..... MAIS TARDE
Durante o trajeto para casa, no carro, o Raul não disse sequer uma palavra. Era notório o clima tenso e a mandíbula travada que denunciava a sua raiva.Não forcei uma conversa com ele, é melhor conversarmos quando a poeira baixar. Cedo ou tarde, o Raul irá vir reclamar do almoço em família; quando o Raul se retirou, a minha mãe com a Taciane começaram a chamar a atenção dos rapazes por suas palavras rudes.Enquanto me acompanhava até o portão, a minha mãe me contou o que houve. Fiquei chateada com o nível que os meus irmãos chegaram desta vez, em provocação ao Raul.Uma das qualidades que o Raul tem é a paciência, não é fácil tirá-lo do sério; sei o quanto ele se segurou para não ter uma reação agressiva contra os meus irmãos.Ao chegarmos em casa, o Raul foi direto para o escritório, sem mencionar palavras alguma."Ainda não é o momento de conversar." — concluí.Mantive-me entretida com o Pietro, assistindo aos programas na TV em meu quarto. Acabei que peguei no sono nos primeiros dez minutos.Ao anoitecer, pedi ao Pietro para tomar um banho, organizei a sua mochila para a escola — pois, amanhã é segunda-feira e a semana começa novamente. Após estas coisas, fomos para a cozinha preparar o jantar.O Pietro é uma boa companhia, ele adora ver receitas para podermos fazer. O garoto vai arrumando a mesa para o jantar, enquanto eu trago as panelas.— Nós podíamos abrir um restaurante. — Pietro diz quando tudo está pronto.— Seria um sucesso. — concordo — Como seria o nome?— Hm... — Pietro faz um careta enquanto pensa — Poderia ser... hm... Restaurante mãe e filho.— Seria o nosso próprio negócio. — afirmo.— Exato. — Pietro concorda — Nós faríamos a comida, seríamos os garçons e lavaríamos a louça suja.Rio de sua ideia.— Não é muito serviço para duas pessoas apenas? — pergunto.— Eu não quero gastar dinheiro com funcionários, mãe. — Pietro faz uma careta.Eita! Parece que temos um mini Raul aqui.— Mas se você quer um restaurante muito famoso, vai precisar de funcionários para dar conta. — explico.Mesmo contrariado, o Pietro concorda com um movimento de cabeça e então diz:— Talvez eu chame a vovó Sandra para trabalhar, eu gosto da comida dela.— É uma boa ideia.— O papai poderia ajudar. — Pietro acrescenta.— O seu pai faz doces deliciosos. — conto.O Raul não é um cozinheiro nato, mas ele aprendeu a fazer comida e com isso, deliciosas sobremesas. No entanto, agora que está sobrecarregado com o trabalho, ele não se aventura mais na cozinha.— Eu pensei que ele poderia ficar na contabilidade do restaurante. — Pietro sugere.Meu olhar é de surpresa:— Contabilidade? Desde quando você sabe o que é isso?— É a profissão do papai. — Pietro responde.— Sim. — concordo — Você é muito esperto por saber sobre isso.— Eu sei. — ele sorri convencido.— Mas eu também trabalho nesta área. — lembro.— Eu sei disso, mãe. — Pietro se justifica — É que eu prefiro quando você está em casa comigo, este é o meu trabalho preferido.Sorrio.— Eu também gosto de passar o tempo com você, meu amorzinho. — dou um beijo em sua testa — Agora, vá chamar o seu pai para podermos jantar.— Tudo bem. — o garoto concorda e corre em direção ao escritório.......Para a minha surpresa, já é tarde da noite e o Raul ainda não vejo para o nosso quarto, sendo que amanhã é segunda-feira e ele irá acordar cedo para o trabalho.Após tomar um banho e colocar uma camisola, visto o meu hobe e saio do quarto. O Pietro já deve estar no quinto sono, com isso, a casa está silenciosa. Dou uma batida na porta do escritório e em seguida, adentro o cômodo.— Raul? — chamo.— Sim? — ele levanta o olhar para me ver.— Não vem deitar? Já está tarde. — pergunto, encostada na lateral da porta.— Estou a terminar de rever um contrato e irei para a cama. — ele responde.— Estou te esperando para se deitar comigo. — digo tentando convencê-lo a deixar o trabalho para amanhã e vir para a cama.— Pensei que já estivesse dormindo. — Raul resmunga.— Não. — nego — Achei que fosse querer conversar sobre o que houve.— Estou muito ocupado. — é a resposta do homem.Mordo o lábio inferior.Entro de vez no escritório, fechando a porta logo atrás de mim para termos mais privacidade. O Raul observa os meus movimentos, percebendo que estou disposta a falar sobre este assunto.— Você está quieto desde que chegamos, o seu olhar diz o quanto está chateado com o que houve. — começo a falar — Guardar para você não irá melhorar em nada.— Você sabe que desta conversa não sairá coisas boas, Laura. — o Raul diz com o seu tom sério — Não quero magoar você.— Raul, está tudo bem você estar bravo com os meus irmãos... — sou interrompida.— Eles são idiotas. — Raul toma a frente em falar — Os seus três irmãos são verdadeiros idiotas, Laura. — continua — Eles não podem me ver que já se juntam para vir me esnobar de alguma forma.— Os meninos foram longe demais. — afirmo.— Eu discordo em partes. — Raul contradiz.— Como? — pergunto confusa. Fico em pé, estando de frente para a mesa.— Tudo o que eles disseram foram provocações, mas que me serviram para abrir os olhos para algo, Laura. — pausa rápida — Eu posso estar a frente dos negócios imobiliários, mas enquanto você estiver trabalhando irá manchar a minha reputação.— Onde você está querendo chegar com isso, Raul? — pergunto intrigada.A minha mente entende onde o Raul quer chegar, mas prefiro ouvir da sua boca para ter certeza.O Raul não está querendo me impedir...— Não há mais o porquê você trabalhar fora. — Raul diz por fim — Foi útil quando estávamos passando mal bocados com a imobiliária, mas agora tudo está bem e tivemos uma melhora de 100% em nossa estabilidade, Laura.— Você só deve estar ficando louco mesmo, Raul. — rio ironicamente — Por acaso não acha que irei deixar o meu emprego apenas para satisfazer o seu ego.— Satisfazer não, Laura. — ele corrige — Só quero desmanchar a imagem vergonhosa que as pessoas ao nosso redor, inclusive da sua família, que me vê como um aproveitador. Eu sou o homem da casa, trago o sustento e posso dar tudo o que o Pietro e você precisam.— Eu estava certa. — penso alto — Você quer mesmo satisfazer este seu ego machista e egocêntrico!— Pelo amor, Laura! — Raul começa a perder a paciência — Você veio até aqui para querer conversar sobre o que houve, pois, bem! Eu decidi que você irá parar de trabalhar.— Eu não irei fazer isso, Raul. — nego — Fiz anos de faculdade para quê? Ser uma esposa instruída e estudada em casa? Onde irei usar o meu conhecimento? Na administração dos ingredientes para fazer um bolo?— O Pietro precisa da mãe em casa, nesta idade ele precisa de atenção. — Raul procura outro argumento para me convencer.— Eu dou a atenção que o Pietro precisa, enquanto eu trabalho ele vai à escola e faz atividades extracurriculares. — falo — Quem deveria dar mais atenção ao filho, é você Raul! — aponto o dedo em sua direção — Nem para um filme você dedica tempo com o Pietro.— Eu estou ocupado demais trabalhando, para oferecer o bom e melhor para ele. — o Raul continua — Eu sei que estou fazendo o que é melhor para o meu filho.— Se mesmo eu trabalhando lhe falta tempo com o Pietro, imagine se eu parar. Mal o veremos em casa. — reclamo.— O seu trabalho é mais um passatempo para você, Laura. — Raul me ridiculariza — Não é algo que contribui para nós, sendo assim, já decidimos. Amanhã, você pedirá demissão na empresa.— Não! — protesto.— Se o seu pai não quiser, então peça a conta. — Raul ignora a minha fala.— Você não irá me convencer, Raul. — advirto — Desta vez, irei contrariar a sua vontade.— A palavra final já foi dada. — Raul fala.Fecho a cara, dou as costas e saio do escritório, fazendo questão de bater a porta com toda a força ao sair.Volto para o meu quarto ainda mais irritadiça do que quando saí.Aparentemente, esta era uma péssima hora para conversar com o Raul. A sua decisão é precipitada, mas irei levá-la em consideração.O Raul só pode estar louca se acha mesmo que irá me tirar a única coisa que tem me mantido entretida nestes últimos meses...... DIA SEGUINTE .....Quando eu era mais jovem, odiava rotina e fazia de tudo para evitá-la. No entanto, após me tornar mãe, precisei me adaptar a isso.Todas as manhãs, tomamos o café da manhã juntos como uma família unida deve fazer. Não preciso nem dizer que assim como o Raul é o último a sair do trabalho, ele também é o primeiro a entrar; com isso, eu fico com a responsabilidade de levar o Pietro na escola.Sempre vou com a minha roupa de academia, pois, ao deixar o meu filho na escola, vou direto para lá. Mesmo com o dia sempre atarefado, priorizo a minha saúde e bem-estar.Após concluir o meu treino matinal, volto para casa e me apronto para o trabalho.Se formos recapitular, na minha última conversa com o Raul — a qual não foi nada agradável — ele deixou claro que eu deveria parar de trabalhar, até mesmo sugeriu que eu pedisse a conta caso o meu pai — o qual é o meu patrão — insistisse em fazer a minha cabeça para não seguir com
..... ALGUNS DIAS DEPOIS .....FLASHBACK ON— Está confortável? — pergunto ao Pietro, quando ele se deita na cama.Na casa dos meus pais, iremos ficar no quarto de hóspedes — por tempo indeterminado.— Sim. — ele responde.O seu olhar vai de canto em canto pelo cômodo, observo a sua atitude até que pergunto:— Quer perguntar algo? — Iremos ficar muito tempo aqui? — a sua atenção é voltada para mim.Mordo o lábio inferior.— Não tenho certeza. — respondo.Enquanto eu arrumava os nossos pertences nas malas, apenas disse ao Pietro que iríamos ficar por aqui enquanto o Raul e eu não resolvemos alguns problemas, mas sem muitos detalhes.— Eu gosto de dormir no meu quarto e na minha cama. — ele murmura.— Eu sei. — continuo — Mas poderá dormir comigo. Você não gosta? — sorrio.— Gosto. — ele sorri.— Então, eu volto daqui a pouco para me deitar, está bem? — aviso.
..... MAIS TARDE .....LAURA ONAo anoitecer, uma garoa começou a cair e trouxe um ar refrescante após um dia de temperatura alta. Eu gosto de escutar o som que a chuva faz do lado de fora, isso me relaxa, e nestas ocasiões tenho o hábito de preparar um chá — nos primeiros anos de casados, o Raul e eu tínhamos o hábito de nos sentarmos na varanda de casa para apreciar a chuva. Bom, desta vez não é diferente — apenas pelo Raul não estar aqui. Vou para a cozinha e coloca a chaleira no fogo. A casa está tão silenciosa, com os meus pais já em seu quarto e o Pietro adormecido.Quando o chá está pronto, puxo uma cadeira da mesa de jantar e me sento acompanhada da xícara cheia da bebida. O tempo de solitude é satisfatório após um dia de trabalho, mas também traz pensamentos que me deixam ociosa...Raul.Como ele está? Será que sente falta da minha presença na casa? Nos últimos dias não houve nenhum contato entre nós, admito que isso me deixou triste. A sensação que tenho é que este "tempo
RAUL ON— Para onde nós vamos, pai? — Pietro pergunta, no banco de trás do carro.— Vamos passar em casa para deixar a sua mala e iremos ao pesqueiro, o que acha? — continuo — Podemos almoçar e depois vamos pescar, como você gosta.— Faz tempo que não vamos ao pesqueiro. — Pietro afirma.— É mesmo. — concordo.A minha atenção é na direção do volante, as ruas estão bem movimentadas hoje.— E você não vai trabalhar? — o garoto pergunta.Paro o carro no semáforo que acaba de ficar vermelho e me inclino no banco, para poder ver o Pietro:— Tenho alguns afazeres sim, mas decidi deixar para depois. — pausa rápida — Quero passar um tempo com o meu filho, eu estava morrendo de saudades.Posso ver um sorriso se formar no rosto do Pietro.— Podemos pescar no tanque que ficam os peixes maiores? — o meu filho pergunta, agora animado — Quero que a minha foto esteja daquele mural que fica na entrada do pesqueiro.— É claro, vamos alugar um molinete para pegar estes peixões. — afirmo.Volto a me end
ALGUNS DIAS DEPOIS — (SEXTA-FEIRA)LAURA ON— Eu disse que você estava precisando disso. — Joyce dá um cutucão em mim, sentada ao meu lado na mesa do bar.— Quem não gosta de cerveja numa sexta-feira, após uma longa e exaustiva semana, Joyce? — dou de ombros.— Mas o seu caso é diferente. — Luana entra na conversa, ela é uma amiga da Joyce a qual planejou este rolê de mulheres.O local escolhido foi num bar na saída da cidade, bem movimentado e com muita bebida e música. Não faz muito tempo que chegamos, passei pegar a Joyce em sua casa e aqui, fui apresenta a Luana, a Francine e a Paula.— Você contou para elas? — o meu olhar vai para a Joyce.— Ué! O que tem? — a mulher ao meu lado, indaga.— Não precisa sair por aí, expondo a minha vida. — reclamo.Talvez a vinda ao bar apenas me deixe mais estressada.— Não interprete mal, Laura. — a Francine, a qual aparenta ser a mais velha do grupo, diz — Nós que perguntamos a seu respeito para a Joyce.— Gostaríamos de saber com quem estamos l
RAUL ON— Então como combinamos, amanhã irei vir ao anoitecer para te buscar, ok filhão? — lembro ao Pietro.Apertei a campainha da casa dos pais da Laura, a qual tem sido o seu lar nas últimas semanas, enquanto isso esperamos alguém atender.— Tá bom, pai. — Pietro responde, segurando as alças de sua mochila ansiosamente, por conta da saudade da mãe.Eu até havia cogitado a ideia do Pietro vir após as aulas ver a Laura, durante a semana, mas pela longa distância de nossas casas, não pude fazer isso.Logo, o portão é aberto e o meu sogro, Ronaldo, aparece.— Olha só quem temos aqui! — Ronaldo sorri ao ver o neto.— Vovô! — Pietro o abraça.— E aí, garotão? Pronto para me enfrentar novamente num jogo de bola? — Ronaldo pergunta, animado com a presença do neto.Desde que conheci o Ronaldo — da época em que vim pedir a autorização dele para namorar a Laura — não pensei que veria este homem ir de um pai super protetor e mal-humorado para um vô liberal e amoroso. Os netos têm este poder so
...... DIA SEGUINTE ......LAURA ONPassei o resto da tarde, a noite e a madrugada chorando, pensando sobre o ponto em que o meu casamento com o Raul chegou.Durante um momento em que consegui me contar e as lágrimas cessaram, peguei no sono. Infelizmente, não tive o luxo de dormir mais, pois é segunda-feira e a semana se inicia outra vez.Levanto-me preguiçosamente, pego os meus pertences e vou para o banheiro. Ao me olhar no espelho, não tem como ignorar os meus olhos inchados e as olheiras fundas.— Uma noite fez todo este estrago. — murmuro.Faço as minhas necessidades matinais, tomo um banho para acordar de vez. Quando termino, volto para o quarto e começo a me arrumar para o trabalho — hoje irei pular a academia e ir direto para a empresa. Passo corretivo e base para disfarçar o meu olhar deprimido e um batom para dar uma cor nos meus lábios.Ao concluir o meu procedimento de beleza, pego os meus pertences, como bolsa, um casaco e a chave do carro e saio do quarto, indo em direçã
LAURA ON (NO TRABALHO)— Meu Deus, Laura! Quanto suspense! — a Joyce exclama, quando chegamos no restaurante onde iremos almoçar. — O local de trabalho não era o melhor lugar para conversar. — explico.Escolhemos uma mesa e nos sentamos.— Mas você se manteve em silêncio a manhã toda, nem para adiantar o assunto. — Joyce reclama.— Eu não queria falar sobre isso logo cedo. — continuo — Na verdade, acho que nem agora estou pronta. — Chega de enrolação, Laura. Me conta logo, o que houve? — Joyce me pressiona.Respiro fundo para revelar a tomada de decisão que tive ontem:— Eu pedi o divórcio.A boca da Joyce forma um perfeito O.— C-como? — quando ela enfim consegue dizer — Tão de repente assim? Sem mais e nem menos?— Tinham motivos para o casamento chegar a este ponto, Joyce. — lembro.— Eu sei, é que foi inesperado. — ela admite — Você sempre tão certinha, é a última pessoa que eu imaginaria se divorciar. — Está me rotulando, Joyce? — pergunto, provocando — Se um homem se divorcia