Vale de ossos

O banho não havia mandado a angústia embora. Olhei minha imagem no espelho. A última vez que utilizara aquela penteadeira eu tinha apenas nove anos...

-Vamos Belinda, seus pais a aguardam.

-Não quero ir Uli.

-Lá você poderá aprender melhor.

-E não existem boas escolas aqui mesmo?

-Até existem, mas nem todas são capazes de ensinar - lhe como na Europa.

-E o que aprenderei na Europa, que não possa aprender aqui?

-Eu não sei pequena, mas seus pais querem que vá.

-Irei, não que essa escolha me caiba.

-Não cabe. Nem a mim. Portanto vamos antes que me demitam.

-Eles ousariam?

-Suponho que não, mas não devo arriscar.

Fiz uma careta e dei a mão para Uli. Ela sorriu e me levou para a sala. Minhas malas já estavam no carro e segui com meus pais para o aeroporto.

Olhei novamente meu reflexo, as lágrimas eram agora por um tipo de distância diferente. Martin estava distante naquela cama de hospital. E meu pai impunha uma distância absurda entre Cristian e eu por causa de uma briga de gerações, que nem era  nossa.

-Não chore!

Olhei para trás sobressaltada. Era Cris.

-Como entrou aqui?

-Pela janela.

- Há quanto tempo está aí?

-Não te vi nua, se é o que te preocupa. Me virei para a parede.

-Como posso ter certeza?

-Confiando em mim.

-Eu... Confio.

Cristian se aproximou. Secou uma lágrima com o polegar.

-Gostaria de poder mudar tudo isso. 

-Beije-me.

Cris fez o que eu pedi. Seu beijo era cálido e quente ao mesmo tempo. Suas mãos enlaçadas em meus cabelos me faziam tremer. Minhas mãos subiram até seus ombros. Ele era mais alto que eu, então não lhe alcançava os cabelos. Meu corpo se moldou ao dele e senti sua excitação, o que também me excitou. Cristian me pegou nos braços e sem parar de me beijar me levou para a cama. Ali as carícias ficaram mais intensas.

Eu a queria. Ah! Doce Belinda. Me excitei apenas com o toque em sua pele. Ela demonstrava que me queria tanto quanto eu a ela. Me lembrei de que ela era noiva.

Interrompi o beijo.

-Tem certeza Belinda?

- Nunca em minha vida tive tanta certeza de algo.

-Mas você é noiva.

-Não por minha vontade.

-Tem apenas dezesseis anos.

-Dezessete. Mas se me considera uma criança...

-Não fez dezessete ainda. E não te considero uma criança.

-Então faça - me sua.

-Farei.

Continuei a beijar Belinda e a despi de sua camisola. Ela não teve tempo de despir - me. Bateram na porta.

-Quem é?- Perguntou Belinda ainda em baixo de mim.

-Sua mãe. Eu exijo que desça, seu noivo está lá em baixo.

-Não quero vê-lo!

-Você não decide, seu pai mandou que descesse e disse que se não for, virá te buscar.

-Já vou, preciso me vestir.

-Tem dez minutos.

Pude ouvir os saltos da mulher se afastando.

Eu me levantei e Belinda correu para o closet, saíndo de lá após alguns minutos em um vestido amarelo que lhe realçava a cor dos cabelos.

-Tudo isso é para ele?

- Está com ciúmes?

-Muito.

-Não seja bobo. Ainda que me case com ele, meu amor será apenas seu.

O que ela disse me causou arrepios. Se casaria ela com ele?

-Você não se casará com ele!

-Não. Tenho outro pretendente.

- Ah, Belinda! Como eu queria que realmente pudéssemos casar.

- Poderemos um dia.

-Eu a amo!

-Eu também o amo, mas agora devo ir e você também.

Ela me beijou e saiu. Pulei a janela e cai no gramado abaixo da saída de seu quarto. Fui surpreendido.

-Acha mesmo que eu não o vi subir aí?

-O... Senhor...Castro.

-Diga - me garoto, o que quer para que se afaste de minha filha? Sei que sua família tem posses, mas deve haver algo que possa ser seu preço.

-Eu um não tenho preço, meu amor não tem preço.

- Todos têm um preço.

-Tem razão, todos têm um preço e o meu é muito alto. Não estaria disposto a pagar.

-Pagaria qualquer quantia. Diga garoto, qual seu preço?

-Meu preço é Belinda. Nem todo dinheiro do mundo me daria paz para ficar longe dela.

- Várias mulheres já passaram por sua cama! Minha filha não será uma delas.

-Ela não é. Realmente a amo.

-Não tocará em minha filha! Ela se casará com Estevão.

-Tem coragem de vender sua própria filha?

- Não a estou vendendo, Estevão a ama.

-Mas ela não o ama.

-Prefiro vê-la casada com ele a entregá -la a sua maldita família. Agora vá embora de minha casa e não volte!

Virei as costas e sai, deixando o velho falar sozinho.

Cheguei a sala e encontrei Estevão 

-Belinda!

-Olá, o que faz aqui?

-Vim ver minha noiva.

-Não vê que não quero me casar com você?

-Vejo que fica atrás daquele cara. Ele só quer te usar Belinda.

-Isso não te diz respeito!

-Diz respeito sim.

-Eu não quero mais ouví-lo. Passar bem Estevão.

Virei bruscamente e sai a passos largos em direção ao meu quarto. Encontrei meu pai no caminho.

-Onde vai?

-Para meu quarto.

-Aquele marginal não está mais lá.

Fiquei vermelha.

-Do que está falando?

-Do Montesano que estava em seu quarto.

Fiquei sem fala.

-Colocarei uma grade. Ele não conseguirá entrar.

-Não pode me tratar como uma prisioneira.

-Realmente colocar uma grade manteria você dentro, não ele fora.

-O que está pensando?

-Você verá, ainda esta tarde verá.

Subi ao meu quarto e demorou cerca de três horas até o jantar. Após o jantar, meu pai convocou a família para apresentar a nova equipe de seguranças.

-Seguranças? - Indagou mamãe nervosa.

-Temos que nos proteger, não vêem o que houve com Martin?

-Essa não é uma forma de proteger Martin - Falei incrédula.

-Existem muitos desconhecidos que podem se esgueirar sorrateiramente e invadir a casa.

Olhei para aquele homem a minha frente, desconhecendo - o. O homem que me pegava no colo com tanto amor e que me dizia que eu era sua garotinha, agora me tratava como uma delinquente juvenil.

-Vou para meu quarto.

-Você fica. Tem ficado muito no quarto ultimamente. Marquei um jantar para você e Estevão.

-Eu não irei, não pode me obrigar.

-Veremos então. Pode subir ao seu quarto, já que agora não corremos riscos de ele ser invadido.

Corri o mais rápido que pude. Abri a porta do quarto e fui direto para a sacada. Haviam dois seguranças lá em baixo. A menos que Cristian fosse um mestre do Kung- fu, seria impossível passar pelos dois.

Mais tarde, naquele dia, fomos ao hospital visitar Martin. Três brutamontes me acompanharam. Não puderam entrar no quarto, mas ficaram a porta impedindo quem quer que fosse de entrar. No caso Cristian.

Meu irmão havia apresentado alguma melhora, mas ainda não saira do coma.

O corpo de Will havia sido liberado e seu enterro seria no outro dia.

Num vestido negro de renda simples, eu ouvia as palavras do pastor que dizia alguma coisa sobre morrer não ser o fim. Para mim era. Eu não veria mais Will. Meu irmão morreria um pouco com ele, quando acordasse e descobrisse que estava morto.

Não que eu não acreditasse na vida eterna como afirmava o pastor que ela existia, mas para mim não seria fácil ficar tanto tempo longe de quem amamos. Martin com certeza pensaria da mesma maneira. Quando amamos, não conseguimos ficar sequer um dia sem a pessoa, imagine aguardar toda uma vida para reencontrá -la.

Comigo era tão ruim quanto isso. Amava Cristian e sabia que era recíproco, mas estávamos afastados não pela morte e sim pela vida.

O pastor terminou o sermão e o caixão começou a ser colocado no túmulo da família dele. Fora colocada uma inscrição em letras de bronze, diziam:

Aqui jaz:

William Prado de Oliveira.

Filho, amigo e neto. Saudades eternas de sua família.

+28/04/1995 ☆12/02/2015

Chorei abraçada a Uli. Olhei para uma sombra que se movimentava ao longe.

Cristian.

Me desvencilhei de Uli e fui na direção dele. 

-Achei que não fosse vir - Falei ao me aproximar.

-Não podia deixar de vir. Will era meu amigo. 

- Então por que não estava lá?

-Não queria confrontar seus pais. Não tenho o direito de torturar ainda mais a mãe de Will com uma briga.

- Tem razão.

Ouvi passos atrás de mim e vi os olhos de Cris se arregalarem.

-Já te disse para se afastar de minha filha!

-Não vou criar caso com você. Não aqui.

-Então por que veio?

-Will era meu amigo, e não podia fingir que ele não está morto!

-Se o estimava tanto assim deveria honrar sua memória e evitar uma confusão em seu enterro.

-Quem deveria evitar uma confusão é você papai!

-Cale-se Belinda.

-Não, não me calarei. Eu o amo e não me casarei com Estevão!

-Veremos.

Saí correndo, Cristian lançou um olhar fulmirante e me acompanhou.

Passei pelos grandes portões do cemitério e virei a esquerda na rua principal, ignorei Cris que corria atrás de mim e gritava meu nome.

Entrei no Parque Vila Lobos e me sentei na grama. O parque estava vazio e uma fina garoa caía. Cris me alcançou e sentou-se ao meu lado.

Me sentei ao lado dela.

Não falei nada até que ela quebrou o silêncio.

-Ele vai conseguir me afastar de você, sei que vai. E se isso acontecer um dia quero que saiba que eu te amo.

-Ele não pode te obrigar.

-Ele não pode, mas sei que vai arranjar uma maneira para que eu faça de livre e espontânea vontade.

-Você está me assustando.

-Não se assuste. Apenas me beije.

Fiz o que ela me pediu. Foi um beijo tenso e ela interrompeu antes do esperado.

-Me leve para casa, não tenho condições de ir sozinha.

-Meu carro ficou no cemitério.

-Vá buscar eu espero aqui. Não quero voltar lá.

-Está bem.

Fui o mais rápido que pude. Cheguei bem rápido. Não havia quase ninguém no túmulo de Will. Apenas sua família. Olhei com pesar para eles antes de entrar no carro.

Cheguei a tempo de ver Estevão e ela discutindo. Ele gritava e tentava pega - la pelo braço, ao passo que ela fugia dele. Não queria me aproximar mas algo que ele disse me fez pensar melhor.

-Você não me quer por causa daquele imbecil. Já foi para a cama com ele?

-Não é da sua conta.

-Claro que é, você será minha esposa.

-Não se eu puder evitar.

-Já que foi para a cama com ele, pode ir comigo. Ele apenas te usou como fez com todas as outras!

Dito isso ele avançou para cima dela e começou a beijá - la a força.

-Larga ela seu imbecil!

-Eu posso tocá - la, você é quem não pode!

Ele cheirava a álcool.

-Você está bêbado! Nem que ela já fosse sua esposa você não teria o direito de tocar nela sem autorização.

-Autorização de quem? Sua?

-É melhor você ir.

-Eu não vou.

-Então vamos nós. Venha Belinda.

Quando ela começou a me seguir ele a puxou e ela caiu.

-Você é uma vadia mesmo, tenho certeza que faço melhor que ele.

Foi o suficiente para mim. Avancei sobre ele e o peguei pelo pescoço.

-Cara, qual é o seu problema? Ela não te ama.

-E ama a quem? Você?

-Eu não fui para a cama com ela se é o que te incomoda.

-O pai dela vai obrigá - la a se casar comigo, ele sabe como...

Dei um soco no nariz dele e ele caiu. Entramos no carro e sai cantando pneu.

Belinda tinha os olhos fixos na estrada a nossa frente e de repente se virou para mim.

-Não quero ir para casa.

-E quer ir para onde?

-Para qualquer lugar. Talvez aquela casa onde você me levou outro dia.

-Minha casa no litoral?

-Sim.

-Mas e sua família?

-Danem - se eles. Não se importam realmente comigo.

- Se pensa assim...

Virei no próximo retorno e segui o caminho para o litoral. Não demoramos a chegar, já que não havia trânsito.

Belinda desceu do carro

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