Capítulo 2 - Bambino

NEFERTARI AMBROGETTI 

Novamente me encontro no lugar que mais detém minha agonia, não sei como agir com tantas crianças, apesar de ter meus sobrinhos. Mamma pediu ao motorista para passar no instituto antes de irmos à empresa, hoje decidi não dirigi, sem contar que às vezes é bom ficar um tempo com a mamma, ela se torna mais suportável quando o assunto não é casamento, e falando em casamento, eu continuo a adiar o meu, é empolgante ver a raiva que estou a causar, está sendo uma ótima lição para o conselho e para os Özçivit, sou eu quem mando, mesmo quando pareço sem opções. 

Mamma entrou no instituto enquanto eu optei novamente por ficar aqui fora. Olho em volta e vejo o local que a última vez me sentei, desta vez há um bambino lá, mas não é qualquer bambino, é o pobre ragazzo solitário. Ele olha com ar triste para as outras crianças, e faço uma coisa que não compreendo, meus pés me levam até ele. Cazzo (porra). Aproximo-me e assim que ele nota minha presença ele sorri, um sorriso inocente. 

-Tia Tari. - sorriu tentando ser simpática. Céus, eu odiei esse apelido. 

-Ciao (oi). Formiga. Como vai? - me sento ao seu lado no banco. 

-Bem! Que dizer...- ele suspira com pesar. Que drama, qual será o grande problema deste bambino? Os outros bambini não querem brincar? Quem me dera ter esse problema. 

-Deixe de drama, o que se passou? - ele sorri de lado. 

-Vou fazer uma nova cirurgia, estou com medo de morrer, não quero morrer sem nem ter tido um nome. Sem que minha mamma tenha me dado um nome.- diz e sinto um bolo na garganta. Cazzo. Quando eu acho que não pode piorar. 

-Não seja tolo, certamente não irá morrer. - tento ajudar. 

 -Mas eu ouvi o médico dizendo que tem riscos. - faz uma careta. 

-Mas é o que eles dizem, sempre falam isso, não significa que você vai morrer, pare de sofrer antecipadamente. - dou um soquinho de leve em seu braço. Ele ri de lado.

-Promete? Promete que eu não vou morrer? - tá vendo? Eu sabia que eu não devia ter vindo, como eu posso prometer uma coisa dessas?

-Olha formiguinha, não gosto de promessas, então não posso te prometer. - digo e ele faz a cara mais triste que já vi, acho que ele vai chorar, tento pensar em alguma coisa, e falo a primeira coisa que me vem - eu dou minha palavra que vou te visitar no hospital antes e depois da cirurgia, pode ser? - falo e não acredito no que disse, eu preciso sair daqui. A criatura abre um sorriso e seus olhos brilham. 

-Eu irei adorar, eu gosto da senhora, ficaria mais confiante com sua visita, obrigado tia Tari. - diz e me abraça. Eu já não falei com ele sobre abraços? Mas chega a ser engraçado como que com breves palavras eu alegrei o dia do Formiga, é bom saber que ainda consigo isso. 

-Você j**a xadrez?- questiona com expectativa, e me recordo de seu olhar de alguns minutos atrás, não quero vê-lo daquele jeito, ele é inocente, não merece aquela angústia.

-Sim, eu jogo. - respondo, ele sorri alegremente. 

****

 Um mês depois: 

Entro no hospital e faço o mesmo das últimas vezes, passo pela recepção para que autorizem minha entrada. Pego o elevador e vou até a ala pediátrica, é lá onde está o formiga, que nos documentos diz que ele se chama Francisco. A cirurgia dele foi a princípio um sucesso, só que com dois dias de operado pegou uma infecção, eu pensei que ele ia morrer, mas graças a Dio, ele suportou tudo, e agora está quase de alta. 

E uma coisa surpreendente, eu não fiz apenas duas visitas. Ele pediu que eu não o abandonasse, e assim eu fiz. Venho sempre antes e depois do trabalho, quase todos os dias. Nem eu mesma estou me reconhecendo, mas a cara que ele faz quando me ver, mexe comigo, é como uma luz em meio a tanta escuridão, sua inocência faz parecer tudo tão fácil, ele me trás paz. Com nossa aproximação resolvi procurar pelo passado dele, e cazzo, o garoto só tem 6 pra 7 anos e já passou por um inferno. Seus pais morreram, ele tinha 2 anos, e ficou com a avó materna a qual o maltratava, foi a infeliz que o vendeu, que o colocou no tráfico. O pequeno tinha 5 anos quando um homem o arrastou de casa, enquanto sua avó que olhava tudo permitiu, ela recebeu 1.000 dólares pela venda. Mil dólares, esse foi o valor de uma criança, uma criança inocente, pura, que só queria um pouco de amor e carinho. Quando meus fratelli, o resgatou ele estava junto de mais seis crianças, pelo que a psicóloga falou, foram os homens que estavam com eles que o machucou, ele estava com fome e acabou roubando um pedaço de pão, mas os guardas o viu e o espancaram, quebraram a perna dele. Acabei me emocionando com as fotos que vi de seus hematomas. Imagino quantas mais barbaridades eles fizeram com ele. Chego em seu quarto, mas diferente das outras vezes que estive aqui, ele não está sozinho. Além da mulher do Instituto que sempre o acompanha, Lúcia. Estão mais duas mulheres, uma segura a mão do formiga. 

-Buongiorno.- digo estranhando a presença das duas mulheres. 

-Senhora. Essas são Francesca e Vittoria.- apresenta Lucia. 

-Buongiorno, sou assistente social e advogada. - fala a Francesca. 

-E eu sou a tia do Francisco, vim buscar meu sobrinho, que agora será meu filho. - diz deixando-me surpresa, eu não sabia que ele tinha parente vivo. 

-Como assim? 

-Eu não sou daqui, quando soube da morte da minha irmã fiquei muito abalada, não tínhamos contato devido a brigas bobas, e eu achava que ele estava em boas mãos com minha mãe. Só recentemente que o Instituto me encontrou, assim que soube do Francisco eu vim.- diz e beija a testa do ragazzo. Ele parece feliz, apesar da careta quando a tia o chama pelo nome. 

-Veja tia Tari, não sou mais sozinho no mundo. 

-Você nunca foi. Sempre teve o Instituto e a...mim.- digo e sorrio. Me sinto estranha com essa situação, não sei se estou feliz, mas sei que devo ficar. Era isso que o formiga sempre quis, e agora ele está tendo a oportunidade de ter uma família, de reaver os laços que foi perdido com o tráfico, por culpa de sua avó. 

*** 

-Agora você vai ter uma família Francisco.- estamos só nós dois no quarto, a tia juntamente com a advogada foram preparar algumas papeladas no instituto. 

-Não me chame assim.- diz fazendo uma cara de bravo. 

- Mas esse é seu nome. - digo o óbvio. 

-Não, não é. Minha mãe me dará um nome. 

- Então quem te deu esse nome? 

-Uma pessoa ruim. - se encolhe. 

-Tudo bem, não irei mais chamá-lo assim. Qual nome você acha que a Vittoria vai te dar? 

-Não sei. - da de ombros. - Ela disse que ia pensar em um. Vai ser especial, como deve ser. - diz sorrindo. O tráfico não conseguiu destruir os sonhos desse piccolo, ainda bem que a famiglia interveio a tempo do tráfico não ceifar a esperança e inocência que ele carrega. 

Vejo nesse bambino, o meu eu de alguns anos, na verdade de muitos anos. Sinto-me de alguma forma ligada a ele, uma ligação de alma, é muito estranho pensar isso, principalmente agora que ele irá para longe, não vamos mais nos ver, e é melhor assim. Iria me odiar se o colocasse em perigo. 

***

KHALIL IVANKOV ÖZÇİVİT 

Tento mais uma vez explicar para a Mine que não posso simplesmente mandar meus pais e meu avô irem se foder. É como assinar minha sentença de morte. Como um belo de um covarde, eu não consegui contá-la antes, precisei de três semanas para tomar coragem e dizer. 

- Então você vai se casar? Vou ser sua amante agora? Era pra eu ser sua esposa! Sua mulher Khalil! - diz balançando os braços. 

- Mas não é tão simples! E eu nunca te iludi. Nunca. 

-Mas eu tinha esperanças. Allah, Allah, como fui iludida. 

-Mine, se acalme. Não é como se eu quisesse esse casamento, mas sou obrigado a ele. 

- Khalil, como vai ser quando você se casar? Como? 

- Eu não sei, eu não queria que fosse assim, você sabe que eu já a tinha como minha mulher. - digo e ela olha para o anel em seu dedo. 

-Eu odeio sua família. Odeio. 

-Eu sei. Possivelmente, ficarei uma longa temporada sem pisar aqui na Turquia, ou em Dubai. 

-Está terminando? Está acabando com nós? - indaga diminuindo o tom de voz. 

-Não quero colocá-la na posição de amante. E aqui está a sua vida, seus projetos, trabalhos. Eu irei para a Itália. 

- Por que tudo tem que ser assim? Eu amo você, Khalil. - diz sentando na cama, parece estar cansada. 

- E eu você, Mine. - a abraço. 

Odeio vê-la assim, e saber que a culpa é minha é ainda pior. É como uma hipocrisia, visto que prometi fazê-la feliz, mas agora estou a deixando. 

-Não sei se consigo te deixar ir. - diz ainda me abraçando. 

-Nem eu. - digo sincero. 

Minha história com a Mine, não é recente. Sempre tivemos muitas idas e vindas ao longo de 7 anos. Mas faz exatamente 1 ano que nos reencontramos e fizemos as pazes, e eu a dei um anel de compromisso, não éramos noivos, mas eu já tinha planos para fazer tal pedido. 

Nessas idas e vindas, também conhecemos outras pessoas, no meu caso até uma mulher misteriosa com quem passei uma única noite. Mas todas elas só me mostraram que a única que queria ao meu lado era a Mine, bem clichê, eu sei. 

-Precisa de ajuda para arrumar suas coisas? - pergunta depois que se vira de costas. Sua voz é baixa. 

Tenho poucas coisas em seu apartamento, tinha planos em trazer meus pertences após nosso casamento. 

-Não. Serei rápido. - digo e seguro a vontade de abraçá-la. 

- E nossos projetos? Ainda me ajudará? 

- Sim, não irei deixá-la na mão, não nesta questão. - digo e começo a retirar minhas roupas do closet. 

*** 

Suspiro e bebo mais um pouco de uísque. Está gravado em minha mente o rosto da Mine, a surpresa, indignação e tristeza. 

-Filho, o que se passou? - pergunta meu pai entrando em meu quarto. - você não é de beber. 

-Terminei com a Mine.- respondo enchendo o copo novamente. 

- Graças a Allah. - reviro os olhos. 

-Por favor, se veio aqui para isso, então saia. 

-Fui insensível, me perdoe. Nunca me agradou essa mulher, mas não deveria ter dito isso. Pois bem, como ela reagiu? 

- Mal, ela ficou mal. 

-Não fique assim filho. Com o tempo esse sentimento ficará mais controlado, mais submerso em novos. 

- Eu odeio a máfia por ter me obrigado a deixá-la. 

-A máfia sempre rouba alguma coisa, faz sem pedir permissão. 

- O que ela te roubou? 

-Um dia eu te conto. - sorri de lado. - Agora pare de beber, isso não irá adiantar em nada. Ah, e quando casar diminui esse hábito, certamente sua futura esposa não deva achá-lo atrativo. - reviro os olhos. 

- O que sabe sobre ela? 

-Não muito, na verdade eu nunca a vi pessoalmente. Mais feia, posso garantir que ela não é. 

- Um relacionamento vai além da beleza, pai. 

-Deixe de ser hipócrita, você mesmo só se envolveu com mulheres que parecem sair de capas de revistas. Mas, enfim, sua mãe irá à Itália fazer uma visita à ela. 

- E por que isso? Quem vai casar sou eu, desta forma eu quem deveria ir. 

-Seu avô quer assim, e ele ainda manda na família. - dá de ombros. 

-Meu avô, o mentor de tudo isso. 

- Seu avô sabe o que faz. 

- Tem certeza disso? Porque não me parece viável uma pessoa que tomou uma decisão com base no achismo de uma cigana. 

- Não fale essas coisas quando vê-lo amanhã. 

- Pai, não é segredo para ele o que eu acho dessa história. 

-Mais é desrespeitoso, faz parecer que ele é ridículo. 

- Está bem, irei me conter. 

- Ótimo, e meu filho? Certifique-se que sua aventura com a Mine realmente teve um ponto final, não quero que isso saia daqui. 

- Eu já não disse que acabou? Vai querer o que? Que mate ela? Eu jamais a machucaria. 

-Eu não disse isso, mas sua mãe certamente vai querer garantir que a Mine não seja um incômodo. - fala como um aviso e sai do quarto, deixando-me pensativo.

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