Levantei e encarei no fundo de seus olhos verdes, pegando a guia do cachorrão:— Eu... Acho melhor ir para um Hotel. Eu sinto muito pelo... Meu cachorro ter sido arranhado pelo mal-educado do seu gato. — Saí pelo corredor, praticamente puxando Gatão, que não queria ir.— Aonde... Você vai? — Theo perguntou, aturdido, seguindo-me.— Vou pedir para Greg levar minhas malas de volta.— Greg? Quem é Greg? — Málica perguntou.— O porteiro — esclareci. — Você não sabe o nome do porteiro?— Não era Gregório? — Ela olhou para Theo.— Há quanto tempo você vem aqui? — a questionei. — Porque eu já tenho intimidade com o porteiro. E agora vou ter que ir para outro lugar, frio, solitário, que aceite cachorros machucados... E mulheres com corações partidos. — Fiz beiço e virei as costas, quase chorando.Não me deixe ir, Theo, por Deus, não me deixe ir!— De onde essa mulher saiu? — Ouvi a voz de Málica, já não tão dócil e gentil.— Dos braços da minha mãe... E depois ainda me tirou da lata de lixo —
— Maria Lua não sabe sequer onde fica o fogão na nossa casa. — Ele fez questão de dizer.— Pois saiba que já cozinhei pratos saboroso. — Me gabei, numa bela mentira.— Onde? — Theo gargalhou, enquanto servia-se de um pedaço de bolo.— Na casa de Robin — menti de novo. — Ele tinha... Um fogão. E inclusive... Panelas.Os dois começaram a rir e aquilo não me agradou. Mas fechar-me em mim mesma estava fora de cogitação. Para não ficar chateada, comi mais bolo de amendoim. Doces me faziam bem. E me alegravam.No terceiro pedaço, comecei a enjoar. Empurrei o prato, com um pouco de bolo ainda.— Espero... Que tenha gostado — Málica disse de forma simpática.— Eu gostei. Gostei tanto que até enjoei. Acho que nunca mais vou comer bolo de amendoim na vida.Málica abaixou a cabeça e Theo reprimiu:— Creio que esteja sendo pouco gentil com Málica, Maria Lua. Ela se esforçou muito para agradá-la, inclusive fazendo o bolo.— Quer dizer... Que agradar-me é fazer um “esforço”? — O encarei, aturdida.
— Eu odeio você, Theo. — Tranquei a porta.Gatão estava deitado na minha cama. Levantou a cabeça quando me viu e depois a ajeitou de novo no travesseiro.— Viu o que ele pensa de mim? — Pus as mãos na cintura. — Theo nunca acha que eu possa fazer algo de bom, entende? Ele me odeia... Assim como eu o odeio...Deitei ao lado de Gatão, alisando seu pelo sem que ele sequer abrisse os olhos. Toquei a parte ferida no focinho e fui até o banheiro, pegando uma toalha e limpando a área que foi unhada. Retirei o sangue e o cachorrão voltou a dormir.— Porra, você só dorme? Achei que iria me proteger, ser fiel e companheiro, já que veio da França para isto. Tudo que vamos fazer juntos é tirar uma soneca, creio eu. E agora temos que pensar no que faremos com o Fofinho. Ele é muito agressivo para morar nesta casa. Você é só um pobre filhote.Pobre Gatão, ouviu a palavra Fofinho e levantou os olhos, assustado. Sim, ele já sabia que o gato não valia nada. Era um animal traiçoeiro e sem coração.Deit
— Vou... Tirar esta roupa da rua. E tomar um banho — disse, me olhando. — Já volto para ficar com vocês.Sim, passou pela minha cabeça que seríamos nós dois. Mas não. Mais uma vez eu errei. Suspirei e fui até a sala, observando as fotos e demais itens de decoração.— Gosto da sua versatilidade com relação a roupas — Málica observou, já sem o avental de cozinha cobrindo parte de seu corpo. — Primeiro romântica, com rosa e branco. Agora um total Black, com vermelho para completar.— Sou assim... Gosto de variar: cabelos, maquiagens, roupas, sapatos... Homens. — Fui sincera.— Mas Theo disse que você já tem 24 anos. Não pensa em encontrar alguém para ficar... Para sempre?— Traí meu noivo... — Toquei a escultura de vidro sobre a mesa de centro. — Com meu primo postiço — expliquei.— Ah... — Ela ficou sem jeito.— Dimi é o tipo de homem que você não resiste, sabe? — Dei de ombros.— Eu... Sou a favor da fidelidade. Se estou com uma pessoa, serei fiel a ela. Se algum dia tiver vontade de t
— Theo! — Málica criticou a atitude dele.Ficamos nos olhando um tempo e percebi a fúria de Theo, pois suas narinas tremiam. Theo só ficava assim quando estava muito puto.— Não me trate como criança, porque não sou! — Levantei, jogando o guardanapo sobre a mesa.— Se não quer ser tratada como criança, aja como uma adulta.Desnorteada, saí dali, indo em direção ao quarto. No corredor, encontrei o gato malvado, que tentou assassinar meu cachorro. Fiquei imóvel e ele arqueou o corpo, ouriçando-se por completo. Iria me atacar?Morrer assassinada por um gato seria trágico. Pensei rápido e consegui abrir a porta em segundos, adentrando para o meu quarto em segurança.Gatão andava de um lado para o outro. Alguma coisa o incomodava e isso era visível.— Eu... Não consegui pegar comida para você. E nem teria coragem de lhe dar uma coxa, por exemplo. O animal à mesa poderia ter sido seu parceiro ou amigo. Aquela mulher é louca, Gatão. E Theo... Theo... Eu acho que Theo gosta dela...Sentei na
Respirei fundo, tentando me conter para não buscar um copo de vidro, que certamente melhoraria acústica. E claro que durou no máximo três minutos minha resistência em não invadir a privacidade do casal.Abri a porta sem fazer qualquer ruído e fui até a cozinha, pegando um copo. Na volta, deparei-me com Fofinho deitado no início do corredor e parei, amedrontada.O encarei e os olhos dele brilharam como dois diamantes na falta de claridade do recinto. Eu tinha medo dele. Mas a vontade de ouvir o que Theo e Málica falavam era maior. Passei praticamente correndo pelo gato e tropecei nos meus próprios pés.Para impedir que o vidro quebrasse, joguei-me no chão, aparando-o quase no limite, com meus cotovelos batendo no chão. Ouvi o estouro dos ossos na superfície lisa e fechei os olhos, mordendo os lábios para conter o grito de dor.Fiquei ali, sem condições de levantar. Até que senti o dito gato subindo por cima das minhas pernas, passando pelas nádegas, deitando nas minhas costas. Parecia
Depois daquela situação, Theo me evitou por um bom tempo. Embora eu tentasse fingir que nada tinha acontecido, para reaproximar-me, ele seguia fingindo que eu não existia.Meses depois ele voltou a perceber minha presença. Porque eu fazia de tudo para que Theo me notasse. Mas nunca mais foi a mesma coisa. Não nos cuidávamos, não olhávamos mais filmes juntos, não ficávamos um acompanhando o outro na escola e sequer íamos conversar antes de dormir, um no quarto do outro.Ben, por sua vez, só nos disse que aquilo não podia se repetir, já que éramos irmãos e se Babi e Heitor soubessem, ficariam decepcionados e chateados com a situação.A cena foi enterrada, junto de todos os sentimentos e lembranças, como se só de passar a situação pela minha cabeça fosse um crime.Levantei do chão, parecendo uma louca sádica na porta deles. Estava descalça e meus pés não faziam nenhum som quando eu caminhava. Abri a porta cuidadosamente e antes que a fechasse, Fofinho entrou, aproveitando minha distração
— Do meu gato? Por Deus, por que não me chamou? Isto aqui está feio...— Acha... Que quebrou o osso do meu cotovelo? — perguntei, a dor nem próximo do que senti na noite anterior.— Não, não quebrou. Se tivesse sido algo mais grave, não teria aguentado a dor. — Ele tocou levemente a pele machucada, com os dedos macios e quentes.Mordi o lábio e fechei os olhos, incerta se pela dor causada com o toque dele ou a forma delicada como fez aquilo.— Me desculpe por ontem... — Me olhou, ainda segurando meu braço.— Eu mereci... Me comportei mal.— Não quero que vá embora.— Por quê? — Me ouvi perguntando, implorando por uma resposta convincente.Percebi os olhos dele passando pelo meu colo e parando nos meus seios, que se retesaram imediatamente. Dei um passo adiante, para que ele pudesse me contemplar melhor, mesmo que tenha sido de forma involuntária.— Bom dia! — Málica parou na porta, o olhar confuso.Theo afastou-se de imediato, como se tivesse cometido um crime. Achei engraçada a cara