Dizem que quando morremos, passa um filme de nossas vidas diante dos nossos olhos. Acho que comigo não seria diferente se isso fosse verdade. Passei por experiências de quase morte por mais vezes do que posso contar. E em nenhuma delas vi filme algum. Mas pensei. Pensei muito em tudo o que havia vivido. E no que havia deixado de viver. Fui feliz. Sei que não estou morta. Não me sinto como se estivesse morta. Mas em um transe profundo do qual não sou capaz de me libertar. Sei disso porque ouço cada palavra que é dita próximo a mim. Ouço o desespero e a angústia de Cristian, o sofrimento da minha família e sinto a falta da minha filha. Minha filha... Minha pequena que estava tão doente. Será que o bebê tinha sido capaz de salvá-la? Queria muito acordar, abrir os olhos e mostrar a todos que estou bem. Mas me sentia cansada, como se meus músculos não me pertencessem
As coisas mudaram rápido na vida da minha família. Todas as coisas começaram a se encaixar em seus lugares. Eu finalmente passei a ver meu filho como tal, e não como um estorvo. Algumas coisas ainda estavam pendentes. Por alguma razão que eu desconheço no momento, eu não havia contado a Cristian que havia me lembrado dos cinco anos que minha mente apagou no acidente. E sinceramente, não sei como ele não reparou. A voz de Cristian me tirou das minhas divagações. Ele dizia algo que eu não entendi.-Perdão, querido, o que disse?-Eu disse que está tudo no carro.-Vou pegar as crianças.-Precisa de ajuda? -Sim. Sabe como Theodore anda traquinas.-Se sei, ele tem apenas seis meses e já parece tão mais velho. Muito sabido.Subimos as escadas e ouvimos do corredor as vozes de Bella e Theo. Ela conversava com ele, e ele lhe respondia naquela linguagem incompreensível dos bebês.Paramos por um minuto na porta para observar os
Desde pequena sou mimada por todos. Tenho uma criada que cuida de mim desde as fraldas. Seu nome é Uli. Trata - me como filha e impede minhas maluquices.Aos sete anos se eu saísse da cama sem calçar os pés, já sabia o que viria.-Bela, querida, não ande sem os sapatos. Pode se resfriar.-Não mudou nada não é Uli? Voltei de viagem apenas ontem, após nove longos anos e ainda me trata como se tivesse a idade de quando saí daqui.-Me preocupo menina.-Eu sei, não sei se vê, mas já passo dos dezesseis. Não tenho mais sete anos.-De qualquer maneira, use as pantufas antes de sair para o banheiro - Disse ela colocando o par de pantufas em forma de ursinho no chão a minha frente.Revirei os olhos, mas obedeci.-Elas são ridículas.-Sim, são, mas também são confortáveis e quentes.-Nunca esteve na Europa. Lá uma dessas não ajuda em nada.-É tão frio assim?-Sim. No colégio eu dormia com quatro meias.-Meu bom Deus!Passei
Sonhei com Cristian, e acordei nas nuvens. Mal conseguia prestar atenção na aula. Sabrina não parava de me perguntar por que estava tão aérea. Nem eu saberia como responder. Não tinha visto Cristian durante toda a manhã e isso estava me matando.Mal consegui dormir a noite, o rosto de Belinda inundava os meus pensamentos e até um simples cochilo, tornava - se palco de sonhos românticos e eróticos com ela. Fui pegar no sono, já passava das quatro da manhã. Quando acordei meu corpo denunciava o sonho erótico que acabara de ter com uma certa morena. Olhei no relógio e vi o quanto estava atrasado. Fui para o banho e desci em cinco minutos. Ainda com a camisa nas mãos. Passei na mesa do café e peguei uma fruta.-Toma café direito, menino!-Atrasado mãe- disse batendo no pulso como se houvesse um relógio ali.Quando cheguei a faculda
Aquele não parecia meu irmão, a alegria de Martin havia sumido. Aqueles tubos intravenosos davam a ele um aspecto frágil. Martin não era frágil. Lembro de como ele lutou para conquistar a aceitação da família. Mas nunca escondeu quem era. Meu pai condenava mais as noites de balada dele, do que o fato dele ser gay, mas no início foi muito difícil para ele.Olhei para os hematomas que tomavam todo o seu rosto e tronco. Seu rosto havia perdido os traços delicados que herdara de mamãe. Estava inchado e com muitas marcas. Seus braços estavam da mesma maneira. Eu pude notar no seu tórax alguns pontos, próximo ao peito e no braço direito.-Meu irmão. O que fizeram com você?Martin estava sob o efeito de sedativos e não me responderia. Uma grande revolta se apoderou de mim.Como era possível, que alguém fizesse isso a um ser humano apenas por ele ser quem é? Como é possível, que muitos crimes de ódio como este fiquem impune? É esse o país no qual eu nasci? Viver na E
O banho não havia mandado a angústia embora. Olhei minha imagem no espelho. A última vez que utilizara aquela penteadeira eu tinha apenas nove anos...-Vamos Belinda, seus pais a aguardam.-Não quero ir Uli.-Lá você poderá aprender melhor.-E não existem boas escolas aqui mesmo?-Até existem, mas nem todas são capazes de ensinar - lhe como na Europa. -E o que aprenderei na Europa, que não possa aprender aqui?-Eu não sei pequena, mas seus pais querem que vá.-Irei, não que essa escolha me caiba.-Não cabe. Nem a mim. Portanto vamos antes que me demitam.-Eles ousariam?-Suponho que não, mas não devo arriscar.Fiz uma careta e dei a mão para Uli. Ela sorriu e me levou para a sala. Minhas malas já estavam no carro e segui com meus pais para o aeroporto.Olhei novamente meu reflexo, as lágrimas eram agora por um tipo de distância diferente. Martin estava distante naquela cama de hospital. E meu pa
Da bancada onde eu estava podia ver Belinda sentada a beira da piscina.Pude notar que ela chorava. Ela estava com os pés dentro d'agua.Terminei de preparar os sanduíches e fui até ela.-Sanduíche de queijo.-Estou sem fome.-Você está sem comer há horas, aliás duvido que tenha comido alguma coisa desde ontem.-Não consegui.-Mas precisa Belinda.Ela pegou o sanduíche e o suco a contragosto. Comeu tudo, pois eu praticamente a obriguei. Levei Belinda para o único quarto da casa. Peguei um colchonete e arrumei no chão para mim.-Não precisa dormir no chão.-É melhor assim.-Prefiro que durma comigo. Assim não me sinto só.-Tudo bem.Me acomodei ao lado dela e em poucos segundos ambos dormimos.Acordei com gritos. Belinda gritava e falava coisas sem nexo.Me pus sentado ao seu lado e comecei a chamar por ela.Foi horrível!Eu andava pelo cemitério, procurava pelo túmulo de Will. De repente
Corri na direção do banheiro e quando empurrei a porta vi que algo a escorava por dentro. Com a força do corpo empurrei a porta e ouvi algo sendo lançado longe. Quando entrei vi que era uma cadeira. Ouvi novamente os gritos e depois eles cessaram para dar lugar a gargalhadas.Na última cabine duas garotas seguravam Sabrina e uma terceira enfiava sua cabeça no vaso sanitário.-O que está havendo aqui?-É melhor sair se não quiser tomar água da privada também princesinha.Todos sabiam quem eu era devido ao alarde que meu pai fizera no meu retorno, mas quase ninguém sabia que Sabrina era minha prima. Sua mãe,na verdade foi governanta na casa de meu tio e ele se apaixonou por ela. Ela é negra e talvez isso que o tenha atraido.Ela ficou grávida de Sabrina,mas antes dela nascer ele morreu. Eles haviam se casado, mas o meu avô paterno disse que o casamento não era válido, e deu um jeito de anulá -lo. Depois colocou as duas para fora de casa sem nem um centavo. Minha mãe a
No meu supercilio havia um curativo e minhas costelas doíam um pouco. Mas o lugar que mais doía era o meu coração. Ver Cristian ali tão perto e não poder tocar seus cabelos e nem beijar seus lábios me destruía por dentro. Me casaria com Estevão em nome do amor. Não permitiria que Estevão me tocasse. Meu corpo assim como meu coração pertenciam a Cris. Existe uma diferença entre o amor de sua vida e o homem da sua vida. O amor da sua vida faz você cometer loucuras, ficar de pernas bamba e sentir borboletas no estômago. O homem da sua vida é justamente o contrário. Te mantém sensata, com os pés no chão e faz você saber que é amada.Acho que no meu caso Cris é os dois.Eu não sabia como seria minha vida dali para frente, não amava Estevão e seria sua esposa.Olhei na direção de onde ele conversava com Sabrina e nossos olhares se encontraram. Desviei o olhar e sai correndo.Cheguei em casa e fui direto para m