..... DIA SEGUINTE .....
Quando eu era mais jovem, odiava rotina e fazia de tudo para evitá-la. No entanto, após me tornar mãe, precisei me adaptar a isso.Todas as manhãs, tomamos o café da manhã juntos como uma família unida deve fazer. Não preciso nem dizer que assim como o Raul é o último a sair do trabalho, ele também é o primeiro a entrar; com isso, eu fico com a responsabilidade de levar o Pietro na escola.Sempre vou com a minha roupa de academia, pois, ao deixar o meu filho na escola, vou direto para lá. Mesmo com o dia sempre atarefado, priorizo a minha saúde e bem-estar.Após concluir o meu treino matinal, volto para casa e me apronto para o trabalho.Se formos recapitular, na minha última conversa com o Raul — a qual não foi nada agradável — ele deixou claro que eu deveria parar de trabalhar, até mesmo sugeriu que eu pedisse a conta caso o meu pai — o qual é o meu patrão — insistisse em fazer a minha cabeça para não seguir com o plano.Bom, se tem algum plano que eu não vou cumprir, é o do Raul. Não é o ego ferido dele que irá me convencer.Na mesa do café da manhã, nós dois não trocamos palavras. Nem a bitoca que damos ao nos ver ou ao nos separarmos, tivemos — este é um dos poucos toques físicos que temos compartilhado nas últimas semanas.(NO TRABALHO)O meu humor não é um dos melhores nesta manhã e creio que todos os funcionários perceberam isso.Eu sou o tipo de pessoa que adora se comunicar e diariamente eu converso com os meus colegas de trabalho, mas hoje é diferente. Estou quieta e com um semblante sério.— Não vai me dizer o que está te incomodando, Laura? — a minha amiga de trabalho, Joyce, pergunta novamente.— É só uns problemas em casa. — murmuro.— Devem ser sérios, já que você não está interagindo com ninguém. — Joyce faz o comentário — Você nem fez piadinhas com o meu suéter de gente velha.Contenho o riso.A Joyce tem um gosto muito peculiar para a moda, eu já tentei várias vezes dar dicas de roupas, mas ela ainda dá os seus deslizes, como, por exemplo usar o seu suéter feio.— Desta vez irei te deixar em paz. — dou de ombros.A mulher me olha desconfiada.— Pode fazer quantas caras e bocas você quiser, Joyce, eu não irei dizer nada. — volto a minha atenção ao computador.— Credo, Laura! — Joyce exclama — Não confia mais em mim?— Não é isso. — nego — Só não estou querendo conversar hoje, sobre nenhum assunto.A mulher indignada, abre a boca para reclamar quando é interrompida. Uma voz preenche o ambiente, se intrometendo na conversa:— Não precisa guardar para si estes sentimentos, Laura. — outro colega de trabalho, Gael, fala — Somos todo ouvidos.— Escutando a conversa alheia, Gael? — viro-me para poder encará-lo — Sua mãe não te ensinou que isto é falta de educação?— Além de te tachar de intrometido! — Joyce completa.— Nossa! Eu não queria ofender ninguém, muito menos ser intrometido... — ele se defende.— Já está sendo. — Joyce diz grossa.— Me desculpe, Laura. Não quero que me interprete mal. — Gael dirige a palavra a mim — Eu me importo com você, quero que saiba disso.— Está bem. — é a minha resposta curta e grossa.Não sou o tipo de mulher que fica dando corda para outros homens, eu prezo pelo respeito ao Raul — mesmo quando ele age como um machista estúpido!— Eu vou indo, tenham um bom dia. — o homem sorri e se afasta, indo embora dali.— Mas que cara intrometido! — Joyce me olha enojada — Ele não se cansa mesmo de tentar se aproximar de você.— Uma hora ele cansa. — dou de ombros.O Gael trabalha com as notas fiscais da empresa, às vezes os nossos trabalhos coincidem e temos mais contato, mas é sempre profissional.— E aí, agora vai me contar o que está havendo? — Joyce retoma o assunto.— Você é outra que não se cansa, hein? — rio de sua insistência...... NAQUELA NOITE .....— Você está se saindo muito bem, Pepê. — elogio após terminar de corrigir a tarefa escolar do meu filho.Como uma mãe prestativa no progresso escolar, sempre corrijo as atividades de escola do Pietro e fico no pé dele para se comportar na escola e ter um bom desempenho acadêmico.Estes momentos acontecem em nossa sala de estar, o Pietro gosta de se sentar no tapete que fica no centro do cômodo e estudar ali.— Eu vou tirar nota dez na prova. — Pietro diz alegre.— Irá mesmo. — concordo.— E eu vou poder escolher o presente que eu quiser no final do ano. — o garoto acrescenta.— Sim. — afirmo — Continue se esforçando e se comportando, assim iremos cumprir este combinado. — dou uma piscadela.— Relaxa, mãe. Eu já ganhei este combinado. — ele diz convencido.Jogo a cabeça rindo de sua maneira de falar.Procuro ensinar para o Pietro, desde agora, há ter compromisso com o que lhe é entregue. Isso irá formar um bom caráter para os desafios da vida adulta......UMA SEMANA DEPOISAo chegar em casa, deixo a minha bolsa no sofá e subo apressada a escada — mesmo de sapato com salto alto — indo em direção ao quarto do Pietro. Abro a porta de supetão e vejo o Raul em pé, de braços cruzados olhando para o Pietro. Ao me ver, ele me olha por cima do ombro, não consigo decifrar o que o seu olhar expressa.Raiva?Nervosismo?— Como ele está? — pergunto, caminhando até a beira da cama do Pietro e observando ele adormecido.— O remédio deu sono, mas ajudou com a dor no estômago. — Raul explica com um tom sério.No trabalho, eu estava tão ocupada que eu nem peguei o meu celular após o almoço. Por volta das 16h a escola tentou me ligar para avisar que o Pietro não estava se sentindo bem, mas eu não pude atender , por isso, eles ligaram para o Raul, o qual foi busca-lo.— Menos mal. — murmuro — Irei fazer uma sopa para ele se alimentar.— Você não me disse estar trabalhando. — o Raul diz atrás de mim.— O quê? — viro-me para poder encará-lo.— Você continua a trabalhar mesmo depois da ordem que eu dei. — Raul repete, mudando o foco da conversa.— Sim. — afirmo — Eu não vou acatar as suas ordens, Raul.— Qual a sua dificuldade de enten... — o Raul altera a voz, o Pietro remexe na cama e então saímos do quarto, para que ele não venha acordar, muito menos no ver discutindo.— Raul, eu me esforço para te agradar em tudo. — começo a falar, enquanto ficamos parados no corredor — Mas me proibir de trabalhar por uma questão de ego, é a coisa mais imbecil que eu já te ouvi falar.— Se você estivesse em casa, eu não teria que sair do meu trabalho para ir buscar o Pietro. — Raul acusa.— Ele é o seu filho. Isso não devia soar como um desapontamento, é a sua obrigação como pai! — exclamo.— Eu saí do meu trabalho para fazer algo que você, se estivesse em casa, deveria fazer. — Raul protesta.— Engraçado. — continuo — Você não pode sair do seu trabalho para socorrer o seu filho que está doente, mas quando se trata do meu trabalho não tem problema?— Isso não é trabalho, é um aborrecimento. — Raul corrige.Bufo.— Você está frustrado porque passou uma semana e só agora descobriu que eu continuo a trabalhar. Eu não encobri nada, o problema é você chegar muito tarde em casa para me ver com o uniforme da empresa. — falo na defensiva.— Eu irei voltar para a imobiliária. — Raul avisa, ignorando a minha última fala — Tenho que dar continuidade na onde eu parei. — ele acrescenta — Com esse imprevisto, chegarei mais tarde.— Mais? Então você irá dormir por lá, porque todo dia você chega mais tarde. — comento mostrando a minha irritabilidade.O Raul respira fundo, reunindo toda a paciência que ele consegue, para conseguir dizer:— Até mais tarde. — ele começa a caminhar em direção a escadaria.Novamente, o Raul vai voltar para o seu mundo do trabalho, pensando que ganhou ao dar a última palavra.Não! Desta vez, será diferente.— Raul, eu não vou parar de trabalhar. — reúno a minha coragem para falar confiante.No primeiro degrau, ele para e me olha de escanteio:— Eu não quero discutir mais este assunto, Laura.— Eu não estou discutindo, Raul. Estou afirmando. — aviso.— A minha esposa não irá trabalhar fora. — o Raul fala.— E o meu esposo não irá se intrometer na minha vida. É o meu trabalho e você não vai me tirar isso. — digo inflexível.O Raul apenas faz um movimento de negação com a cabeça e então desce os degraus, dando as costas para mim e os nossos problemas......Quando cálculo que o Raul já deve ter chegado na imobiliária, disco o seu número em meu celular e espero ele atender.Quatro toques.— Sim, Laura? — ele diz ao atender.— Raul, eu estou cansada de como nós estamos. — digo de desdém. Sento-me na cama do meu quarto, fitando um espelho que tem em minha frente.— E como nós estamos? — ele indaga.— Você sempre preso no trabalho, se privando dos momentos em família. Nós dois não temos mais a mesma ligação que antes, isso me incomoda. — continuo — Além disso, este seu jeito obsessivo e machista de querer controlar o que eu faço e me privar de trabalhar me desagrada...— Laura, eu não fico reclamando para você. Os seus irmãos são idiotas que adoram me esnobar. — Raul se justifica — Eu estou tentando dar o melhor para o nosso filho, se você não reconhece isso, eu não posso fazer nada.— Você age com... — sou interrompida.— Laura, se você não está feliz comigo, por que ainda está aqui? Não é sua obrigação ficar num lugar onde não se sente amada e compreendida. — Raul diz num tom grosso.Calo-me.As suas palavras são afiadas como uma faca.— Talvez eu faça isso mesmo. — digo por fim.— Faça como quiser. — o seu tom é indiferente — Agora, eu tenho coisas mais importantes para fazer.— Ok.— Até mais tarde. — ele se despede.— Tchau. — respondo.A ligação chega ao fim e as lágrimas começam a descer pelo meu rosto...... ALGUNS DIAS DEPOIS .....FLASHBACK ON— Está confortável? — pergunto ao Pietro, quando ele se deita na cama.Na casa dos meus pais, iremos ficar no quarto de hóspedes — por tempo indeterminado.— Sim. — ele responde.O seu olhar vai de canto em canto pelo cômodo, observo a sua atitude até que pergunto:— Quer perguntar algo? — Iremos ficar muito tempo aqui? — a sua atenção é voltada para mim.Mordo o lábio inferior.— Não tenho certeza. — respondo.Enquanto eu arrumava os nossos pertences nas malas, apenas disse ao Pietro que iríamos ficar por aqui enquanto o Raul e eu não resolvemos alguns problemas, mas sem muitos detalhes.— Eu gosto de dormir no meu quarto e na minha cama. — ele murmura.— Eu sei. — continuo — Mas poderá dormir comigo. Você não gosta? — sorrio.— Gosto. — ele sorri.— Então, eu volto daqui a pouco para me deitar, está bem? — aviso.
..... MAIS TARDE .....LAURA ONAo anoitecer, uma garoa começou a cair e trouxe um ar refrescante após um dia de temperatura alta. Eu gosto de escutar o som que a chuva faz do lado de fora, isso me relaxa, e nestas ocasiões tenho o hábito de preparar um chá — nos primeiros anos de casados, o Raul e eu tínhamos o hábito de nos sentarmos na varanda de casa para apreciar a chuva. Bom, desta vez não é diferente — apenas pelo Raul não estar aqui. Vou para a cozinha e coloca a chaleira no fogo. A casa está tão silenciosa, com os meus pais já em seu quarto e o Pietro adormecido.Quando o chá está pronto, puxo uma cadeira da mesa de jantar e me sento acompanhada da xícara cheia da bebida. O tempo de solitude é satisfatório após um dia de trabalho, mas também traz pensamentos que me deixam ociosa...Raul.Como ele está? Será que sente falta da minha presença na casa? Nos últimos dias não houve nenhum contato entre nós, admito que isso me deixou triste. A sensação que tenho é que este "tempo
RAUL ON— Para onde nós vamos, pai? — Pietro pergunta, no banco de trás do carro.— Vamos passar em casa para deixar a sua mala e iremos ao pesqueiro, o que acha? — continuo — Podemos almoçar e depois vamos pescar, como você gosta.— Faz tempo que não vamos ao pesqueiro. — Pietro afirma.— É mesmo. — concordo.A minha atenção é na direção do volante, as ruas estão bem movimentadas hoje.— E você não vai trabalhar? — o garoto pergunta.Paro o carro no semáforo que acaba de ficar vermelho e me inclino no banco, para poder ver o Pietro:— Tenho alguns afazeres sim, mas decidi deixar para depois. — pausa rápida — Quero passar um tempo com o meu filho, eu estava morrendo de saudades.Posso ver um sorriso se formar no rosto do Pietro.— Podemos pescar no tanque que ficam os peixes maiores? — o meu filho pergunta, agora animado — Quero que a minha foto esteja daquele mural que fica na entrada do pesqueiro.— É claro, vamos alugar um molinete para pegar estes peixões. — afirmo.Volto a me end
ALGUNS DIAS DEPOIS — (SEXTA-FEIRA)LAURA ON— Eu disse que você estava precisando disso. — Joyce dá um cutucão em mim, sentada ao meu lado na mesa do bar.— Quem não gosta de cerveja numa sexta-feira, após uma longa e exaustiva semana, Joyce? — dou de ombros.— Mas o seu caso é diferente. — Luana entra na conversa, ela é uma amiga da Joyce a qual planejou este rolê de mulheres.O local escolhido foi num bar na saída da cidade, bem movimentado e com muita bebida e música. Não faz muito tempo que chegamos, passei pegar a Joyce em sua casa e aqui, fui apresenta a Luana, a Francine e a Paula.— Você contou para elas? — o meu olhar vai para a Joyce.— Ué! O que tem? — a mulher ao meu lado, indaga.— Não precisa sair por aí, expondo a minha vida. — reclamo.Talvez a vinda ao bar apenas me deixe mais estressada.— Não interprete mal, Laura. — a Francine, a qual aparenta ser a mais velha do grupo, diz — Nós que perguntamos a seu respeito para a Joyce.— Gostaríamos de saber com quem estamos l
RAUL ON— Então como combinamos, amanhã irei vir ao anoitecer para te buscar, ok filhão? — lembro ao Pietro.Apertei a campainha da casa dos pais da Laura, a qual tem sido o seu lar nas últimas semanas, enquanto isso esperamos alguém atender.— Tá bom, pai. — Pietro responde, segurando as alças de sua mochila ansiosamente, por conta da saudade da mãe.Eu até havia cogitado a ideia do Pietro vir após as aulas ver a Laura, durante a semana, mas pela longa distância de nossas casas, não pude fazer isso.Logo, o portão é aberto e o meu sogro, Ronaldo, aparece.— Olha só quem temos aqui! — Ronaldo sorri ao ver o neto.— Vovô! — Pietro o abraça.— E aí, garotão? Pronto para me enfrentar novamente num jogo de bola? — Ronaldo pergunta, animado com a presença do neto.Desde que conheci o Ronaldo — da época em que vim pedir a autorização dele para namorar a Laura — não pensei que veria este homem ir de um pai super protetor e mal-humorado para um vô liberal e amoroso. Os netos têm este poder so
...... DIA SEGUINTE ......LAURA ONPassei o resto da tarde, a noite e a madrugada chorando, pensando sobre o ponto em que o meu casamento com o Raul chegou.Durante um momento em que consegui me contar e as lágrimas cessaram, peguei no sono. Infelizmente, não tive o luxo de dormir mais, pois é segunda-feira e a semana se inicia outra vez.Levanto-me preguiçosamente, pego os meus pertences e vou para o banheiro. Ao me olhar no espelho, não tem como ignorar os meus olhos inchados e as olheiras fundas.— Uma noite fez todo este estrago. — murmuro.Faço as minhas necessidades matinais, tomo um banho para acordar de vez. Quando termino, volto para o quarto e começo a me arrumar para o trabalho — hoje irei pular a academia e ir direto para a empresa. Passo corretivo e base para disfarçar o meu olhar deprimido e um batom para dar uma cor nos meus lábios.Ao concluir o meu procedimento de beleza, pego os meus pertences, como bolsa, um casaco e a chave do carro e saio do quarto, indo em direçã
LAURA ON (NO TRABALHO)— Meu Deus, Laura! Quanto suspense! — a Joyce exclama, quando chegamos no restaurante onde iremos almoçar. — O local de trabalho não era o melhor lugar para conversar. — explico.Escolhemos uma mesa e nos sentamos.— Mas você se manteve em silêncio a manhã toda, nem para adiantar o assunto. — Joyce reclama.— Eu não queria falar sobre isso logo cedo. — continuo — Na verdade, acho que nem agora estou pronta. — Chega de enrolação, Laura. Me conta logo, o que houve? — Joyce me pressiona.Respiro fundo para revelar a tomada de decisão que tive ontem:— Eu pedi o divórcio.A boca da Joyce forma um perfeito O.— C-como? — quando ela enfim consegue dizer — Tão de repente assim? Sem mais e nem menos?— Tinham motivos para o casamento chegar a este ponto, Joyce. — lembro.— Eu sei, é que foi inesperado. — ela admite — Você sempre tão certinha, é a última pessoa que eu imaginaria se divorciar. — Está me rotulando, Joyce? — pergunto, provocando — Se um homem se divorcia
RAUL ON— O Pietro já adormeceu. — a minha mãe diz, voltando para a cozinha.— Obrigada, mãe. — agradeço.Termino de organizar a louça usada no jantar, enquanto a dona Maria pega duas taças e um vinho. Quando tudo está feito, vamos para a área externa para apreciar a brisa da noite e o vinho.— Não posso mentir que não fiquei ansiosa em falar sobre isso, filho. — a minha mãe começa. Nos sentamos num banco e eu fito o céu estrelado.— Eu não sabia como te dizer isso. — admito.Começo a contar todo o ocorrido para a minha mãe, desde o desentendimento com os irmãos da Laura na casa dos meus sogros ao pedido de divórcio. A mulher faz algumas perguntas para conseguir entender melhor a situação, como saber quando foi que os meus conflitos com a Laura iniciaram.— Você ainda sente algo pela Laura, Raul? — a minha mãe pergunta por fim.— É claro, mãe. — apresso-me em dizer — Eu a amo.— Isso me deixa mais aliviada. — ela solta um suspiro e continua — É que as suas atitudes demonstram indifere