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Ecos de Ausência

Pietra Santini

Ao abrir a porta de casa, fui recebida pelo som abafado de vozes na cozinha. Malena e Adônis conversavam em tom baixo, como se compartilhassem segredos. O contraste entre a seriedade habitual de Adônis e o sorriso sutil de Malena me surpreendeu. Era raro vê-lo assim, com traços tão humanos.

Meu coração pesou. Talvez por inveja. Talvez pela saudade de algo que nunca tive. A ausência de minha mãe parecia ainda mais cruel em momentos como esse, em que uma interação simples me lembrava do vazio que carregava. Se ela estivesse aqui, tudo seria diferente. Talvez fôssemos uma família de verdade, e hoje, em vez de lidar com as sombras de um passado que não vivi, estaríamos comemorando seu aniversário.

Tentei ignorar a dor enquanto caminhava até a cozinha.

— Malena, estou com febre hoje, tudo bem? — perguntei, a frase carregada de um significado que só ela entenderia.

Ela levantou os olhos para mim, preocupada.

— Querida, tem certeza? Ele pode desconfiar. — A preocupação na voz dela era evidente.

— Não consigo, sabe? Não hoje. — Minha voz vacilou, e a tentativa de manter a compostura falhou. Meus olhos começaram a arder, mas me forcei a segurar as lágrimas. — Vou para o meu quarto.

Malena assentiu com um olhar compreensivo, mas antes que eu pudesse sair, Adônis interrompeu, sua voz mais suave do que eu esperava.

— Você não vai tomar café?

Fiquei surpresa. Ele, sempre tão distante, parecia genuinamente preocupado.

— Não estou com fome. — Forcei um sorriso, tentando manter a conversa breve. — Pode descansar hoje, Adônis. Não vou sair de casa.

Ele me encarou por um momento, e o tom de sua voz ao responder foi inesperadamente gentil.

— Tudo bem. Mas não fique só no quarto. Vai ser pior.

Algo na maneira como ele falou mexeu comigo, mais do que deveria. Sem responder, apenas assenti e subi as escadas.

No meu quarto, fechei a porta e fui direto para a gaveta do criado-mudo. O livro da Bela e a Fera estava lá, como sempre. Meu refúgio. Minha mãe havia me dado quando eu era criança, e cada vez que o abria, sentia como se uma parte dela ainda estivesse comigo.

Dentro do livro, encontrei a foto amarelada que sempre me trazia conforto e tristeza ao mesmo tempo. Minha mãe, grávida de mim, sorria com aquele brilho que parecia iluminar tudo ao seu redor. O cabelo loiro e os olhos claros que herdei eram idênticos aos dela. Na borda da página, a mensagem que ela havia escrito:

“A mamãe sempre estará com você, minha princesa. Eu te amo.”

Abracei o livro contra o peito e deixei as lágrimas finalmente caírem. Meu mundo era um labirinto de luxo e vazio. Tinha tudo o que muitos sonhavam — dinheiro, educação, conforto. Mas nada disso preenchia a ausência de um abraço materno ou o olhar amoroso de um pai. Tudo o que eu queria era fugir. Ir para algum lugar onde pudesse ser apenas Pietra, e não a filha de um homem que parecia me desprezar.

Meu choro foi interrompido por uma batida suave na porta. Enxuguei rapidamente as lágrimas antes de permitir a entrada. Fiquei surpresa ao ver Adônis, segurando uma bandeja de comida.

— Você está bem? — Ele perguntou, e pela primeira vez, percebi um vestígio de preocupação sincera em sua expressão.

— Sim, não precisava se incomodar. — Apontei para a bandeja, tentando esconder o quanto sua presença me deixava nervosa.

— Minha mãe pediu que eu trouxesse. Já passou da hora do almoço, e você não desceu. — Ele colocou a bandeja no meu colo e hesitou antes de continuar. — Posso sentar aqui?

Assenti, ainda confusa com sua atitude.

— Claro.

Adônis se sentou na ponta da cama, os olhos fixos em mim.

— Me desculpe. Fui grosso mais cedo. Não sabia que hoje era um dia difícil para você. — Sua voz era baixa, quase hesitante, e aquilo me desarmou.

— Não tem problema. Você não é obrigado a gostar de mim. — Tentei sorrir, mas a frase saiu mais amarga do que eu pretendia.

Ele desviou o olhar, parecendo desconfortável.

— Eu sei. Mas isso não me dá o direito de ser rude. Enfim, desculpa.

Surpresa pela sinceridade, acenei com a cabeça.

— Está tudo bem. Não sou de guardar rancor.

Houve um breve silêncio antes de ele acrescentar algo que me pegou desprevenida.

— Liguei para o seu pai. Expliquei que você estava doente.

Não consegui esconder a surpresa.

— Obrigada. De verdade.

Ele se levantou, ajeitando a camisa.

— Bom, vou deixar você comer. Até mais.

Assenti, ainda processando o que tinha acabado de acontecer. Aparentemente, Adônis não era tão insensível quanto eu imaginava.

Mais tarde, levei o livro para o jardim. Era um dos poucos lugares da casa onde eu conseguia sentir alguma paz. Sentei-me embaixo da sombra de uma árvore, folheando as páginas desgastadas enquanto deixava a brisa fresca acalmar meus pensamentos.

— Você está melhor?

Levantei os olhos, encontrando Adônis parado à minha frente.

— Sim. Melhor. — Respondi com um sorriso discreto, ainda surpresa por ele continuar se importando.

— Posso me sentar aqui?

Assenti, indicando o espaço ao meu lado.

— Claro.

Ele se sentou, e sua presença, embora inesperada, não era desconfortável.

— Esse é o seu livro favorito? — Ele perguntou, apontando para a capa.

— Sim. Minha mãe deixou pra mim. Já o li tantas vezes que praticamente sei as falas de cor.

— Talvez fosse o preferido dela também. — Ele disse com suavidade, os olhos perdidos em algum ponto além do jardim.

Apertei o livro contra o peito.

— Era, segundo Malena. Acho que ela se via um pouco na história. — Suspirei, as palavras saindo antes que eu pudesse me conter. — Gostaria de ter conhecido ela. Talvez as coisas fossem diferentes. Talvez meu pai não fosse tão ausente… ou não me odiasse tanto.

— Seu pai te odeia? — Ele perguntou, a testa franzida em confusão.

Senti meu rosto esquentar.

— Não importa. Falei demais. — Levantei-me rapidamente, tentando mudar de assunto. — Malena está na cozinha?

— Está. Ela fez café da tarde. Vim te chamar.

Caminhamos juntos até a cozinha, onde Malena terminava de preparar a mesa com uma jarra de suco, xícaras e uma travessa de bolo.

— Finalmente! Vocês dois juntos para o café. Já estava na hora. — Ela sorriu com a familiaridade de quem cuidava de nós como filhos.

Sentamos à mesa. Apesar do silêncio que pairava, não era desconfortável. Pela primeira vez, Adônis parecia abaixar a guarda, e eu me perguntava se aquilo era o começo de uma trégua entre nós. No fundo, temia que, quanto mais próximo ele chegasse, mais perigoso seria para o meu coração.

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