Eu nem sei por que fiquei. Acho que o desespero no olhar dela me fez ficar. Ou talvez o meu amor é que tenha falado mais alto. Eu não sei, só sei que não fui capaz de deixá-la. Desfiz minhas malas e voltei para sala. Belinda estava sentada ao piano e tocava. Me encostei no corrimão da escada e fiquei observando-a tocar. Ela tocava uma peça melancólica após a outra. Ela estava triste.
Me aproximei e no instante que notou minha presença, ela parou de tocar.-Faz tempo que está ai?
-Uns dez minutos. Por que parou de tocar?-Não sei...-Eu gosto quando você toca.-Eu também gosto de tocar.-Mas parece triste.-A peça?-Não, você. O que há de errado Bella?-Você nunca mais havia me chamado de Bella.-Você se lembra que eu a chamava assim?-Sim.-Então há esperança.-Sim, há.-Mas você ainda não me disse o que há de errado.-Nós... Eu. Acho que está tudo muito complicado.-Você me pediu para ficar e aqui estou. Mas não quero te vMe levantei com cuidado para não acordar Cristian. Não resolveu muito. No momento em que eu coloquei os meus pés no chão ele abriu os olhos e me agarrou pela cintura.-Hum. Você cheira muito bem Sra. Montesano.Ser chamada de Sra. Montesano ainda era muito estranho para mim, mas ainda assim eu sorri e dei um gritinho quando ele me puxou para a cama.-Eu preciso ir a casa da minha mãe, Cristian.Ela vai se livrar de algumas coisas e quer minha ajuda.-Você não vai pegar peso, não é?-Claro que não.-Eu acho que eu não quero que você vá - Sussurra ele no meu pescoço.-Venha comigo, então. Assim você ajuda na faxina. Você fica com o peso - Digo sorrindo.-Fechado.A casa da minha mãe parecia o Monte Vesúvio após uma erupção. Haviam caixas e mais caixas com diferentes tipos de quinquilharias. Nós separavamos aquilo que ia ser útil ainda e descartávamos o resto. Eu me perguntava por q
-Ahh!Belinda gritou uma última vez e o choro do bebê encheu meus ouvidos. Aparei Theodore nos meus braços. Com uma das mãos tirei minha camisa e o embrulhei. Logo em seguida a luminosidade que eu vira antes parou ao lado do carro.Era uma ambulância e o policial que me abordara, descia dela com paramédicos.-Eu imaginei que não daria tempo e acionei a emergência.-Obrigada.-Cristian- Belinda sussurrou.Olhei para ela e fui mais uma vez tomado pelo pânico.Sua cor desaparecera totalmente. E ela desfalecia no banco de trás do carro.-Belinda!-Calma, os paramédicos vão cuidar dela.Enquanto eu segurava o bebê, eles cortaram o cordão umbilical e trouxeram uma maca para minha esposa.Colocaram- na na ambulância e eu me sentei ao seu lado. Uma enfermeira se aproximou de mim.-Preciso examinar o bebê.Entreguei meu filho a ela que fez alguns procedimentos. Eu fiquei olhando e ela sorriu.-Isso serve para
Dizem que quando morremos, passa um filme de nossas vidas diante dos nossos olhos. Acho que comigo não seria diferente se isso fosse verdade. Passei por experiências de quase morte por mais vezes do que posso contar. E em nenhuma delas vi filme algum. Mas pensei. Pensei muito em tudo o que havia vivido. E no que havia deixado de viver. Fui feliz. Sei que não estou morta. Não me sinto como se estivesse morta. Mas em um transe profundo do qual não sou capaz de me libertar. Sei disso porque ouço cada palavra que é dita próximo a mim. Ouço o desespero e a angústia de Cristian, o sofrimento da minha família e sinto a falta da minha filha. Minha filha... Minha pequena que estava tão doente. Será que o bebê tinha sido capaz de salvá-la? Queria muito acordar, abrir os olhos e mostrar a todos que estou bem. Mas me sentia cansada, como se meus músculos não me pertencessem
As coisas mudaram rápido na vida da minha família. Todas as coisas começaram a se encaixar em seus lugares. Eu finalmente passei a ver meu filho como tal, e não como um estorvo. Algumas coisas ainda estavam pendentes. Por alguma razão que eu desconheço no momento, eu não havia contado a Cristian que havia me lembrado dos cinco anos que minha mente apagou no acidente. E sinceramente, não sei como ele não reparou. A voz de Cristian me tirou das minhas divagações. Ele dizia algo que eu não entendi.-Perdão, querido, o que disse?-Eu disse que está tudo no carro.-Vou pegar as crianças.-Precisa de ajuda? -Sim. Sabe como Theodore anda traquinas.-Se sei, ele tem apenas seis meses e já parece tão mais velho. Muito sabido.Subimos as escadas e ouvimos do corredor as vozes de Bella e Theo. Ela conversava com ele, e ele lhe respondia naquela linguagem incompreensível dos bebês.Paramos por um minuto na porta para observar os
Desde pequena sou mimada por todos. Tenho uma criada que cuida de mim desde as fraldas. Seu nome é Uli. Trata - me como filha e impede minhas maluquices.Aos sete anos se eu saísse da cama sem calçar os pés, já sabia o que viria.-Bela, querida, não ande sem os sapatos. Pode se resfriar.-Não mudou nada não é Uli? Voltei de viagem apenas ontem, após nove longos anos e ainda me trata como se tivesse a idade de quando saí daqui.-Me preocupo menina.-Eu sei, não sei se vê, mas já passo dos dezesseis. Não tenho mais sete anos.-De qualquer maneira, use as pantufas antes de sair para o banheiro - Disse ela colocando o par de pantufas em forma de ursinho no chão a minha frente.Revirei os olhos, mas obedeci.-Elas são ridículas.-Sim, são, mas também são confortáveis e quentes.-Nunca esteve na Europa. Lá uma dessas não ajuda em nada.-É tão frio assim?-Sim. No colégio eu dormia com quatro meias.-Meu bom Deus!Passei
Sonhei com Cristian, e acordei nas nuvens. Mal conseguia prestar atenção na aula. Sabrina não parava de me perguntar por que estava tão aérea. Nem eu saberia como responder. Não tinha visto Cristian durante toda a manhã e isso estava me matando.Mal consegui dormir a noite, o rosto de Belinda inundava os meus pensamentos e até um simples cochilo, tornava - se palco de sonhos românticos e eróticos com ela. Fui pegar no sono, já passava das quatro da manhã. Quando acordei meu corpo denunciava o sonho erótico que acabara de ter com uma certa morena. Olhei no relógio e vi o quanto estava atrasado. Fui para o banho e desci em cinco minutos. Ainda com a camisa nas mãos. Passei na mesa do café e peguei uma fruta.-Toma café direito, menino!-Atrasado mãe- disse batendo no pulso como se houvesse um relógio ali.Quando cheguei a faculda
Aquele não parecia meu irmão, a alegria de Martin havia sumido. Aqueles tubos intravenosos davam a ele um aspecto frágil. Martin não era frágil. Lembro de como ele lutou para conquistar a aceitação da família. Mas nunca escondeu quem era. Meu pai condenava mais as noites de balada dele, do que o fato dele ser gay, mas no início foi muito difícil para ele.Olhei para os hematomas que tomavam todo o seu rosto e tronco. Seu rosto havia perdido os traços delicados que herdara de mamãe. Estava inchado e com muitas marcas. Seus braços estavam da mesma maneira. Eu pude notar no seu tórax alguns pontos, próximo ao peito e no braço direito.-Meu irmão. O que fizeram com você?Martin estava sob o efeito de sedativos e não me responderia. Uma grande revolta se apoderou de mim.Como era possível, que alguém fizesse isso a um ser humano apenas por ele ser quem é? Como é possível, que muitos crimes de ódio como este fiquem impune? É esse o país no qual eu nasci? Viver na E
O banho não havia mandado a angústia embora. Olhei minha imagem no espelho. A última vez que utilizara aquela penteadeira eu tinha apenas nove anos...-Vamos Belinda, seus pais a aguardam.-Não quero ir Uli.-Lá você poderá aprender melhor.-E não existem boas escolas aqui mesmo?-Até existem, mas nem todas são capazes de ensinar - lhe como na Europa. -E o que aprenderei na Europa, que não possa aprender aqui?-Eu não sei pequena, mas seus pais querem que vá.-Irei, não que essa escolha me caiba.-Não cabe. Nem a mim. Portanto vamos antes que me demitam.-Eles ousariam?-Suponho que não, mas não devo arriscar.Fiz uma careta e dei a mão para Uli. Ela sorriu e me levou para a sala. Minhas malas já estavam no carro e segui com meus pais para o aeroporto.Olhei novamente meu reflexo, as lágrimas eram agora por um tipo de distância diferente. Martin estava distante naquela cama de hospital. E meu pa