A manhã seguinte

Yara despertou pela manhã com os sons metálicos de máquinas cortando alguma coisa. Forçou-se a raciocinar sobre tudo que tinha ocorrido na noite anterior. Daniel ainda dormia na cama  ao seu lado. 

Após chegar na casa de Thais, ela lhe ofereceu a sua própria cama para que pudessem dormir e foi dormir no sofá com o gato.

Ela se lembrou da tragédia da noite anterior e imaginou como estaria a sua casa. Com certeza o conserto ficaria uma fortuna, por mais que estivesse recebendo sua licença-maternidade, provavelmente não conseguiria realizar a reforma e lidar com as novas despesas. Ela se sentou na cama, precisava ter um plano. Não podia mais levar a vida como se não houvesse amanhã. Forçou-se a pensar, talvez tivesse algum direito ou garantia para ao menos ajudar na reconstrução do telhado. Não queria pedir dinheiro emprestado da prima ou então do melhor amigo. Empréstimo no banco seria uma opção, mas tinha medo de ficar inadimplente e sujar o seu nome nas linhas de crédito. Levou as mãos nas têmporas e começou a massageá-las, uma dor de cabeça começou a surgir.

Foi retirada dos seus pensamentos por  sons de batidas na porta, que suavemente abriu.

— Bom dia, desculpe se te acordei…— disse Thais—... mas tomei a liberdade de ligar para a empresa de marcenaria de um amigo, eles estão retirando o galho, aproveitei e chamei a empresa de luz para retirar o poste caído.

Os olhos de Yara encheram-se de lágrimas mas tentou não demonstrar, atribuiu a emoção  ao alívio de um dos problemas ter sido solucionado em compensação, ainda teria o gasto com a reconstrução.

— Eu agradeço muito, agora preciso pensar em como irei arranjar dinheiro para reconstruir o telhado— explicou Yara com voz abatida —preciso pesquisar sobre os valores dessa reforma. 

Thais sentou-se ao lado de Yara na cama, sorriu ao observar que o sol já se adentrava pela persiana. Nem parecia o caos que fora a noite anterior, se não fosse pela rua estar com a equipe de trabalhadores com serras e a sujeira, ninguém diria sobre a tempestade.

— Conversei pelo telefone com o responsável pelo serviço de manutenção da prefeitura— explicou Thais— eles disseram que como a árvore e o poste não faziam parte da propriedade da casa, eles vão ajudar na reforma com trabalhadores, você só tem que dar entrada com a papelada.

Yara  envolveu rapidamente Thais em um abraço de gratidão. Um arrepio percorreu o corpo delas, nenhuma das duas parecia explicar a sensação de conforto.

Thais passou a mão delicadamente nas pontas dos cabelos castanhos de Yara, o cheiro adocicado da pele da vizinha a fazia lembrar dos mais encantadores sonhos que poderia ter, mas existiam fatores que jamais poderiam mudar, o que a fez se afastar do abraço.

Yara se sentiu abandonada após o abraço, quase como se estivesse construindo um castelo de areia e de repente o vento o levasse, foi então que lembrou-se da própria destruição da casa e a reconstrução.

A notícia dos trabalhadores acalmou um pouco a situação, pois arcar com os custos dos materiais seria bem mais fácil do que as despesas de uma reforma completa.

Daniel resmungou ao lado das duas, estava na hora de sua mãe amamentar, ele devia estar com fome. Yara se afastou mais um pouco de Thais, pegou Daniel nos braços e acertou a posição da boca em direção ao seio e abaixou a alça da camisola. Ele começou a mamar vigorosamente.

Thais observou a cena sorrindo de maneira pensativa,  não era fácil estar na pele de Yara, mas sentia uma grande paz ao vê-la como uma mãe corajosa. Olhou para seu relógio de pulso, era melhor sair logo para não se atrasar, ficou chateada por não ficar a manhã em casa. 

— Yara, preciso ir trabalhar, vou deixar as chaves com você — explicou Thais mostrando o relógio de pulso —  não se preocupe, eu fiz um café-da-manhã para você que está na mesa e na geladeira tem a marmitinha do almoço, coma à vontade.

Yara assentiu , enquanto Thais pegou a mochila e saiu em disparada em direção à garagem da casa. 

Thais dirigiu tranquilamente pelas ruas, ainda faltava um certo tempo para o primeiro atendimento. Sempre chegava cedo para organizar a sala de atendimento e também para conversar um pouco com Ângelo, o secretário.

A clínica era pequena, com uma sala de espera com cadeiras e um balcão, onde ficava Ângelo organizando a agenda e passando as orientações sobre valores pelo telefone e uma sala de atendimento um pouco maior, com alguns equipamentos e uma maca.

Assim que adentrou na clínica, Ângelo a olhou com desdém. Apontou para o relógio na parede. Uma pequena indireta. Chegou um pouco depois do horário de costume.

— Thata, isso são horas? — ironizou Ângelo enquanto olhava uma revista.

— Aconteceram algumas coisas ontem a noite, — tentou se explicar— minha vizinha e o bebê dela estão numa situação difícil, você acredita que um galho imenso e um poste cairam no telhado dela?

Ângelo fez uma cara de surpresa, morava próximo mas não tinha ficado sabendo. 

— Por acaso é a vizinha que você tem uma quedinha? — enfatizou o secretário.

Thais revirou os olhos, precisava trabalhar e não pensar na sua vizinha. Entrou na sua sala de atendimento, começou a arrumar para o primeiro paciente do dia. Lógico que tinha certos sentimentos por ela, cada vez mais que a conhecia, mais se encantava. Sem falar no filho Daniel, um bebezinho tão fofo e tranquilo. Olhou novamente para o relógio, ainda faltava muito para ir embora,  precisava tirar as visões da vizinha da mente, tinha que trabalhar o dia todo até quase às 19hrs.

Enquanto isso, Yara ajeitou o decote da camisola larga, sem soltar Daniel dos seus braços, escorregou as pernas desnudas para fora da cama.  Começou a reparar nos detalhes do quarto. Tinha uma janela grande, com uma persiana neutra, uma cama de casal, um armário embutido e uma mesinha de cabeceira. As paredes brancas pareciam nuas, sem sequer um quadro para decorar. 

Seguiu pelo corredor e encontrou na cozinha um café-da-manhã disposto na mesa. Com café puro, pão de forma, biscoitos e uma geleia de frutas. Era uma verdadeiro banquete, nunca imaginou que Thais fosse tão cuidadosa. Sentou-se na cadeira com Daniel em seu colo e se serviu. Precisava se alimentar bem para ter bastante leite para seu bebê.

Quando terminou de comer, resolveu não deixar bagunça para Thais , lavou a louça, arrumou a cozinha de maneira intuitiva pois não sabia onde se guardava cada coisa. 

Olhou para o relógio da cozinha, marcava dez horas da manhã, pela janela conseguia ver um lindo dia ensolarado.

Talvez estivesse apenas evitando fazer o que precisava ser feito. Afinal precisava saber qual o estado real da casa e o quanto seria necessário gastar com a reforma.

— Daniel, precisamos ver a nossa casa— falou Yara olhando nos olhos do seu bebê— temos que encarar a realidade.

Respirou fundo. 

Seguiu pela porta da frente e caminhou em direção a sua casa. Os trabalhadores ainda retiravam o galho e verificavam as árvores nas proximidades. 

A visão da casa parcialmente destruída fez seus olhos encherem de lágrimas. Seu porto seguro e do seu filho, precisaria de uma reforma extensa. A casa tinha sido a herança de seu avô, vê-la destruída era sinônimo de mais um fracasso na sua lista  de coisas que não deram certo.

 Ela olhou para o seu filho, precisava ficar forte por ele, já não era mais uma adulta inconsequente como sempre fora. Precisava de foco. 

A casa estava com metade do telhado em pé. A sala de estar e parte da cozinha haviam sido atingidas pelo galho. Parte da garagem e do muro também estavam destruídos. Madeira, cimento e vidro se misturavam na calçada enquanto os trabalhadores cortavam e retiravam a árvore. 

Apesar de Yara tentar se manter calma, a imagem de destruição à sua frente a deixavam a beira de um ataque de pânico. Suas mãos estavam trêmulas, a boca seca e o coração parecia querer sair do seu corpo. Precisava se acalmar.

Retornou rapidamente para a casa de Thais, pegou o celular e ligou para Ariadne.Percebeu que a linha estava ocupada. Desligou. Havia começado a ficar mais apreensiva, precisava conversar com alguém para se livrar dos sentimentos ruins.Precisava conversar com alguém para não desabar. 

Ligou para Guilherme. Pelo horário, ele já estaria acordado.

O celular fez a ligação e logo a chamada foi completada.

— Alô, Gui?

— Oi Yarinha, sua voz está estranha, aconteceu algo?

Yara se segurou para não chorar, precisava ser prática. Prática como Thais que conseguiu resolver uma parte do problema.

— Sabe a tempestade de ontem? — Yara mordeu o lábio para segurar as lágrimas — ela derrubou um galho imenso e um poste no telhado da minha casa.

Ela percebeu uma pequena pausa na ligação.

— E você e Daniel estão bem?

— Sim, a Thais me acolheu na casa dela — disse Yara com a voz embargada— ela também ligou para empresa de um amigo dela para cortar o galho e me disse que eu preciso fazer uma papelada na prefeitura para reconstruir o telhado.

Yara começou a chorar, estava exausta e sem rumo.

— Yarinha, eu sei que você tá arrasada, mas precisa manter a cabeça sã e não se desesperar do mesmo jeito que você fez quando…— Guilherme ficou em silêncio por alguns segundos — ...se você quiser, eu te ajudo a resolver essa parte da papelada da prefeitura.

— Eu agradeço.

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