Primeiro ela passou o resto da manhã dançando como louca em seu quarto. Precisava extravazar e tirar toda a tensão acumulada em seu corpo. Depois foi até a academia na mansão e descontou sua raiva descontrolada em um saco de areia. Pouco depois do meio-dia ela saiu e foi até a casa de uma amiga, Amy, que tinha vindo há poucos meses dos Estados Unidos para tentar inovar a carreira de fotógrafa.
— Muito ocupada senhora Stone?
Ela disse tirando os óculos e com um sorriso zombeteiro. Amy balançou a cabeça e a puxou para dentro de casa.
— Pra você? Nunca! O que a princesa das corporações Noah deseja em meu humilde lar?
— Provocar um pouco o senhor Noah e fugir do tédio.
— Seu desejo é uma ordem.
Elas riram e começaram a conversar sobre trivialidades. Naomi fazia qualquer coisa para fugir de Andrew e sabia que sempre podia contar com Amy.
Ela permaneceu na casa de Amy por longas horas. Voltou apenas perto da meia-noite. Todos na casa já dormiam tranquilamente.
No dia seguinte, acordou cedo para tomar café e ir para o curso. Andrew ainda estava sentado à mesa.
— Onde estava ontem à noite?
Ela pegou um pedaço de bolo de chocolate e colocou no prato.
— Na casa de Amy.
— Até tarde? Por que não ficou em casa como sugeri?
— Não estava afim.
Andrew bateu com força na mesa e olhou seriamente para ela.
— Eu ensinei muitas coisas a você Naomi, mas não a desafiar-me.
Ela manteve o olhar na mesma altura. Depois pegou a xícara de café e tomou um gole tranquilamente.
— Ainda tenho direito de ir e vir, não papai? Ou será que estou em cárcere de privado e não sei?
— Não disse isso, mas...
— Que bom. Porque seria muito ruim adicionar mais um crime ao seu currículo.
Ela comeu o bolo em silêncio. Andrew a encarava. Os olhos sombrios e fixos. A boca em uma linha dura. O maxilar trincado. Sua mão em punho sobre a mesa.
— Naomi, Naomi, minha cara Naomi. Cuidado com o que fala, sim? Lembre-se de que ainda tenho a chave do...
— Vou para o curso. Não sei que horas volto. Mas não se preocupe, eu aviso ao segurança mais próximo, papai.
Ela terminou o café rapidamente, pegou a bolsa e saiu. Estava mais do que cansada daquele papo. E não desejava ouvir suas ameaças outra vez.
Naomi chegou no curso mais cedo naquele dia. Estava ansiosa para o que viria. Gostava de aprender novas coisas, expandir seu horizonte, adquirir conhecimento. Era a única coisa que seu pai não a proibia de fazer. Limitava, claro, mas não proibia totalmente.
Quando a professora entrou na sala, a cumprimentou e conversou por breves segundos. Pouco antes da aula começar de fato, ela ouviu a porta abrir. Alguém atrasado, imaginou.
E para sua surpresa, um jovem insolente sentou bem a sua frente.
Steve não estava preparado. Mas uma vez atrasou-se porque precisou ajudar sua mãe com seus irmãos gêmeos. E quando enxergou uma cadeira vazia ao entrar, viu quem estava logo atrás. Ele sentiu um estranho acelerar no peito, mas tratou de ignorar. Aquela garota nem iria se lembrar dele.
Naomi ficou paralisada ao ter a infelicidade, ou felicidade, de ver aquele pequeno homem sentando a sua frente. Havia destino mais filho da mãe do que aquele?
— Formem duplas ou trios para um trabalho.
A professora anunciou.
Naomi olhou ao redor e as pessoas já estavam se deslocando com seus colegas. Ela soltou um suspiro pesado. Bem naquele dia a Ella tinha que faltar?
Steve estava perdido e ainda surpreso com a novidade, e acabou não formando sua dupla.
— Bem, Naomi e Steve parece que sobraram vocês. Se juntem. Vou ditar o que deve ser feito.
Naomi respirou fundo e começou a escrever o que a professora dizia, enquanto Steve estava virado pra ela, encarando-a com um sorriso zombeteiro.
— O que está olhando?
Perguntou ela enquanto escrevia.
— Por que acha que estou te olhando?
— Já ouviu falar de visão periférica? É uma coisa incrível.
Ele balançou a cabeça e se virou, tentando resistir a tentação de olhá-la. Mas acabou se virando novamente.
— Você se acha, não? Filha de papai riquinho, imagino? Ou ganhou uma pequena fortuna e nunca nem precisou fazer esforço pra nada?
Naomi parou de escrever e o fitou. Novamente ele viu os olhos cinzas reluzindo, desta vez ainda mais sombrio e obscuro. Era como se ele visse a própria escuridão a sua frente.
Um arrepio surgiu por todo seu corpo ao ouvir a palavra "papai". Naomi queria fazer ele engolir cada letra que havia dito. Quem ele pensava que era pra falar da vida dela como se a conhecesse? Nem mesmo os amigos mais íntimos sabia tudo que ela vivera e o que ela escondia de todos. Naomi acordava e usava uma máscara egípcia, que só tirava ao deitar nos lençóis italianos.
Ela cruzou os braços e aproximou o rosto ao dele. Steve pensou em como seria beijá-la, mas o pensamento lhe escapou quando ela começou a falar.
— Vai para o inferno. Acha que sabe de tudo nerdzinho? Pois eu lhe digo uma coisa: você não sabe de absolutamente nada. Enquanto sua mente ingênua e florida só ver o brilho das cores, durante muito tempo, só presenciei a própria escuridão. Tanto que acabei me tornando parte dela. Então, faz o seu trabalho que eu faço o meu, ok?
Steve não disse nada. Estava perplexo com o que ouvira. E com a intensidade do que vira.
Naomi sabia que tinha dito um pouco mais do que deveria. Não desejava que as pessoas soubessem de como sua vida era dolorosa e profundamente marcada, mas não dava pra aturar as pessoas falando achando que sabem de tudo, quando na verdade só conhecem e vêem a ponta do iceberg.
A aula seguiu normalmente. O trabalho seria entregue em outra aula.
— Podemos fazer o trabalho na sua casa?
Naomi manteve a serenidade na voz, mesmo que seu coração batesse violentamente contra seu peito.
Steve se virou, mas não a olhou.
— Não é uma boa, meus irmãos podem se agitar com visitas... E minha mãe...
— Na minha casa então. Passa seu endereço e um motorista vai buscá-lo.
— Tudo bem.
Steve quis protestar, era uma situação estranha, mas era de certo modo mais confortável. E ele sentia a necessidade de conhecer um pouco mais sobre ela agora que demonstrava tanta hostilidade.
A aula acabou, Naomi pegou o papel com o endereço e foi pra casa o mais rápido possível.
Havia algo muito estranho habitando seu peito. Ela odiava ter que ficar perto dele, mas não tinha escolha. Felizmente o trabalho não era tão complexo, bastava uma tarde para ser finalizado.
Steve andou de bicicleta o mais rápido que pôde para chegar na lanchonete onde trabalhava.
Seu amigo Mason já estava lá.
— Está atrasado Steve!
— Cala a boca Mason. Você sabe que às vezes a professora fala mais do que devia.
— Foi mesmo a professora? Não encontrou ninguém interessante na aula como no shopping?
Steve revirou os olhos, vestiu o avental e começou a trabalhar. Minutos mais tarde quando o movimento estava fraco, Mason se aproximou.
— E então?
Steve fixou seu olhar no lado de fora do local. Por um instante, pensar em Naomi fazia todo seu mundo parar e se congelar na lembrança de seus olhos. Seu sorriso confiante. Sua voz imparcial.
Mason o cutucou, e ele balançou a cabeça, voltando a realidade.
— Aquela garota do shopping está na minha aula de espanhol.
— O quê? Tá brincando?
— Quem dera fosse. Parece que o destino quis pregar uma peça pra mim.
— Olha, sou madrinha de casamento e ninguém toma meu lugar.
Steve o olhou e balançou a cabeça. Mason suspirou, imaginando todo o cenário.
O expediente acabou pouco antes da meia-noite.
Mason e Steve fecharam o local e só saíram pouco antes do dono, que ainda ficava para finalizar alguns detalhes.
No dia seguinte, o frio estava ainda mais intenso, e a chuva deixava Bristol coberta por nuvens cinzentas e carregadas.
Steve ajudou sua mãe a colocar seus irmãos no ônibus escolar e depois ficou alguns longos minutos tentando arrumar seu cabelo. Steve tinha uma pequena paranóia e cuidado excessivo com o mesmo.
— Não está bom hoje. Uma touca deve resolver.
Ele colocou uma touca cinza e vestiu um enorme moletom. Pouco depois um carro apareceu buzinando na porta do prédio. Steve pegou sua mochila com o material e saiu do quarto apressado.
— Estou saindo mãe!
— Steve Ryan! Aonde pensa que vai com essa pressa toda?
— Fazer um trabalho!
Gritou já abrindo a porta de casa.
— Se não der notícias eu mando a SWAT atrás de você!
Ele riu e entrou rapidamente no carro. O motorista já aguardava com a porta aberta e segurando um guarda-chuva.
O homem alto e barbudo seguiu uma rota que ele pouco conhecia.
Steve estava bem agasalhado e coberto, não sentia tanto frio apesar do forte temporal, mas dentro dele parecia que acontecia uma tempestade semelhante. Ele não fazia ideia do que o aguardava e a cada segundo idealizava um cenário diferente. Só que dentro dele aquilo pouco importava, o único interior que ele gostaria de descobrir era o de Naomi.
Naomi ansiava pela chegada do motorista. Odiava estar daquele jeito, sentindo-se como uma adolescente idiota a espera do grande amor.Seu quarto havia sido todo arrumado e o material para o trabalho providenciado.Ela sabia que tinha de manter distância de Steve. A professora mencionara seu nome e não foi difícil encontrar mais informações sobre ele, não com o sistema que tinha. Não havia muitas coisas, apenas que ele trabalhava em uma lanchonete, pagava o curso com o trabalho e ajudava sua mãe a criar os irmãos gêmeos de 12 anos, e o irmão mais velho tinha conseguido uma bolsa para estudar em Londres e passava maior parte do ano lá.Com certeza era mais do que ele sequer poderia saber sobre ela. Claro que se fizesse o mesmo iria descobrir que ela era filha de um dos homens mais importantes e influentes do mundo, não apenas da Inglaterra.A Noah Empreendimento tinha um número de filiais maior do que ela poderia contar, e não era novidade que
Ryan demorou pelo menos meia hora em uma única página. Ele não estava conseguindo se concentrar de nenhuma forma. Achar as palavras em espanhol que eles ainda não conheciam era fácil, o problema estava em saber o que escrever. Em conseguir tirar toda a cena recente com Naomi da mente, inclusive seu jeito de rir. Mesmo com ela ao seu lado praticamente, ele buscava a imagem dela sorrindo, só pra sentir o coração palpitar de novo.E quando olhava para o lado, lá estava ela, lindamente concentrada no que estava fazendo, como se o mundo tivesse parado, o frio não fosse tão frio, o céu não fosse tão escuro, o tempo não fosse o tempo, e restasse apenas os olhos brilhantes e cabelos esverdeados próximo a ele, com a cabeça baixa e a concentração ao máximo.— Vai escrever ou não? Não ouço o barulho das teclas.Ele olhou pra tela e coçou a nuca, levemente constrangido.— Eu não estou conseguindo. Seu mistério está me matando. Eu não consigo entender porque me odei
Ryan demorou pelo menos meia hora em uma única página. Ele não estava conseguindo se concentrar de nenhuma forma. Achar as palavras em espanhol que eles ainda não conheciam era fácil, o problema estava em saber o que escrever. Em conseguir tirar toda a cena recente com Naomi da mente, inclusive seu jeito de rir. Mesmo com ela ao seu lado praticamente, ele buscava a imagem dela sorrindo, só pra sentir o coração palpitar de novo.E quando olhava para o lado, lá estava ela, lindamente concentrada no que estava fazendo, como se o mundo tivesse parado, o frio não fosse tão frio, o céu não fosse tão escuro, o tempo não fosse o tempo, e restasse apenas os olhos brilhantes e cabelos esverdeados próximo a ele, com a cabeça baixa e a concentração ao máximo.— Vai escrever ou não? Não ouço o barulho das teclas.Ele olhou pra tela e coçou a nuca, levemente constrangido.— Eu não estou conseguindo. Seu mistério está me matando. Eu não consigo entender porque me odei
— A que devo a honra da ligação de minha estimada filha?Andrew estava com um charuto cubano entre os dedos e uma mulher em seu peito, quando atendeu ao telefone. Ele tinha um quarto ao lado do escritório e requisitar uma funcionária para seus prazeres não era difícil.— Trouxe um colega de classe para fazer um trabalho, pela manhã. Mais graças a tempestade ele não pode ir embora.Andrew sentou na cama e deixou seu charuto na mesa de cabeceira ao lado.— E só agora me fala isso? Você por acaso não trouxe nenhum namoradinho, trouxe? Sabe o erro que isso seria. Eu teria que matá-lo com minhas próprias mãos para mostrar o quanto sua tolice lhe custou.Naomi respirou fundo e sentou na cama. Só de pensar em Steve nas mãos de Andrew seu corpo tremia.— Ele é apenas um colega de trabalho. Está no quarto de hóspedes, pode conferir com seus empregados. A tempestade não permite que nem mesmo Andrew Noah saía de seu glorioso Castelo, por que eu m
Naomi sentou na cama com as pernas de índio e Steve sentou na cadeira do computador, prestando atenção em cada palavra e em como ela explicava pacientemente e detalhadamente cada tema.Ele reparou em como ela tirava o cabelo do rosto para falar, como passava a língua nos lábios depois de falar durante vários minutos sem parar, em como ela piscava várias vezes quando sentia que a empolgação ia tomar conta dela e dominá-la.Para Ryan, aquilo foi como senti-la. Perfurar qualquer centímetro que seja da muralha era uma evolução que ele queria comemorar.Naomi estava se tornando algo especial, não era como correr vários metros em determinados segundos para se sentir realizado com o desafio, ou como aprender uma música nova em um único dia e cantá-la no outro, ela era uma pessoa com sentimentos, para a surpresa de alguns. Mas sentimentos tão profundos e obscuros que o risco para quem deseja mergulhar não pode ser medido. Porém Ryan estava disposto. Havia algo
Ryan ficou parado, sentado na cadeira, sem compreender. Ela parecia ter gostado do toque. Na verdade, podia sentir que ela gostara. Mas quando ele se afastou por alguns segundos, ela se fora. Havia algo de muito errado que ele tinha de descobrir. Só não fazia ideia de como e nem por onde começar.***Naomi se trancou no quarto e soltou a respiração pesada. Seu coração acelerou e parecia querer esmagar seu peito. Suas mãos tremiam assim como suas pernas não a sustentavam mais. Nenhum outro homem a tocara e aquilo era perturbador. Naomi não conhecia aquilo que Ryan tinha feito. A delicadeza do movimento, o toque sútil, os olhos brilhando com a chama do desejo se transformando.Ela tomou um longo banho, onde deixou as águas banharem seu corpo e lavar sua alma com lentidão e profundidade.Naomi não podia ceder. De forma alguma, devia se render ao sentimento que brotava em seu peito. Ela sabia o mal que isso faria na vida de Steve. O perigo q
— Andrew costumava dizer que eu era igual a ela, talvez por isso...Ela disse de repente, se virando lentamente logo após não concluir a frase.Naomi ainda segurava a xícara de chocolate quente com firmeza. As gotas de chuva que molhavam a janela de vidro eram como cada lágrima que ela já derramou.— Talvez por isso o quê?— Bem, meus cabelos eram iguais e os olhos também.— Dona Lucy tinha cabelo verde?Ela balançou a cabeça, com um sorriso contido.— Não seu idiota, era preto. Meu cabelo é preto, só está pintado de verde escuro. Dá pra perceber pela raiz.— Achei que era um novo tom de verde.Falou despreocupado. Os braços cruzados sobre o peito firme.— Você é um idiota mesmo.Desta vez ela sorriu, mas virou o rosto para que ele não visse.Steve tinha certeza que podia ver uma sombra de sorriso curvada em seus lábios, mesmo que ela tentasse esconder.Ela até poderia negar, mas ele estava ciente da
Steve percebeu o olhar de Naomi para a janela e também notou a calmaria que o tempo estava absorvendo. Quase não parecia que chovia com uma intensidade impressionante nas últimas horas.— Parece que não terá de me aturar por muito mais tempo.Ela se virou, com um sorriso contido.— Foram horas interessantes, admito.— Espero que possamos repeti-la sempre.— Receio que não.Ela olhou mais uma vez a janela e soltou um suspiro longo.— Acho melhor ir. Andrew vai chegar logo.— Tem medo que seu pai me encontre aqui?— Tenho, mas não por mim.— É por mim ?Naomi revirou os olhos e voltou-se para a janela. A chuva cada vez menos intensa.— Melhor ir Steve.Ele assentiu, com um leve sorriso no canto dos lábios. Não precisava de resposta, de alguma forma estranha, ela se preocupava com o que aconteceria com ele caso seu pai chegasse. Ele não fazia ideia do que Andrew poderia fazer, mas preferiu n