Depois de se despedir do último paciente, Thais tirou o jaleco longo e branco, alongou a coluna que fez alguns estalos, sentiu a tensão muscular na região lombar. Havia atendido muitos pacientes complexos e agora começava a pagar o preço. Ela sabia que se não se cuidasse poderia começar a ter dores na coluna. Mas antes de ir embora, a sala de atendimento precisava ser limpa e arrumada para o dia seguinte, algo que Thais realizava com muito esmero.
Estava exausta, sempre se perguntava o por quê lotava tanto agenda, tinha chego num ponto da carreira que poderia se dar ao luxo de ter mais tempo livre para, quem sabe, desenvolver um hobbie. Sempre quis aprender pole dance, mas sempre empurrava com a barriga para fazer em algum momento do futuro. Abaixou-se para pegar o pano de chão, ouviu um crack.
Suas costas estavam piorando de dor, seus pés estavam cansados e sua mente precisava de uma taça de vinho tinto.
Ângelo entrou de supetão, enquanto ela já finalizava a arrumação. Ele havia ficado inquieto o dia todo, parecia ansioso, Thais sabia que ele adorava uma fofoca e por isso evitou o dia todo de contar tudo sobre o ocorrido na noite anterior para ele. Era divertido vê-lo negar que não era fofoqueiro.
— Thata, não vai me contar o que houve? — perguntou o secretário fazendo carinha de dó — preciso saber para poder dormir em paz esta noite.
Thais deu uma risadinha enquanto terminava de varrer a sala de atendimento.
— Fico contente que minha vida seja tão interessante para você— ironizou— mas minha vizinha é azarada, um galho e um poste cairam no telhado da casa dela e aí, eu a convidei para passar a noite, só isso.
Ângelo cruzou os braços e sorriu de maneira maliciosa, com uma voz que se parecia com o guizo de uma serpente, perguntou.
— E deixa eu adivinhar, você chamou a empresa do Hélio para cortar o galho, acertei?
Thais olhou de cara feia para ele. Para sua infelicidade, Ângelo era muito empático e sempre parecia saber o que ela iria fazer, vestir e até sentir nas situações.
— Eu também liguei na prefeitura para saber se podiam fazer algo— ela admitiu— além de fazer um café da manhã e almoço, mas eu não fiz isso esperando algo em troca.
Ângelo descruzou os braços e inclinou a cabeça para o lado. Com o tom de voz mais suave, advertiu.
— Minha querida, eu sei que você nunca faria isso esperando algo em troca, mas eu também sei que após a morte de Alexandra, você quebrou muito esse coraçãozinho com meninas que nem lésbicas eram, eu só quero que você tome cuidado, tá?
Thais sabia que não era por mal que Ângelo era tão protetor com ela, inúmeras vezes havia desabafado com ele sobre suas paixões não correspondidas e suas maiores frustrações amorosas. Ele e o marido dele eram verdadeiras bençãos em sua vida, sabia que sempre poderiam contar com eles.
— Ângelo, eu prometo que não irei me magoar, mas agora você tem que ir para sua casa, seu marido está esperando.
Ela apontou o relógio da parede.
— Como sempre arrumando uma maneira de fugir dos meus conselhos— implicou Ângelo — mas preciso ir embora, até amanhã.
Ele deu uma piscadela e saiu da sala.
Thais olhou para o relógio na parede, já devia estar em casa naquele horário.
Questionou-se se estava evitando encontrar com Yara, no fundo sabia que Ângelo estava certo. Não podia se dar ao luxo de ter seu coração partido de novo, após a morte de Alexandra, não tinha conseguido nenhuma namorada que correspondesse seus sentimentos.Após tantos “não”. ela estava cansada de quase implorar para que a amassem.
Thais fechou as portas da clínica e retornou para casa.
Yara estava cansada, tinha ficado mais de duas horas no celular conversando com Guilherme. Ele havia conseguido dar entrada com algumas coisas do protocolo na prefeitura, mas ela ainda teria que ir até lá e assinar documentos, portanto o serviço ainda poderia demorar um tempo. A verdade é que o protocolo ainda precisaria passar por um extenso processo burocrático. Carimbos e assinaturas de vários departamentos.
Yara passou o dia pesquisando o que seria necessário para ter êxito com o pedido na prefeitura. Não seria um caminho fácil.
Seu estômago roncou de fome, a ansiedade não a deixou comer todo o almoço que Thais havia preparado, embora estivesse muito saboroso.
Daniel começou a chorar, foi então que ela se deu conta do horário, eram quase sete horas da noite. Não sabia ao certo a hora que Thais retornaria para a casa, mas se certificou de preparar algo simples para ela depois que amamentasse.
Depois de cuidar do filho e o deixar dormindo, ela cozinhou macarrão, fez um molho simples de tomate e alguns vegetais cozidos no vapor.
Experimentou para verificar se precisava de sal. Havia ficado saboroso, mas não ficou com uma apresentação bonita no prato.
Assim que terminou de cozinhar, Yara se serviu de um prato e sentou-se no sofá, ao lado de Greg. Forçou-se a comer um pouco mais do que o almoço. Ela notou o quanto o gato estava em um sono profundo, não era à toa, talvez ele tivesse vindo quebrado de fábrica, porque o dia todo ficava brincando e pulando em todo o lado.
Após um longo dia de trabalho, Thais enfim estacionava o carro na garagem, desembarcou e logo foi entrando dentro da casa. Retirou os sapatos e abriu a porta.
Deparou-se com Yara jantando no sofá da sua sala ao lado do seu gato. Por mais estranho que parecesse, era uma imagem com aura familiar. Normalmente, quando retornava para casa, era recebida pelo Greg, logo ia para a cozinha e fazia uma janta rápida e organizava um pouco a casa, mas desta vez a quebra da rotina a deixou com um sorriso no rosto.
Quando Yara se deu conta do retorno da vizinha para casa, lembrou-se do que havia preparado.
— Oi Thais, fiz comida para você— informou Yara sorrindo discretamente— está dentro do forno.
O sorriso sincero de agradecimento apareceu no rosto de Thais, dava para ver o quanto ela estava cansada, as olheiras ao redor dos olhos denunciavam a falta de sono da noite anterior.
— Agradeço, eu cheguei super quebrada hoje— respondeu Thais— Vou tomar um banho e já volto.
Yara assentiu com a cabeça. Foi verificar Daniel que já estava de banho tomado e com um delicioso cheiro de talco com leves toques de lavanda. Ela cheirou a cabecinha do filho, como os produtos dos bebês são tão cheirosos. Questionou-se se Daniel poderia usar talco de neném até os vinte e cinco anos. Ele resmungou um pouco, com medo de que pudesse ser de fome, ela já o levou para mamar.
Thais tomou um banho rápido, se lembrou de colocar um pijama mais apresentável, normalmente dormia com qualquer roupa velha e desgastada que tinha no guarda-roupa, mas como tinha visita, não custava nada colocar algo mais decente.
Após Daniel terminar de mamar, Yara trocou de posição para carregá-lo, era preciso fazê-lo arrotar antes de colocar para dormir enquanto isso, Thais chegou na cozinha e esquentou um prato que Yara havia cozinhado.
Sentou-se na cadeira. A aparência não era das melhores, mas Thais colocou uma garfada generosa na boca, o sabor estava razoável. Não era um banquete, mas dava para quebrar um galho.
Enquanto isso, Yara balançava delicadamente em seus braços Daniel até ele pegar no sono. Foi rápido, com a barriguinha cheia e com sono, logo foi colocado na cama para dormir. Ela se dirigiu até a cozinha.
Thais estava comendo com tranquilidade de um monge.
De certa forma, Yara sempre a viu como uma mulher bonita, lembrava-se de olhar a vizinha correndo de noite pela janela da sala. Ela sempre se vestia com um short azul escuro colado e uma camiseta de corrida. Sempre admirou a coragem dela de correr nas ruas sem medo de ser assediada. Mas também sempre a achou sensual. Por algum motivo, as suas coxas grossas sempre chamavam a sua atenção, assim como suas feições delicadas. De repente, o molho do macarrão escorreu uma gota nos cantos dos lábios de Thais, ela num impulso passou o polegar para limpar e olhou fixamente para Yara com seus olhos grandes e penetrantes.
O corpo todo arrepiou, enquanto que a mente divagou em direção a luxúria e imaginou o que aqueles lábios poderiam fazer, que prazeres aquela boca poderia proporcionar.
Rapidamente Yara se censurou, ela era a sua vizinha. Uma pessoa maravilhosa que a estava ajudando e não uma pessoa que ela queria levar para a cama, por Deus, a atração sexual repentina e absurda havia vindo, precisava urgentemente se afastar da vizinha. Considerá-la apenas sua vizinha, amiga e…
— Yara, você tá bem? — perguntou Thais confusa — Você tá parada aí, me olhando esquisito.
Yara enrubesceu. Como podia ter dado este deslize imenso? Apostava que Thais era esperta, se não fosse, não seria fisioterapeuta e nem teria sua própria clínica.
— Não é nada — disfarçou Yara — apenas estava pensando sobre a questão da prefeitura e quanto tempo ficarei sem a minha casa…
Thais havia terminado de comer, sua fisionomia estava mais séria. Parecia com a cara de um cientista que precisava resolver uma questão difícil.
— Eu tenho uma paciente que é chefe de um departamento dentro da prefeitura, caso precise posso dar um jeito de acelerar seu processo— explicou Thais.
Yara deu pulinhos de alegria por toda a cozinha e lançou os braços ao redor de Thais, agradecendo. A alegria dela sempre foi contagiante, parecia uma criança que havia acabado de ganhar brigadeiro. Thais retribuiu o abraço e logo Yara começou a dar pequenos beijinhos de gratidão: no topo da cabeça, na testa, na bochecha…
Num reflexo primitivo, Thais virou a cabeça em direção a Yara. Os lábios tocaram por milésimos de segundos.
As duas se repeliram como imãs.
As duas trocaram olhares, algo muito maior dentro delas pareciam entrar em um processo de ebulição.
Yara afastou-se rapidamente, com o rosto avermelhado, conseguia sentir as bochechas queimando como se alguém tivesse jogado brasas em sua pele.Thais empalideceu, por um segundo duvidou de sua sanidade, perguntou se realmente por milésimos de segundos ela havia sido beijada.As duas ficaram se entreolhando, por sorte, Daniel resmungou e Yara ficou aliviada por ter uma desculpa para sair da cozinha.Thais observou enquanto saía e deu um sorrisinho levando uma das mãos aos lábios, estava contente e um pouco envergonhada. Pegou o celular e mandou uma mensagem de áudio sussurrando para Ângelo.— Acho que minha vizinha me beijou.De repente começou a sentir o
Yara retornou rapidamente para o quarto.O coração queria sair pela boca, as mãos tremiam e a boca estava seca.Retirou os fones de ouvido, a imagem da mulher nua no banho havia sido demais para ela, precisava se afastar fisicamente de Thais. quanto mais rápido conseguisse arrumar a casa, mais cedo se afastaria da atração estúpida e sem sentido que não fazia a menor ideia de onde tinha vindo.Sentou-se na cama. Respirou fundo algumas vezes.Após se acalmar, percebeu o quanto estava sendo ridícula ao querer repelir Thais, afinal ela foi a única que não mediu esforços para ajudar. Ela havia enfrentado uma tempestade, entrou nos escombros e lhe deu abrigo, ela havia feito mais por ela do sua própria família. Pr
Guilherme dirigia com calma seu carro prata pelas ruas da cidade, até demais para o gosto de Yara. Talvez o amigo estivesse com medo de dirigir com um bebê a bordo. Mas não tinha outra escolha, não tinha com quem deixá-lo, Ariadne estava trabalhando e outras pessoas da família não queriam nem saber dela, inclusive a mãe dela.Como não tinha carro, não achou que fosse necessário comprar um bebê conforto para transportar Daniel. Olhava a todo o momento pela janela e pelos espelhos retrovisores, estava apreensiva com receio de algum policial multá-los pela falta de segurança.Por sorte, não encontraram nenhum policial ou guarda de trânsito pelo caminho, logo o subúrbio de casas antigas foi dando lugar a pequenos prédios de cinco andares,
Thais entrou em sua clínica, um dia longo e trabalhoso iria se iniciar. O balcão estava um caos. Era uma situação incomum. Para a sua surpresa e descontentamento, havia prontuários acumulados, algumas fichas de evolução soltas e canetas espalhadas.Aquilo era estranho, ela se aproximou e observou por alguns instantes em silêncio, Ângelo parecia uma criança animada que ganhou um brinquedo novo de Natal, fazia poses engraçadas e dancinhas. Ela se deu conta, que talvez fosse o celular.Ângelo não se deu conta da chegada da amiga, estava fascinado com seu novo celular, pela primeira vez teria um decente para tirar fotos e se divertir nas redes sociais. Quando foi tirar mais uma, Thais rapidamente o abraçou e sorriu para conseguir ser capturada na fotografia.
A papelada fazia a cabeça de Yara doer. A prefeitura fornecia o serviço, desde que preenchesse inúmeros formulários e fossem carimbados pelo cartório da cidade. Além disso, havia a possibilidade de ter que pagar uma multa caso não fizesse corretamente toda a burocracia. Não seria tão fácil quanto havia se informado, mas ela não poderia se dar ao luxo de desistir. Daniel era apenas um bebê e precisava de um teto para viver. Após sair do guichê de atendimento segurando o filho, Yara percebeu que poderia começar a dar entrada em alguns protocolos, pelo menos poderia facilitar o trabalho que teria. Guilherme estava perplexo, jamais havia pensado que era tão burocrático, algo que era um direito de uma pessoa em situação de vulnerabilidade, afinal, ela era uma mãe solo sem a única casa que chamava de lar. Yara respirou fundo, a cabeça estava latejando mas não
Thais se despediu do último paciente. Suas costas estavam doendo por conta do dia longo de trabalho. O relógio da parede já marcava sete horas da noite. Nem tinha se dado conta do horário, até que o seu estômago roncou. Ela se dirigiu até a recepção e se despediu de Ângelo, que ainda brincava com o celular novo.Pegou o carro no estacionamento para ir embora, quando sentiu um estranho arrepio percorrer a sua espinha. Virou a cabeça para trás, era uma sensação esquisita como se alguém a observasse de longe.A rua parecia deserta. Os postes iluminavam da mesma maneira e nada estava fora do lugar.— Devo estar ficando paranoica — murmurou para si enquanto abria a porta do carro e começou a dir
Yara abria e fechava as mãos embaixo de Daniel, enquanto o segurava no colo para amamentar na sala de estar da casa de Thais.O ambiente aconchegante com as luzes desligadas e o gato dormindo ao lado dela no sofá, havia se tornado o local preferido para a amamentação. Daniel sugava forte e algumas vezes, parecia que ia arrancar uma parte do peito. Ele estava ficando mais pesado, o que era muito bom para um bebê saudável. As bochechas rosadas e os pezinhos minúsculos eram tão fofos, pensou a mãe. Mesmo cansada, não se permitia mover um único músculo para aliviar a tensão.Enquanto beijava as diminutas mãos do bebê, a campainha soou. Ela estranhou, afinal, já era para a amiga ter voltado para casa. Com cuidado, ficou em pé e conti
A tomografia parecia que nunca teria fim, Thais se sentia como uma sardinha em lata jogada dentro de uma máquina de lavar. O barulho interminável fazia seus tímpanos doerem. A equipe cirúrgica já estava se preparando para o caso dela, a perna iria precisar de uma cirurgia de correção da fratura.Quando a tomografia terminou, a equipe de enfermagem a ajudou a transferir do aparelho para a cama hospitalar. Cada respiração gerava dor debaixo das costelas, por mais que administrasse mais analgésicos, a sensação dolorosa persistia.O médico se aproximou da paciente, desta vez com o resultados dos exames, com a cara fechada, expôs secamente o que aconteceu.— Seguinte, teve fratura na sua perna esquerda, ainda hoje vai p