-Já faz horas que eu estou aqui, e ainda não me deram notícias sobre a moça.-De minuto em minuto eu ia ao balcão, mas a enfermeira nunca me falava nada.-Por favor. Eu preciso saber dela.Estava tão desesperado que daria qualquer coisa por uma única palavra. Fiquei de cabeça baixa, até perceber que ela já tinha saído.-Senhor.-Ela tocou meu ombro.-O Doutor vai falar com você.Passei por uma série de salas, até entrar na última. Era pequena, só havia uma mesa de madeira e uma cadeira. O Doutor estava sentado olhando uns exames.-Entra.-Ele apontou a cadeira sem olhar na minha direção.-Desculpa, eu só quero saber notícias da Tatiana.-Temos que conversar.-Ele respirou fundo.-A Tatiana teve três costelas quebradas, um pulmão perfurado, lesões na coluna, um coágulo no cérebro, pequeno, mas ainda assim perigoso . Enquanto dava entrada o hospital ela teve uma parada respiratória, mas por sorte conseguimos trazê-la de volta. Já passou por cirurgia para conter o coagulo e está agora se prepar
- Posso falar com você?Continuei mirando meu café, que a essas horas já devia estar frio.-Claro. - Levantei a cabeça e o olhei por um tempo.Vitor se sentou na minha frente, com uma xícara de café fumegando. Ele tinha um olhar triste, resultado de alguma decepção. Tomei um último gole do meu café observando as pessoas ao meu redor. Tanta tristeza e alegria em um mesmo ambiente.- Ela me contou sobre vocês. - Ele quebrou o silêncio.- Vocês dois estavam saindo? - Cravei os olhos em Vitor.-Saímos, uma vez, - Ele abaixou o olhar. - Ela era fisioterapeuta da minha sobrinha.-Não precisa dar explicações, nós não estamos juntos a muito tempo. - Tive raiva de mim mesmo por dizer as malditas palavras.- Olha cara, a Tati foi um anjo que apareceu em nossas vidas. Ela não só ajudou a Tiffany a se reabilitar. Minha sobrinha sofria um trauma, e foi a Tati quem ajudou com isso. Ninguém deu ouvidos para a Tiffany, até a Tatiana aparecer nas nossas vidas. Eu sabia que ela também era tão quebrada
Três Meses depois...- Você não pode se desesperar Marcelo. - Roberto andava de um lado para o outro.- A Rebecca está lá dentro com ela, tem que ter fé.Três meses dentro do hospital. No começo foi horrível, tive medo de ser julgado pelo Daniel por ter quase matado a filha dele. Até que dei de cara com ele e acabamos conversando.- Me desculpa. Me sinto um lixo.- Não foi só culpa sua. Foi minha por ter deixado ela vir, e dela também, por ter escondido essa história de você.Acabei fazendo um trato com ele. Daniel passava o dia e eu a noite com a Tati. Vitor voltou para São Carlos e buscou a mãe dela, nem gosto de me lembrar do desespero, não dá mãe, mas do Júlio, foi horrível.A porta do quarto se abriu e Rebecca saiu chorando, secou as lágrimas e se jogou nos braços do Roberto.- O Doutor quer falar com você.Antes que eu falasse alguma coisa, ele me chamou. Então tomei a coragem que já não tinha a muito tempo, e entrei.- Bom dia, Doutor Hilbert.- Bom Dia.- Ele me deu uns papéis q
- Bom. Tenho boas e más notícias. - Doutor Hilbert arrumou os cabelos grisalhos. - A Tatiana está bem, a cirurgia não afetou em nada. Ela fala um pouco devagar, mas tem a ver com o estado de coma a muito tempo.- Essa é a má notícia?- Me arrumei na cadeira.- Não. A má notícia é que ela perdeu a sensibilidade das pernas. - Ele pegou uns exames e pousou em cima da mesa. - Vai demorar um tempo para ela andar, ou talvez nunca mais.- Nem se operar? - Minha voz ficou presa.- Não tem cirurgia, ela tem o prazo de um ano, se não andar dentro desse prazo, ela não anda mais.Saí da sala derrotado, não sei se teria coragem de olhar para ela e saber que nunca mais iria vê-la correndo, ou andando à cavalo.Precisei ir ao banheiro para molhar o rosto. Me encarei no espelho. Mais magro, minha barba estava por fazer, meu cabelo estava um pouco maior. Um trapo, era isso que eu havia me tornado. Queria ir para casa, tomar um banho e me arrumar, mas eu queria que ela me olhasse como realmente sou.Ant
- Bom Dia. - Doutor Hilbert passou pela porta .- Será que podemos ter uma palavrinha?Às oito e meia da manhã, depois de ter uma enfermeira entrando no meu quarto de hora em hora. Podia ter dito não, mas me esforcei para me endireitar na cama, esfreguei os olhos, e nem me importei com o tamanho que meu cabelo deveria estar.- Sim, claro. - Ele Sorriu para mim. - E, bom dia, Doutor.- Temos que conversar sobre sua saúde de agora em diante. - Ele esperou eu afirmar com a cabeça. - Você teve um pulmão perfurado, é normal que se sinta cansada ou tenha crise de asma com mias frequência. Também teve um coágulo pequeno, e pode ser que tenha dores de cabeça muito fortes, preciso que tome seus remédios e faça tudo o que for prescrito. E a questão de andar...- Por favor, eu sou uma profissional, sei que minhas chances de andar são poucas. - Embora tentei soar firme, minha voz falhou.- Você teve uma fratura na espinha. Não foi grave, de toda forma, mas ainda sim delicada. Vai precisar de muit
Muitas horas depois. Afinal, tivemos que parar em todos os postos pelo caminho. Senti o cheiro característico da minha cidade. O cheiro que faria muita mulher franzir o nariz.- Chegamos. Meu pai disse.Continuei de olhos fechados, controlei a respiração, e mesmo assim levei um cutucão no rosto.- Sei que está acordada. Seus olhos estão se movendo e você não abriu a boca. Abri um olho de cada vez e fingi me espreguiçar, meu pai sorriu sabendo que eu estava mentindo tão mal. Procurei pelo Marcelo, o porta malas estava aberto, pouco tempo depois ele passou com as malas.-Pai.- Chamei meu pai para perto.- Ele vai ficar quanto tempo aqui?- Até você estar bem o suficiente para sair por aí fazendo cagada.- Ele forçou um sorriso.- Agora vamos, você precisa descansar.Esperei ser pega no colo, ou obrigada a arrastar as pernas, mas meu pai tirou uma cadeira de rodas, montou e trouxe até a porta do carro.Ele apontou para ela e disse algo, que não ouvi. Só aquela visão foi capaz de acabar co
Acordei com o gosto amargo na boca. Acho que esse é o gosto de traição. A pior traição é aquela que vem de um ente querido. Meu irmão não pode tomar as minhas decisões, muito menos mentir por mim.Meu quarto estava escuro, e não era pela cortina fechada, eu não dormi nada, fechava os olhos e já os abria, assustada pensando ainda estar no acidente, até sonhei deitada no chão, ao invés de estar sendo socorrida, as pessoas diziam coisas do tipo, ''coitada da moça, morreu tão jovem''. Isso me causava uma enorme dor de cabeça.Com muita dificuldade consegui acender o abajur, sentei na cama e me esforcei até alcançar a cadeira de rodas, outro esforço maior até me mover e enfim, me sentar nela.Para abrir a porta foi outro sacrifício, por vezes eu cheguei até xingar meu arsenal de palavrões. Mas, consegui, e saí do meu quarto.Passei pelo corredor e fui em direção à porta, porém, com o canto do olho percebi uma movimentação na sala. Se eu andasse, iria em ponta de pés, mas a cadeira faz o ma
- Bom Tatiana, tenho uma ótima notícia para você. - Cristina minha colega de trabalho, seria minha fisioterapeuta. -Não sei o que te disseram, mas você pode sim andar, claro que terão as dificuldades, mas com o tempo você volta a andar normalmente. - Percebendo meu olhar ela completou. - Mas você é uma ótima profissional, sabe o que estou falando. Não quero ser...- Não. - A interrompi. - Só, vamos fazer. Não estou aqui para mandar e desmandar. - Pelo menos até ela pensar em ser rude, como fazia com alguns pacientes.Vitor preferiu ficar do lado de fora, ele o Marcelo andaram se bicando no carro, e por fim tiveram uma breve discussão sobre quem iria me levar até a sala. Não dei preferência a nenhum dos dois, até porque eles poderiam se pegar na minha frente, e eu não queria pagar esse mico.Marcelo observava tudo atentamente do canto da sala. Não queria bancar a louca, mas a Cristina estava quase arrancando a calcinha e se jogando nele. Revirei os olhos e imaginei se por algum acaso