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Lágrimas a beira da piscina

Pietra Santini

Enquanto o garfo vai da minha mão até a boca, noto o olhar de Alana. Ela não disfarça nem um pouco. Adônis está sentado do outro lado da mesa, alheio — ou fingindo estar alheio —, e ela o devora com os olhos como se ele fosse um banquete. É irritante.

— Para de encarar o Adônis desse jeito — resmungo, tentando manter a voz baixa. — Deixa o cara comer em paz.

Alana solta uma risada que me faz revirar os olhos antes mesmo de ouvir a resposta.

— Não dá, amiga. O cara é um pedaço de mal caminho. Se você não quiser, eu quero.

— Nem se eu quisesse — murmuro, cruzando os braços. — Ele é grosso e parece que tem algum problema comigo.

— Será que vocês não já se conheciam? — Alana pergunta, inclinando a cabeça como se tentasse montar um quebra-cabeça. — Sei lá, brigaram na infância ou coisa assim?

— Tenho certeza que não. Apesar de morarmos no mesmo terreno, eu quase não o via. Acho que... observava ele de longe às vezes, mas nada demais.

— Então ele só não foi com a sua cara mesmo. — Ela dá de ombros, como se isso fosse um fato da vida.

Escolho deixar o assunto morrer. Não vale a pena gastar energia com isso, especialmente considerando tudo o que ainda tenho pra fazer hoje. Entre a aula de tênis e o ensaio de balé, eu já sei que vou precisar de um energético pra não desmaiar de exaustão.

— Bem que podíamos faltar ao tênis hoje, hein? — Alana sugere enquanto nos acomodamos na mesa do clube, esperando a aula começar.

— Do jeito que esse cara me odeia, ele ia ligar pro meu pai na mesma hora — respondo, soltando um suspiro.

— Seu pai é doido, você me desculpa. — Ela fala com a franqueza de quem sabe que eu não vou discordar.

— É, eu sei.

Deixamos o papo por ali. Não tem muito mais o que dizer. Meu pai é o tipo de homem que acredita saber o que é melhor pra minha formação, e eu prefiro evitar conflitos. Não que concorde com tudo, mas entre brigar e ceder, ceder acaba sendo mais fácil.

Quando a aula começa, lá estou eu de novo, jogando contra a Alana. É só treino, mas mesmo assim, estou com a energia no limite. Em alguns momentos, sinto o olhar de Adônis em mim. Ele não diz nada, mas é impossível ignorar. Cada vez que percebo seus olhos, minha mente começa a se perguntar: o que, afinal, passa pela cabeça dele quando me observa assim?

No final do treino, estou exausta. Minhas pernas doem, e tenho a impressão de que vou desabar a qualquer momento.

— Ainda bem que a professora de balé não me escolheu pra ajudar hoje — Alana comenta enquanto caminhamos pra fora da quadra. — Eu ia morrer.

— Sorte sua. — Sorrio, mas meu tom sai mais ácido do que deveria.

Despeço-me dela e sigo até a lanchonete. Pego um energético e saio do clube, caminhando em direção ao carro que me espera. Assim que entro, sinto a presença de Adônis.

Ele está no banco da frente, e seu olhar me encontra pelo retrovisor antes de ele dizer qualquer coisa.

— Você está bem? — Sua voz é grave, mas não dura como de costume.

— Um pouco cansada, mas estou bem. — Tento soar firme, ainda que minha voz me traia.

Ele me encara por mais alguns segundos, como se pudesse me analisar melhor pelo reflexo do espelho.

— Você parece muito cansada.

— Não se preocupe. Eu estou acostumada. — Forço um sorriso, mas ele não responde.

O silêncio entre nós é quase palpável, e a tensão se instala no ar como um terceiro passageiro. Ele desvia o olhar do retrovisor e coloca o carro em movimento, dirigindo até o estúdio de balé sem dizer mais nada.

Apesar de exausta, minha mente não consegue parar. Adônis me desconcerta de um jeito que ninguém mais consegue. Fico me perguntando por que ele insiste em me observar tanto. Será que ele realmente não gosta de mim? Ou será que tem algo mais? Essa dúvida me consome enquanto o trajeto até o estúdio passa num borrão.

[...]

Adônis

Pietra era uma contradição ambulante. Ela tinha aquela aparência de patricinha de filme: sempre arrumada, com o cabelo impecável e as roupas que pareciam escolhidas a dedo. Mas quem se dava ao trabalho de olhar de verdade ou de trocar duas palavras com ela percebia outra coisa. Ela não se importava em sujar a boca enquanto comia e ria de si mesma quando isso acontecia. Ela não tinha medo de quebrar uma unha ou de ralar o joelho. Era uma menina com jeito de mulher — ou talvez o contrário.

Isso me intrigava. Me desconcertava, até.

O que eu não entendia, no entanto, era por que diabos ela insistia em fazer tanta coisa num único dia, ao ponto de cair de exaustão. Pra mim, aquilo só podia ser capricho. Uma necessidade de se provar, talvez. Ontem foi um exemplo. Saímos de casa às oito da manhã e só voltamos às oito da noite. No caminho de volta, ela apagou no banco do passageiro. Eu a olhava pelo retrovisor, tentando decifrá-la.

Por que ela fazia isso consigo mesma?

Na manhã seguinte, acordei cedo. Antes de começar mais um dia de "babá", resolvi passar na casa grande pra tomar café. Mas quando cheguei lá, vi Pietra sentada perto da piscina, os ombros tremendo levemente. Estava chorando.

— Tá chorando por quê? — perguntei, me aproximando. — Papai bloqueou o cartão, foi?

Ela ergueu a cabeça de repente, os olhos brilhando, vermelhos de choro e raiva.

— Qual o seu problema? — disparou, a voz trêmula. — Eu nunca te fiz nada.

— Não queria ficar de babá pra você, mimadinha.

Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

— Então chega no meu pai e pede pra trocar — respondeu com uma firmeza inesperada, apesar das lágrimas. — Simples. Diz que não aguentou a mimadinha. Assim ele nem vai questionar, já que pra ele eu sou um monstro.

O que ela disse me atingiu em cheio, mas não deixei transparecer. Fiquei ali, parado, me sentindo um idiota completo. Não era ela quem eu queria culpar por estar preso nessa função de motorista e segurança. E, ainda assim, toda minha frustração parecia ter caído sobre ela.

— Certo — murmurei, incapaz de dizer algo melhor.

Ela respirou fundo, tentando controlar o choro, e me surpreendeu com a educação no pedido que veio a seguir.

— Você pode me deixar sozinha, por favor?

Eu assenti, sem discutir. As palavras ficaram entaladas na garganta enquanto eu me afastava e ia até a cozinha, onde minha mãe estava arrumando o café da manhã.

— Que cara é essa, menino? — ela perguntou assim que me viu.

— Vi a Pietra chorando lá fora — dei de ombros, tentando parecer indiferente. — Problema de gente rica, certeza.

Minha mãe suspirou, me lançando um olhar de quem sabia muito mais do que eu.

— Hoje é um dia difícil pra ela.

— Difícil? Por quê? — perguntei, genuinamente curioso.

— Hoje seria aniversário da mãe dela — explicou. — Mesmo que ela nunca tenha conhecido a mãe, ainda é algo que mexe muito com ela.

Eu fiquei em silêncio, absorvendo a informação. Não sabia disso.

— Tem muita coisa que você não sabe sobre a Pietra — minha mãe continuou. — É por isso que eu sempre digo pra você pegar leve com ela. Pietra não é uma menina ruim. Na verdade, ela sofre mais do que você imagina.

Aquelas palavras me fizeram franzir a testa.

— Sofre? — repeti, tentando esconder o ceticismo. — Até parece. Ela tem tudo o que quer.

— Tudo? — minha mãe arqueou as sobrancelhas. — Ela perdeu a mãe antes de conhecê-la. O pai dela não fica no mesmo ambiente que ela há anos. As únicas pessoas que dão atenção e carinho pra ela sou eu e seu pai.

Engoli em seco, o peso das palavras dela caindo sobre mim.

— Venho sendo um babaca com ela — admiti baixinho, quase para mim mesmo.

— Então não seja — minha mãe respondeu, direta. — Você sempre foi tão gentil. Não entendo por que age assim com ela.

Nem eu sabia. Talvez fosse mais fácil tratá-la com grosseria do que admitir o desconforto que ela me causava. Porque, se eu fosse honesto comigo mesmo, havia algo nela que me atraía. Algo que me deixava inquieto. E isso era perigoso.

— Mais tarde, eu me desculpo com ela — disse por fim, tentando encerrar o assunto.

Minha mãe balançou a cabeça em aprovação.

— Não precisa morrer de amores por ela. Só peço que não a trate mal. Ela não merece.

Assenti, mas fiquei em silêncio. Enquanto ela arrumava o café da manhã, meus pensamentos estavam longe, presos na lembrança de Pietra chorando perto da piscina. Não era a primeira vez que me sentia culpado pelas coisas que dizia a ela, mas talvez fosse a primeira vez que realmente entendia o porquê.

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