AISHA
DOIS ANOS ANTES
No dia que deveria ser o mais importante da minha vida, acordei sem a menor ideia de que tudo mudaria para sempre. Hoje era o dia que todo jovem membro da matilha ansiava que chegasse: o dia do seu décimo sexto aniversário, o dia da transformação.
Como lobos, somos ensinados desde muito novos que este seria o dia mais especial de nossas vidas após o nascimento. Era o dia em que nosso lobo se revelaria em sua forma natural. Nosso corpo passaria pela tão esperada transformação. Nossa primeira transformação. Alguns conseguem sentir o seu lobo muito antes disso acontecer, mas eu não tive essa sorte.
Meu pai me explicava constantemente que nosso animal habitaria nossa mente. Seriam dois seres, dividindo o mesmo corpo e compartilhando a mesma mente, e ambos viveriam em harmonia. Eu conseguiria sentir seus sentimentos, assim como minha loba também sentiria os meus.
O dia que deveria ser o mais especial na minha vida se tornou meu tormento. Toda a alcateia estava reunida na clareira, no centro da floresta, cercada de árvores ancestrais e totalmente distante da humanidade.
Todos os aniversariantes daquele mês estavam diante do alfa. Era dele que partiria a ordem da transformação. Meu coração martelava contra as costelas, a antecipação queimando como brasas sob a pele, enquanto o medo sussurrava no fundo da minha mente.
O alfa começou a proclamar as transformações, chamando cada lobo pela ordem cronológica de nascimento. Um por um, eles se aproximavam e então o ar se enchia com o som arrepiante de ossos se quebrando.
Eu observava, hipnotizada e ansiosa, enquanto seus corpos eram tomados por espasmos violentos. Seus dedos se alongando, onde antes tinham unhas, agora possuíam garras. As juntas se esticavam e, com estalos audíveis, seus ossos quebravam e se reconfiguravam em novas formas.
Cada lobo caía de joelhos, os olhos brilhando com uma luz primal, antes de explodirem em suas formas lupinas. Minha respiração estava presa na garganta enquanto assistia. Cada nova transformação era como uma faca cravada no meu peito, me lembrando do que eu ainda não tinha.
Enquanto eu observava ansiosamente, esperando minha vez, perguntava-me porque eu fui uma das últimas a nascer naquele mês, dezesseis anos atrás. A cada nome chamado, a esperança gritava que eu seria a próxima. Mas o medo… o medo rastejava, sussurrando que algo dentro de mim estava errado.
Um aperto no peito começou a surgir, misturado com uma sensação de angústia. Onde estava minha loba? Por que ela não havia se revelado ainda para mim?
Quando o alfa chegou em minha vez, eu estava tomada de emoções. Meu coração batia descompassado de euforia, enquanto o medo habitava minha mente.
— Aisha Davis, transforme-se! — Ordenou o Alfa Joseph, mas não houve nenhum sinal de que isso aconteceria.
— Não consigo! — Minha voz saiu mais alta do que eu queria, carregada de pânico. — Não sinto minha loba. Nada…
Meus pais ali próximos me olharam, seus olhos contendo um medo que eles não queriam me mostrar.
— Alfa, podemos aguardar até o final da celebração? — Meu pai perguntou e nosso alfa apenas deu um aceno de cabeça, permitindo, sem entender o que poderia estar acontecendo.
Quando finalmente todos haviam se transformado, exceto eu, a decepção foi avassaladora. Um silêncio constrangedor pareceu pairar sobre a clareira, enquanto todos olhavam para mim, alguns com surpresa e outros com certo desprezo.
Eu podia sentir os olhares de pena e escárnio sobre mim, como se minha falta de transformação fosse um sinal de fraqueza ou inferioridade, me fazendo sentir diferente de todos.
Os comentários começaram a surgir, sussurros maldosos e risadinhas que cortavam como facas afiadas. Eu era a única loba da minha idade que ainda não despertara sua loba interior.
Me tornaria alvo de piadas cruéis e bullying por parte dos outros membros da matilha, disso não tinha nenhuma dúvida. Era como se eu fosse uma aberração, uma falha no sistema, e aquilo doía profundamente. Ainda assim, eu tentei manter a cabeça erguida e não demonstrar o quanto aqueles sussurros e olhares me afetavam.
No entanto, por dentro, a dor e a humilhação eram insuportáveis. Aquilo não era o que eu esperava para o meu décimo sexto aniversário, o dia que deveria ter sido o mais especial da minha vida e que agora se transformara em um verdadeiro pesadelo.
Dia após dia, eu dependia constantemente da ajuda do meu irmão para me defender. Collin era meu único apoio contra as maldades que os outros lobos da minha idade infligiam a mim, os mesmos lobos que se transformaram naquele dia.
Fiz com que Collin me prometesse que não contaria nada aos nossos pais. Já bastava ser motivo de piada para muitos. Não queria me tornar motivo de pena para minha própria família. Mesmo sem minha loba, eu tentaria encontrar uma forma de sobreviver, evitá-los ou de me defender de todos eles.
Meu pai, após aquele dia, tentou me consolar, dizendo que isso poderia acontecer. Mas vi a troca de olhares entre a minha mãe e ele. Algo em seus olhos me fez hesitar. Era mais do que preocupação. Era medo… talvez até culpa. O que eles estavam escondendo de mim?
Eu precisava descobrir a verdade, entender por que minha transformação não aconteceu. Talvez houvesse algo errado comigo, ou talvez houvesse uma explicação que ninguém queria me dar. Mas uma coisa era certa: eu não desistiria. Continuaria procurando respostas, não importava o quanto isso me custasse.
Se minha loba estava esperando o momento certo para se mostrar, então eu também esperaria. Mas faria isso lutando por respostas. Porque, de uma coisa, eu tinha total certeza: eu não era fraca. E o mundo ainda veria isso.
DIAS ATUAISCom o coração apertado, eu contava os dias para o momento em que minha loba finalmente apareceria e me levaria ao meu companheiro, aquele destinado pela Deusa. Mas dois anos de espera e silêncio me fizeram duvidar.Coincidentemente, a coroação do novo alfa seria no mesmo dia em que eu completaria aniversário. Meu décimo oitavo aniversário. A idade em que normalmente nosso lobo ouviria o chamado de nosso companheiro. Aquele destinado pela Deusa da Lua a completar nossa alma. No entanto, todos afirmavam que para isso acontecer, eu precisava ter uma loba, afinal, o evento era exatamente uma caçada pelo seu companheiro, com todos transformados em seus lobos. Se seu companheiro pertencesse àquela alcateia, algo que não possuía garantias, seu lobo levaria você até ele, através da linha invisível que existia entre vocês, e dessa forma ambos se conectariam.Desde aquele fatídico dia, dois anos atrás, a dúvida me corroía. E se eu nunca encontrasse meu companheiro? E se minha loba
Sabia que eu não tinha como ajudá-los, pois não possuía uma loba. Então, naquele momento, algo despertou em minha mente e fiz exatamente o que me orientaram a fazer. Corri como se minha vida dependesse disso e pediria ajuda assim que chegasse na alcateia.Sentia os músculos das pernas chegando ao seu limite, mas não diminuí meu ritmo. Graças ao bullying que sofria de um grupo restrito de lobos, havia desenvolvido uma resistência maior para correr. Meu desespero era pensar que talvez fosse tarde demais para minha família, mas eu não desistiria de tentar.Sentia raiva por não ter uma loba. Tinha certeza de que, se a tivesse, conseguiria chegar mais rápido até nossos guerreiros.Assim que entrei em nossos limites, comecei a gritar. Rapidamente, alguns guerreiros se aproximaram para verificar o que estava acontecendo. Ainda recuperando o fôlego, tentei explicar rapidamente o que houve. Eles soaram o alerta e saíram em disparada para o local que indiquei.Eu estava tremendo devido a todo o
Os dias que se seguiram foram um borrão de dor e silêncio. Eu não comia, não falava... apenas sobrevivia. As risadas e o barulho da alcateia ao redor pareciam de outro mundo, um mundo que eu não conseguia mais alcançar. Não havia mais nada em mim. Apenas o vazio.Nesses dois últimos anos, desde os meus dezesseis, havia sido a piada para a grande maioria de minha matilha. No começo, eu me incomodava com os comentários e me sentia envergonhada. Depois, quando eles perceberam que eu não ligava mais, começaram a fazer maldades, e quando percebi, era humilhada constantemente.Me perguntava o que aconteceria agora, após enterrar as únicas pessoas que realmente se preocupavam comigo. No entanto, não tinha resposta para isso.Imaginei que, após toda a tragédia que aconteceu com minha família, a caçada e a festa em celebração ao novo alfa, que estava programada para o dia de meu aniversário, pelo menos iria ser adiada. Ninguém sabia ao certo o que matou meus pais e meu irmão.Se comentava que
Mais um mês se passou sem que eu sequer cruzasse com Martín. Se já não bastasse perder minha família, agora também perdi o companheiro que Selene me enviou. A dor só não era mais profunda pelo fato de não possuir uma loba, mas a raiva que sentia pela insensibilidade dele era maior que a dor.Martín nunca fez nada diretamente contra mim, mas sempre estava ao lado dos amigos nas vezes que me maltrataram, me amedrontaram e me fizeram correr desesperada pela floresta. Ele não proferia uma única palavra diante do bullying que seu grupo fazia comigo.E por ele ser conivente com os amigos, eu acreditava que ele era tão culpado quanto os outros. Tantos lobos na face da Terra e a Deusa tinha que entrelaçar meu destino justo com esse? Eu não podia acreditar nisso. Durante esse tempo, nenhuma explicação me foi dada sobre o que havia matado minha família. Parecia que, para todos, nada tinha acontecido. Após o enterro, era como se minha família não tivesse existido, e a única pessoa que ainda sen
Assim que cheguei lá, Maitê já me esperava ansiosa em frente à boate. Peguei um band-aid em minha bolsa e coloquei naqueles dois ferimentos em meu braço. Quando minha amiga me viu descer do carro, correu para me abraçar e, mesmo eu tentando disfarçar, ela percebeu que eu havia chorado.— Não fica assim, amiga. Tenho certeza de que o maior desejo da sua família era que você fosse feliz. Eles não gostariam de te ver triste. — Ela disse, consolando-me, acreditando que eu estava assim devido à minha família.— Sei disso, Maitê.Não podia contar a verdade a ela sem ter que explicar o que significava o laço de companheiros, sem mencionar o que eu era, mesmo sendo uma loba defeituosa. Então, apenas a deixei acreditar no que ela pensava ser o motivo. Adentrei a boate com determinação, disfarçando a tristeza que ainda pesava no peito.A música alta e pulsante, as luzes coloridas dançando ao ritmo da batida, tudo isso me surpreendeu pelo fato de nunca ter estado em uma boate antes e acabou me e
Enquanto conversávamos na mesa de Kiron, a atmosfera ao redor parecia mais leve e vibrante. Os olhares curiosos dos amigos dele logo se transformaram em sorrisos acolhedores quando começamos a interagir.Maitê, sempre extrovertida, logo se juntou à conversa, fazendo todos rirem com suas histórias engraçadas sobre algumas de nossas aventuras juntas.Eu me sentia estranhamente à vontade ao lado de Kiron, como se o conhecesse há muito mais tempo do que apenas algumas músicas de boate. Seu jeito confiante e atencioso era cativante, e eu me pegava cada vez mais interessada em conhecê-lo melhor.Conversamos sobre tudo e sobre nada ao mesmo tempo. Ele se aproximou mais e, por um momento, nossas conversas eram trocadas ao pé do ouvido, aproveitando a companhia um do outro e o clima descontraído da noite.Kiron mostrou-se genuinamente interessado em minha vida, fazendo perguntas que iam além da superficialidade das conversas de boate. No entanto, eu evitava as perguntas mais pessoais que não p
Ele afastou meus cabelos e beijou a lateral do meu pescoço, repetindo o gesto do lado oposto. Fechei meus olhos e suspirei com aquele contato, era muito bom. Ele tirou a taça da minha mão e a colocou no centro ali próximo, fazendo-me virar para ele. Voltamos a nos encarar e, em seguida, seus lábios envolveram os meus.Achei que ele tinha entendido meu recado quando me mantive em silêncio, eu não desejava falar sobre o futuro, eu queria viver apenas o momento.Seus beijos, que começaram lentos, agora estavam mais profundos, até mesmo necessitados. Ele colou seu corpo ao meu e logo estava pressionada contra aquela parede de vidro.Seu beijo desceu novamente pelo meu pescoço, enquanto sua mão subia até meus seios, fazendo-me gemer involuntariamente. Sua outra mão segurou minha bunda, puxando-me mais para ele, enquanto eu me entregava totalmente ao momento.— Você é irresistível para mim. Tenho que confessar que não aceitaria perder você para ninguém. — Kiron disse, suas mãos percorrendo
A sensação de vulnerabilidade misturada ao desejo me fez ofegar. Por um segundo, o quarto pareceu ficar em silêncio absoluto, como se o mundo ao nosso redor tivesse parado, e o único som fosse o de minha respiração entrecortada.Kiron não se mexeu de imediato. Ele simplesmente permaneceu ali, seus olhos intensos me observando com atenção. Sentindo a leve tensão que surgira, ele afastou a mão, deslizando-a gentilmente pela minha perna até alcançar meu joelho. Seu toque era tão suave que parecia acalmar o nervosismo que havia começado a crescer dentro de mim.— Está tudo bem. — Ele murmurou, sua voz rouca e carregada de cuidado. — Não precisamos continuar. Quero que você se sinta segura, Aisha.Mesmo enquanto o desejo me consumia, uma parte de mim ainda estava incerta. Mas, ao olhar para Kiron, seus olhos repletos de cuidado e devoção, soube que queria confiar nele. Meu corpo ansiava por ele, mesmo que meu coração ainda estivesse se ajustando à intensidade da experiência.Não era medo q