Ryan demorou pelo menos meia hora em uma única página. Ele não estava conseguindo se concentrar de nenhuma forma. Achar as palavras em espanhol que eles ainda não conheciam era fácil, o problema estava em saber o que escrever. Em conseguir tirar toda a cena recente com Naomi da mente, inclusive seu jeito de rir. Mesmo com ela ao seu lado praticamente, ele buscava a imagem dela sorrindo, só pra sentir o coração palpitar de novo.
E quando olhava para o lado, lá estava ela, lindamente concentrada no que estava fazendo, como se o mundo tivesse parado, o frio não fosse tão frio, o céu não fosse tão escuro, o tempo não fosse o tempo, e restasse apenas os olhos brilhantes e cabelos esverdeados próximo a ele, com a cabeça baixa e a concentração ao máximo.
— Vai escrever ou não? Não ouço o barulho das teclas.
Ele olhou pra tela e coçou a nuca, levemente constrangido.
— Eu não estou conseguindo. Seu mistério está me matando. Eu não consigo entender porque me odeia tanto.
— Garoto, eu não odeio você. Eu tenho meus problemas e um homem atraente e sexy não pode entrar no meio deles, entendeu?
— Eu sou atraente e sexy?
Um canto dos lábios dele se ergueu. Ela revirou os olhos e levantou, sentindo suas bochechas corarem, mas ignorando-as. Tirou ele do lugar e sentou, retomando de onde parou.
— Vai fazer sozinha?
— O que acha?
— Mas eu preciso do ponto e...
— Por acaso eu disse que iria tirar seu nome?
— Pero¹...
— Mas nada, senta aí e me ajuda a procurar algumas palavras, ok?
Steve sentou, ainda sem entender muita coisa, e ajudou quando ela pediu. Não fez mais perguntas e isso ajudou a acalmar Naomi. Ela estava falando mais do que deveria e isso tornava tudo mais perigoso.
Queria gostar dele. Daquele garoto de sorriso confiante, olhar penetrante e cabelos aparentemente macios, mas não podia. Naomi tinha tido seu destino traçado há muito tempo e, nada iria quebrar o que já estava escrito. Nada que ela soubesse ainda, pois não desistira de ser livre das garras de Andrew.
Pouco depois ela enfim terminou. Na história, Melissa e George tiveram um final caliente, como sugerira Steve, mas Naomi sabia, se ele estava pensando que a vida real iria seguir o rumo daquela história, ele conhecia muito pouco da realidade. Finais felizes em histórias reais são quase inexistentes, e apenas para pessoas boas. Naomi ainda não sabia se era uma boa pessoa. Provável que não. Se fosse, não o trataria assim. Mas o que ela podia fazer? Fingir que não era fodida por dentro? Que seu passado tinha sido um terrível e doloroso pesadelo?
O que ela viveu a transformou na mulher que ela era. As escolhas de outra pessoa afetaram a vida e a personalidade de Naomi. Aquela que nascera para ser o símbolo de uma grande história de amor, acabou se tornando a protagonista de uma história de terror.
— Bom, terminamos.
Disse ela, por fim. Os pensamentos ainda se espalhando, mas tentando manter o equilíbrio.
— Acho que finalmente vai se livrar de mim.
Naomi identificou o pesar na voz dele e suspirou. Não gostava do que ele pensava sobre ela. Em geral ela não se importava, mas com ele era diferente. Ela gostaria de esclarecer tudo. Contar-lhe cada dor e ferida que ainda habitava seu peito e seu corpo. Mas não podia. Aquilo o colocaria em um perigo do qual ele nem conhecia a existência.
— Um dia você vai entender que sermos amigos é impossível. Mas quem sabe bons colegas? O tempo vai dizer. É melhor ir, vai se atrasar.
— Com esse tempo?
Ele estava com a mochila nas costas e olhando para a enorme janela de vidro do quarto. A chuva não apenas estava mais forte, como também os ventos derrubavam árvores e os raios iluminavam o céu escuro. Ainda não estava nem no meio do dia e a escuridão dominava Bristol.
— Meu motorista deve poder levá-lo, vamos.
Eles não escutavam nada, apenas viam. As paredes eram revestidas e a prova de som. Era como assistir a uma tempestade no mudo.
Naomi desceu as escadas e encontrou o motorista conversando com uma empregada.
— Jerry, pode levá-lo para mim?
O homem parou a conversa e se virou para Naomi.
— Desculpe senhora, mas a ordem da polícia é que ninguém saía de casa pelas próximas vinte e quatro horas. Telefonei para o senhor Andrew e ele informou que dormirá no escritório devido ao terrível tempo.
— Espera, seu pai é Andrew Noah?
— Agora não Ryan.
Ela olhou pra ele e voltou para Jerry, com uma expressão confusa.
— Está tão ruim assim?
— Sim senhorita. Esses meses de inverno são os mais terríveis por aqui.
— É, eu sei.
Ela bufou e virou-se.
— E agora?
— Parece que não vai poder se livrar de mim.
— Deixa de ser egocêntrico. Estou falando do seu trabalho, dos seus irmãos. Quer dizer, você não pode dormir aqui.
— Andou mesmo me pesquisando? Eu estou começando a querer fazer o mesmo. Andrew Noah, não é? O que será que deve ter dele em? Muitas fofocas e intrigas? Mulheres? Aliás, aonde está a senhora Noah?
O corpo de Naomi paralisou automaticamente. Cada segundo deixou sua respiração mais lenta. Seu rosto se assombrou de uma expressão dura e sombria. Ela queria socá-lo por seu atrevimento.
Mas o que adiantaria? Era engraçado porque, justo quando estava tentando ser legal, as coisas não ficavam a seu favor. E era por isso que ela não era amistosa. Ser boazinha tinha um preço muito elevado.
— Lucy James está morta há 16 anos.
Steve abriu a boca, mas Naomi se virou para o motorista.
— Peça para uma empregada providenciar um quarto de hóspedes pra ele e tudo mais. E por favor, não precisa falar com Andrew, eu mesmo o informo do que está acontecendo.
— Sim senhorita. Algo mais?
— Não Jerry, vá descansar. Fique a postos para quando o temporal passar levar o senhor Blackthorn para casa.
— Sim senhora.
Ele se retirou. Naomi se virou para Steve e passou por ele, subindo novamente as escadas.
— Naomi! Espere.
Ele a seguiu. Ela andou em passos apressados até o quarto. Fazia tanto tempo que não mencionava o nome de sua mãe que sentira uma dor intensa no peito, com as lembranças arrecatadas.
— Naomi, por favor, espere!
Ele correu um pouco e chegou antes dela abrir a porta do quarto. Uma lágrima iluminava o rosto dela.
Steve sentiu seu coração contrair dentro do peito. Tudo parecia ter paralisado naquele instante. Tinha feito a muralha em pessoa chorar? Com uma pergunta tão simples ele a magoara inimaginavelmente. E Steve sentia-se culpado por causar esta dor.
— Me desculpe, eu não sabia.
— Por favor, saía.
— Naomi, me desculpe, por favor? Eu não quero mal entendido entre nós e muito menos machucá-la.
— Apenas saía Steve.
— Naomi...
Ele levantou a mão para secar a lágrima dela, porém Naomi se esquivou e entrou no quarto, se trancando. Ela respirou fundo, limpou a lágrima e piscou rapidamente. Não iria chorar. Lembranças não deviam machucar. Não como machucava.
Ela deslizou pela porta e agarrou seus joelhos. Fazia tanto tempo que seu rosto não conhecia o calor das lágrimas e seu coração a dor aguda que as memórias causavam.
Ela tinha apenas sete anos e quase não se lembrava daquela época, mas as poucas memórias que tinha era suficiente para deixá-la inquieta e com uma enorme ferida aberta.
Depois de dois anos ela começou a viver o inferno dentro de sua própria casa. E tudo mudou desde então.
Steve foi levado pela empregada até o quarto de hóspedes, que não ficava longe do quarto de Naomi. Ele agradeceu e se instalou. O local era maior do que o quarto dele e de seus irmãos juntos. Tinha uma enorme cama de casal, um guarda roupa e banheiro próprio. Uma verdadeira suíte.
Mas para ele isso era apenas meros detalhes, tudo que houve nas últimas horas era o que importava. Os acontecimentos e a mistura de sentimentos eram o que realmente lhe perturbava.
Ver Naomi daquela forma mexeu com cada parte do corpo dele. E agora ele precisava fazer alguma coisa que pudesse diminuir a dor dela. Se isso fosse possível. Já que uma simples menção ao nome de sua mãe, depois de tanto tempo, ainda mexia com ela de tal forma.
Entretanto, para a sorte dela, Steve estava disposto a superar mais esse pequeno desafio, para com sorte, vê-la sorrindo e melhor, exatamente como ver o sol brilhar depois de uma tempestade.
¹ Mas
Ryan demorou pelo menos meia hora em uma única página. Ele não estava conseguindo se concentrar de nenhuma forma. Achar as palavras em espanhol que eles ainda não conheciam era fácil, o problema estava em saber o que escrever. Em conseguir tirar toda a cena recente com Naomi da mente, inclusive seu jeito de rir. Mesmo com ela ao seu lado praticamente, ele buscava a imagem dela sorrindo, só pra sentir o coração palpitar de novo.E quando olhava para o lado, lá estava ela, lindamente concentrada no que estava fazendo, como se o mundo tivesse parado, o frio não fosse tão frio, o céu não fosse tão escuro, o tempo não fosse o tempo, e restasse apenas os olhos brilhantes e cabelos esverdeados próximo a ele, com a cabeça baixa e a concentração ao máximo.— Vai escrever ou não? Não ouço o barulho das teclas.Ele olhou pra tela e coçou a nuca, levemente constrangido.— Eu não estou conseguindo. Seu mistério está me matando. Eu não consigo entender porque me odei
— A que devo a honra da ligação de minha estimada filha?Andrew estava com um charuto cubano entre os dedos e uma mulher em seu peito, quando atendeu ao telefone. Ele tinha um quarto ao lado do escritório e requisitar uma funcionária para seus prazeres não era difícil.— Trouxe um colega de classe para fazer um trabalho, pela manhã. Mais graças a tempestade ele não pode ir embora.Andrew sentou na cama e deixou seu charuto na mesa de cabeceira ao lado.— E só agora me fala isso? Você por acaso não trouxe nenhum namoradinho, trouxe? Sabe o erro que isso seria. Eu teria que matá-lo com minhas próprias mãos para mostrar o quanto sua tolice lhe custou.Naomi respirou fundo e sentou na cama. Só de pensar em Steve nas mãos de Andrew seu corpo tremia.— Ele é apenas um colega de trabalho. Está no quarto de hóspedes, pode conferir com seus empregados. A tempestade não permite que nem mesmo Andrew Noah saía de seu glorioso Castelo, por que eu m
Naomi sentou na cama com as pernas de índio e Steve sentou na cadeira do computador, prestando atenção em cada palavra e em como ela explicava pacientemente e detalhadamente cada tema.Ele reparou em como ela tirava o cabelo do rosto para falar, como passava a língua nos lábios depois de falar durante vários minutos sem parar, em como ela piscava várias vezes quando sentia que a empolgação ia tomar conta dela e dominá-la.Para Ryan, aquilo foi como senti-la. Perfurar qualquer centímetro que seja da muralha era uma evolução que ele queria comemorar.Naomi estava se tornando algo especial, não era como correr vários metros em determinados segundos para se sentir realizado com o desafio, ou como aprender uma música nova em um único dia e cantá-la no outro, ela era uma pessoa com sentimentos, para a surpresa de alguns. Mas sentimentos tão profundos e obscuros que o risco para quem deseja mergulhar não pode ser medido. Porém Ryan estava disposto. Havia algo
Ryan ficou parado, sentado na cadeira, sem compreender. Ela parecia ter gostado do toque. Na verdade, podia sentir que ela gostara. Mas quando ele se afastou por alguns segundos, ela se fora. Havia algo de muito errado que ele tinha de descobrir. Só não fazia ideia de como e nem por onde começar.***Naomi se trancou no quarto e soltou a respiração pesada. Seu coração acelerou e parecia querer esmagar seu peito. Suas mãos tremiam assim como suas pernas não a sustentavam mais. Nenhum outro homem a tocara e aquilo era perturbador. Naomi não conhecia aquilo que Ryan tinha feito. A delicadeza do movimento, o toque sútil, os olhos brilhando com a chama do desejo se transformando.Ela tomou um longo banho, onde deixou as águas banharem seu corpo e lavar sua alma com lentidão e profundidade.Naomi não podia ceder. De forma alguma, devia se render ao sentimento que brotava em seu peito. Ela sabia o mal que isso faria na vida de Steve. O perigo q
— Andrew costumava dizer que eu era igual a ela, talvez por isso...Ela disse de repente, se virando lentamente logo após não concluir a frase.Naomi ainda segurava a xícara de chocolate quente com firmeza. As gotas de chuva que molhavam a janela de vidro eram como cada lágrima que ela já derramou.— Talvez por isso o quê?— Bem, meus cabelos eram iguais e os olhos também.— Dona Lucy tinha cabelo verde?Ela balançou a cabeça, com um sorriso contido.— Não seu idiota, era preto. Meu cabelo é preto, só está pintado de verde escuro. Dá pra perceber pela raiz.— Achei que era um novo tom de verde.Falou despreocupado. Os braços cruzados sobre o peito firme.— Você é um idiota mesmo.Desta vez ela sorriu, mas virou o rosto para que ele não visse.Steve tinha certeza que podia ver uma sombra de sorriso curvada em seus lábios, mesmo que ela tentasse esconder.Ela até poderia negar, mas ele estava ciente da
Steve percebeu o olhar de Naomi para a janela e também notou a calmaria que o tempo estava absorvendo. Quase não parecia que chovia com uma intensidade impressionante nas últimas horas.— Parece que não terá de me aturar por muito mais tempo.Ela se virou, com um sorriso contido.— Foram horas interessantes, admito.— Espero que possamos repeti-la sempre.— Receio que não.Ela olhou mais uma vez a janela e soltou um suspiro longo.— Acho melhor ir. Andrew vai chegar logo.— Tem medo que seu pai me encontre aqui?— Tenho, mas não por mim.— É por mim ?Naomi revirou os olhos e voltou-se para a janela. A chuva cada vez menos intensa.— Melhor ir Steve.Ele assentiu, com um leve sorriso no canto dos lábios. Não precisava de resposta, de alguma forma estranha, ela se preocupava com o que aconteceria com ele caso seu pai chegasse. Ele não fazia ideia do que Andrew poderia fazer, mas preferiu n
Naomi encontrou Ella e depois Amy. As três passearam no shopping durante um tempo, depois que viram o tempo fechado, porém sem gotas de chuva molhando a calçada e iluminando as janelas dos prédios, elas resolveram passear pelo parque. Não estava tão deserto e Naomi sabia que o motorista a vigiava de não muito longe.A grama estava bem molhada e havia poças de lama e d'água. Mas ainda sim era melhor do que estar em sua casa. Quando chegasse, Andrew já estaria a sua espera, e queria estar cansada o suficiente para não ter de dar muitas explicações.— Acho que preciso tirar um dia para beber e jogar. Faz tempo, não Naomi?Ella estava observando um carrinho de cachorro quente um pouco distante.— É verdade, faz tempo. Vamos tentar no próximo fim de semana.— No próximo fim de semana? Não está sabendo Naomi?— Sabendo do que Amy?— Do baile de máscaras que Andrew Noah está pretendendo dar, aniversário da empresa. Ele fez o anúncio para um s
Steve tinha conseguido com a ajuda de um velho conhecido, a oportunidade de trabalhar em um grande evento. Claro que servir mesas e convidados não era seu foco naquela noite. Não, ele gostaria de estar perto de Naomi, de conhecê-la socialmente, e de ver de perto sua família.— Tem certeza? Sabe que esse seu plano é doido e arriscado, não sabe?— Vai dar certo. Eu também não consigo definir exatamente o porquê que quero isso, mas tem algo nela que me atrai Mason. Parece imã.— Mexer com uma Noah pode ser perigoso.— Eu gosto do perigo, Mason Thomas.O sorriso de Steve se alargou enquanto olhava para o céu nublado.O dia do baile havia chegado. Ventos fortes deixavam as ruas de Bristol mais vazias, porém sem cair uma gota de água.Naomi não tinha conseguido falar com Ella até então. Sua amiga costumava se isolar quando ficava chateada e se trancava em seu escritório, apenas com o computador, uma garrafa térmica cheia de café