- Bom. Tenho boas e más notícias. - Doutor Hilbert arrumou os cabelos grisalhos. - A Tatiana está bem, a cirurgia não afetou em nada. Ela fala um pouco devagar, mas tem a ver com o estado de coma a muito tempo.- Essa é a má notícia?- Me arrumei na cadeira.- Não. A má notícia é que ela perdeu a sensibilidade das pernas. - Ele pegou uns exames e pousou em cima da mesa. - Vai demorar um tempo para ela andar, ou talvez nunca mais.- Nem se operar? - Minha voz ficou presa.- Não tem cirurgia, ela tem o prazo de um ano, se não andar dentro desse prazo, ela não anda mais.Saí da sala derrotado, não sei se teria coragem de olhar para ela e saber que nunca mais iria vê-la correndo, ou andando à cavalo.Precisei ir ao banheiro para molhar o rosto. Me encarei no espelho. Mais magro, minha barba estava por fazer, meu cabelo estava um pouco maior. Um trapo, era isso que eu havia me tornado. Queria ir para casa, tomar um banho e me arrumar, mas eu queria que ela me olhasse como realmente sou.Ant
- Bom Dia. - Doutor Hilbert passou pela porta .- Será que podemos ter uma palavrinha?Às oito e meia da manhã, depois de ter uma enfermeira entrando no meu quarto de hora em hora. Podia ter dito não, mas me esforcei para me endireitar na cama, esfreguei os olhos, e nem me importei com o tamanho que meu cabelo deveria estar.- Sim, claro. - Ele Sorriu para mim. - E, bom dia, Doutor.- Temos que conversar sobre sua saúde de agora em diante. - Ele esperou eu afirmar com a cabeça. - Você teve um pulmão perfurado, é normal que se sinta cansada ou tenha crise de asma com mias frequência. Também teve um coágulo pequeno, e pode ser que tenha dores de cabeça muito fortes, preciso que tome seus remédios e faça tudo o que for prescrito. E a questão de andar...- Por favor, eu sou uma profissional, sei que minhas chances de andar são poucas. - Embora tentei soar firme, minha voz falhou.- Você teve uma fratura na espinha. Não foi grave, de toda forma, mas ainda sim delicada. Vai precisar de muit
Muitas horas depois. Afinal, tivemos que parar em todos os postos pelo caminho. Senti o cheiro característico da minha cidade. O cheiro que faria muita mulher franzir o nariz.- Chegamos. Meu pai disse.Continuei de olhos fechados, controlei a respiração, e mesmo assim levei um cutucão no rosto.- Sei que está acordada. Seus olhos estão se movendo e você não abriu a boca. Abri um olho de cada vez e fingi me espreguiçar, meu pai sorriu sabendo que eu estava mentindo tão mal. Procurei pelo Marcelo, o porta malas estava aberto, pouco tempo depois ele passou com as malas.-Pai.- Chamei meu pai para perto.- Ele vai ficar quanto tempo aqui?- Até você estar bem o suficiente para sair por aí fazendo cagada.- Ele forçou um sorriso.- Agora vamos, você precisa descansar.Esperei ser pega no colo, ou obrigada a arrastar as pernas, mas meu pai tirou uma cadeira de rodas, montou e trouxe até a porta do carro.Ele apontou para ela e disse algo, que não ouvi. Só aquela visão foi capaz de acabar co
Acordei com o gosto amargo na boca. Acho que esse é o gosto de traição. A pior traição é aquela que vem de um ente querido. Meu irmão não pode tomar as minhas decisões, muito menos mentir por mim.Meu quarto estava escuro, e não era pela cortina fechada, eu não dormi nada, fechava os olhos e já os abria, assustada pensando ainda estar no acidente, até sonhei deitada no chão, ao invés de estar sendo socorrida, as pessoas diziam coisas do tipo, ''coitada da moça, morreu tão jovem''. Isso me causava uma enorme dor de cabeça.Com muita dificuldade consegui acender o abajur, sentei na cama e me esforcei até alcançar a cadeira de rodas, outro esforço maior até me mover e enfim, me sentar nela.Para abrir a porta foi outro sacrifício, por vezes eu cheguei até xingar meu arsenal de palavrões. Mas, consegui, e saí do meu quarto.Passei pelo corredor e fui em direção à porta, porém, com o canto do olho percebi uma movimentação na sala. Se eu andasse, iria em ponta de pés, mas a cadeira faz o ma
- Bom Tatiana, tenho uma ótima notícia para você. - Cristina minha colega de trabalho, seria minha fisioterapeuta. -Não sei o que te disseram, mas você pode sim andar, claro que terão as dificuldades, mas com o tempo você volta a andar normalmente. - Percebendo meu olhar ela completou. - Mas você é uma ótima profissional, sabe o que estou falando. Não quero ser...- Não. - A interrompi. - Só, vamos fazer. Não estou aqui para mandar e desmandar. - Pelo menos até ela pensar em ser rude, como fazia com alguns pacientes.Vitor preferiu ficar do lado de fora, ele o Marcelo andaram se bicando no carro, e por fim tiveram uma breve discussão sobre quem iria me levar até a sala. Não dei preferência a nenhum dos dois, até porque eles poderiam se pegar na minha frente, e eu não queria pagar esse mico.Marcelo observava tudo atentamente do canto da sala. Não queria bancar a louca, mas a Cristina estava quase arrancando a calcinha e se jogando nele. Revirei os olhos e imaginei se por algum acaso
— Tati! Chegou um e-mail para você! – Minha querida mãe vinha gritando como se eu fosse uma vaca em fuga. — E desce logo desse cavalo menina!- Mãe pelo amor de Deus, já te disse, cavalo também tem sentimentos.- Deixe de besteira, e procura logo esse e-mail. – Ela me entregou o celular.Deixei meu celular com a minha mãe mais cedo, disse a ela que chegaria um e-mail, e ela podia abrir. Olhando nos olhos dela vi que minha mãe não abriu pelo mesmo sentido que eu estava ali. Medo.Respire fundo, limpei os dedos suados na calça suja e abri o e-mail que a faculdade havia de mandado.— Você vai pra faculdade? – Ela chegou perto de mim e forçou as vistas. — Vai ou não?Comecei a gritar, e sai correndo para avisar meu pai. Minha mãe corria atrás de mim, tadinha, não disse sim nem não. Entrei em casa e me joguei nos braços do meu pai, o celular foi parar no chão.— Fico feliz por você Tati. Já sabia que você conseguiria. Afinal, puxou pro pai.Depois de alguns tapas na perna, lições de moral
— Te amo filha.— Mãe credo! Não chora tá! Daqui á duas semanas estou aqui de novo.— Eu sei, mas você sempre vai ser minha pequena.Abracei minha mãe pela enésima vez e, entrei no carro.— Partiu São Paulo. – Meu pai me olhou de lado.Tinha um medo terrível de sofrer com piadinhas. Aqui em São Carlos me chamavam de Filha do Curupira, ou Caipora. Cabelo de fogo foi o mais bonitinho. Isso tudo por causa dos meus um metro e sessenta, e se não bastasse, meus cabelos ruivos dão o toque final. Já sofri muito bullyng, mas nem ligo. Gosto de usar jeans, camiseta e botas. Nada de vestidos, brincos, muito menos maquiagem. Fico igual ou pior que uma palhaça as vezes. E não é nada pratico quando tenho que ajudar meu pai na roça.No caminho, paramos tanto que nem achei que íamos chegar nessa semana, meu pai ia me levar e trazer o amigo dele pra passar uns dias lá em casa.O clima era de tensão, da minha e da parte dele.Conversamos bastante, rimos e quando o assunto ia ficar xoxo conectei meu cel
Meu pai foi embora na madrugada do dia seguinte e levou Marcus e a esposa, para passar uns tempos com eles.Não antes da Paula prometer que o Marcelo ia comigo todos os dias até a faculdade, enquanto eu não soubesse o caminho, que por sinal era mais perto do que pensei.O misterioso vizinho do lado nem dava sinal de vida. Eu morava praticamente sozinha na cobertura. Tinha uma piscina não muito funda que dividia com ele. A água era uma delícia.Meus dias foram assim, revólver as coisas da faculdade, televisão, comer besteiras, piscina, telefonar para minha mãe, e cama.No domingo resolvi deixar aquela vida ótima e fui estudar um pouco, não queria passar vergonha.Foi aí que o misterioso vizinho deu as caras.Primeiro algum doente mental pulou na piscina, e deu um grito, que me fez correr pra porta do quarto com o coração batendo loucamente. Depois eu ouvi risadas, e o nome dele repetidZ vezes.— Vamos logo Marcelo! .— Cara, vamos ter faculdade amanhã, por isso vamos beber até cair. –