deparei-me com ele. Edward Blackwell, encostado na parede de pedras, com o mesmo sorriso desafiador no rosto.Ele estava esperando por mim.— Genevieve. — Sua voz, suave como seda, cortou o
Genevieve AshfordO dia amanheceu nublado, como se o céu tivesse decidido se alinhar com o estado de espírito que eu tentava desesperadamente esconder. As palavras de Edward Blackwell ainda pairavam em minha mente, como um eco incômodo que não conseguia afastar, e sua presença, mesmo quando ausente, me perseguia. Eu não conseguia mais ignorá-lo, não importava quantas vezes me dissesse que ele era só mais um libertino insensível, ou que eu não me importava com o seu charme.Por mais que tentasse resistir, o fato era que ele começava a ocupar um espaço maior do que eu jamais imaginei. E isso, como sempre, me deixava em um estado de frustração.Naquela manhã, minha mãe insistiu para que eu fosse a um evento social no salão de baile da cidade. Embora soubesse que o convite era apenas uma desculpa para me lançar novamente no campo de caça de potenciais maridos, não pude recusá-lo. Afinal, era isso que as mulheres da minha "classe" faziam, não era? Eu me permitia ser exposta à superficialid
Genevieve AshfordEu estava sozinha em meu quarto, o silêncio que me cercava era quase insuportável. O evento da noite anterior ainda pesava sobre meus ombros, como uma nuvem densa que não parecia querer se dissipar. Minha mente estava turva, cheia de pensamentos desconexos, e entre eles, uma figura se destacava: Edward Blackwell. Não era mais apenas o homem libertino que eu desprezava. Ele se tornara algo muito mais complexo, uma presença constante em minha mente, desafiando minha capacidade de manter o controle.Aquele sorriso dele, tão confiante, tão arrogante, parecia persistir em minha memória. Ele estava sempre ao meu redor, como se quisesse me envolver em algo mais. Mas o que? O que ele realmente queria de mim?Eu não conseguia entender, e isso me consumia. O escândalo estava se formando, é claro, todos pareciam sentir que algo aconteceria. Mas o que me deixava realmente inquieta não era o escândalo em si, mas a sensação de que Edward estava, de alguma forma, no centro disso tu